Vapor – Operação de caldeiras menores demanda melhorias técnicas

Revista Química e Derivados - Vapor - Operação de caldeiras menores demanda melhorias técnicasCom tecnologia já bastante consolidada, o segmento de condicionamento de água para sistemas geradores de vapor industrial não demonstra ter muitas brechas para a inovação. Isso ocorre principalmente nas indústrias mais dependentes de vapor, onde caldeiras de alta pressão, por causa do maior risco operacional, precisam estar melhor controladas, exigindo sistemas, produtos e cuidados mais apurados. Nessa área, as novidades são esparsas e, quando ocorrem, normalmente envolvem melhorias na filtragem mecânica da água de entrada ou na substituição de alguns produtos considerados mais perigosos.

Já no caso dos tratamentos voltados para as caldeiras de média (20 a 70 kgf/cm2) e baixa pressão (até 20 kgf/cm2) há lacunas tecnológicas com maior possibilidade de serem exploradas nas ofertas dos principais competidores. Muito também, é verdade, por causa do atraso tecnológico de usuários locais, que ainda não dão a devida atenção ao custo do tratamento de água por hora de vapor, considerado por especialistas como mais alto nas caldeiras menores. Sem entrar em consideração com os “relaxados ou irresponsáveis”, ou seja, aqueles que ainda alimentam caldeiras com água sem tratamento (a despeito do risco inerente), uma característica nacional desse nicho de mercado é aumentar as purgas nos sistemas baixos e médios de vapor, diminuindo os ciclos de concentração para evitar incrustações. Em resumo, esse comportamento significa altas perdas de água quente, por consequência de energia e, por fim, de dinheiro.

Conscientes dos problemas, alguns fornecedores tentam apresentar novas soluções para o mercado das caldeiras de média e baixa pressão. A estratégia é adotada, por exemplo, pela Kurita, importante tratadora química de água em várias indústrias de peso do país. O recente foco, aliás, fez a empresa registrar crescimento acima do normal nesses fornecimentos, segundo revelou o superintendente de operações José Aguiar Junior.

Tradicionalmente forte em tratamento para torres de resfriamento nas indústrias pesadas (petroquímica, siderurgia, petróleo), nos últimos quatro anos o crescimento das vendas de programas e produtos para condicionamento de água em sistemas de vapor tem chamado a atenção. “Crescemos mais do que o dobro, em comparação com o desempenho em torres”, afirmou o superintendente da Kurita, empresa que em julho conclui mudança da sede central de São Paulo para Artur Nogueira-SP (ver QD-509, maio de 2011).

Revista Química e Derivados, José Aguiar Junior, superintendente de operações da Kurita
Aguiar comemora vendas para o mercado do vapor

Para Aguiar, o desempenho no mercado de caldeiras se deve em boa parte ao mix ampliado de produtos para tratamentos de água para caldeiras de média e baixa pressão. “Percebemos que o padrão tecnológico do mercado está defasado, sem capacidade de acrescentar melhorias no tratamento”, disse. O padrão aí seriam os tratamentos à base de fosfato em pó (para controle de depósitos), sulfito em pó (sequestrante de oxigênio) e dispersantes líquidos. A estratégia da Kurita foi, em primeiro lugar, disponibilizar linha completa de produtos líquidos e multipropósitos, com funções duplas, no combate à corrosão e à dispersão. Além disso, a diversificação das vendas no middle market também ajudou na melhoria do desempenho comercial de programas e produtos para caldeiras. Mercados como o automobilístico, alimentício e de energia alternativa têm aí papel importante.

Na continuidade da estratégia, a Kurita lança soluções específicas para tratamento de água de caldeiras de média e baixa pressão. Para começar, um novo dispersante promete combater um dos principais vilões desse segmento: a sílica. Denominado DiClean, seu mérito é poder cumprir sua função em águas com até 900 ppm de sílica, desde que em baixa dureza. “Se a dureza for de até 10 ppm, ele chega nesse patamar. Já se houver até 100 ppm de cálcio e magnésio, por exemplo, sua capacidade de dispersão cai para até 450 ppm de sílica”, revelou Aguiar. “E trata-se de uma conquista inédita, porque os dispersantes convencionais admitem no máximo 180 ppm de sílica”, complementou o responsável pelo marketing técnico da Kurita, Ricardo Fernandes.

Revista Química e Derivados - Ricardo Fernandes, Marketing técnico da Kurita
Fernandes: dispersante para 900 ppm de sílica

Abrandadores sob controle – O uso de tecnologias químicas mais eficientes faz a caldeira operar com ciclos mais altos, admitindo uma água de entrada mais problemática. Mas o ideal é conjugar o tratamento contra a sílica com um combate mais efetivo para minimizar o outro vilão das caldeiras menores, os sais de dureza Ca e Mg. Nesse sentido, a melhoria no abrandamento de sais, com o uso de abrandadores com resina de troca iônica bem dimensionados e monitorados, ajuda em muito essa tarefa.

Para atacar na frente do abrandamento, a Kurita também prepara o lançamento para 2011 de uma nova versão do equipamento de monitoramento denominado Hakata Hard. Ao contrário da primeira versão, um sensor de vazamento de dureza na saída do abrandador, a nova indica a concentração da dureza durante a operação. “Dessa forma é possível saber qual o nível de saturação das resinas e programar com mais precisão o momento da regeneração”, comentou Camila Barcellos, da área técnica da Kurita.

Em média, com controle adequado, um abrandador de sais de dureza demanda uma regeneração semanal. Ocorre que muitos clientes, quando contam com esses equipamentos, não o monitoram direito, deixando passar sais para as caldeiras e aumentando as incrustações no equipamento. “Esta é sem dúvida uma demanda técnica que precisa ser atendida”, disse o gerente técnico Antonio Ricardo Carvalho.

Mas não é apenas no campo do abrandamento que a Kurita pretende atender às demandas relacionadas com equipamentos de pré-tratamento. Na área de osmose reversa, a empresa passará a formular, em sua fábrica nova de Artur Nogueira, produtos específicos para unidades de membranas. Como destaque, o biocida Kuriverter IK-110 promete combater o principal problema da osmose reversa no Brasil: o biofouling, o biofilme formado por contaminação microbiológica na parede das membranas. De acordo com Camila Barcellos, o biocida, com alto poder oxidante e baixa reatividade, “descama” o biofilme.

Revista Química e Derivados - Antonio Ricardo Carvalho, gerente técnico da Kurita
Carvalho: é preciso monitorar os abrandadores de sais

Além desse produto, há também o Kuriverter BP-201, um polímero coagulante para ser aplicado na água de alimentação da osmose logo depois da captação, antes da passagem pelos filtros. “Esse pré-tratamento com o polímero elimina contaminações orgânicas que diminuem a capacidade de filtração”, disse o superintendente Aguiar Jr. Para embasar melhor seus fornecimentos na linha para membranas, aliás, a Kurita terá na nova fábrica uma unidade para produzir água desmineralizada para sua produção, que também servirá como unidade piloto para testar os produtos oferecidos aos clientes.

Unidades integradas – Na mesma linha de melhorias do pré-tratamento da água de entrada dos sistemas de geração de vapor, a GE Power and Water tem novidades para o mercado. Com portfólio que inclui desde as soluções químicas para tratamento até uma série de equipamentos e sistemas completos, a GE leva o conceito de sistemas integrados também para demandas específicas, incluindo aí o pré-tratamento de água de caldeiras.

Em 2010, por exemplo, a empresa lançou um sistema integrado para preparação de água de caldeiras de alta pressão que inclui em um único skid uma unidade para desmineralização de água com membranas de ultrafiltração e de osmose reversa. Trata-se da plataforma Propak, disposta em três modelos-padrão, para vazões de 23, 46 e 69 m3/h, que podem atender volumes maiores com a conjugação de vários módulos de algum desses modelos. Conceito já difundido no Brasil em várias unidades (na Petrobras e em papel e celulose), a ultrafiltração prepara a água, removendo turbidez (sólidos totais dissolvidos), para a desmineralização propriamente dita na osmose reversa.

Revista Química e Derivados - Camila Barcellos, Área técnica da Kurita
Camila: sensor indica concentração da dureza

Com um único tanque para lavagens e armazenagem de água e um único CLP (controle lógico-programável), além de sua engenharia compacta no skid, a unidade tem custo 10% menor e economiza 35% da área de construção, caso fossem projetadas unidades de ultrafiltração e de osmose reversa separadas da própria GE, segundo revelou o gerente de vendas Marcus Simionato. A ultrafiltração emprega as membranas pressurizadas ZeeWeed 1500, que podem receber água com turbidez média de 25 NTU, e picos de 200 NTU de até 72 horas de operação contínua, para garantir água de entrada na osmose reversa (modelo ProRO 400WT da GE) de 0.1 NTU. “Com o pré-tratamento por ultrafiltração, a vida útil da membrana de osmose reversa dobra”, afirmou Simionato.

A GE já vendeu uma unidade Propak 300 (para 69 m3/h) para alimentar caldeira de alta pressão em usina de açúcar e álcool, cujo start-up está programado para junho. Além disso, segundo Simionato, um cliente no nordeste do país está em via de fechar contrato para adquirir duas unidades Propak, para atender a uma vazão de 140 m3/h em uma caldeira de apenas 15 kgf de pressão. “Eles têm turbidez muito alta e usam um abrandador que pretendem desativar. A descarga de água deles é altíssima por causa da ineficiência do tratamento”, completou Simionato. Segundo ele, trata-se de caso ideal para o uso da tecnologia. Mesmo não sendo para caldeira de alta pressão, a turbidez alta compensa o uso da ultrafiltração.

Embora o sistema Propak seja concebido e seu coração produzido nos Estados Unidos, a montagem final é na fábrica da GE em Sorocaba-SP. A ultrafiltração é disposta em vasos de pressão verticais, com as membranas ZeeWeed pressurizadas com fluxo de fora para dentro. Além delas e da osmose reversa, no skid há também filtros cartucho para limpeza CIP das membranas. A limpeza química é feita com ácido cítrico e soda na ultrafiltração e com anti-incrustantes e biocidas na osmose reversa, receitas que podem ser prescritas pela equipe da área química da GE, que possui programas de tratamento para as membranas e para as caldeiras.

Osmose e EDI – Seguindo a linha da integração de equipamentos para tratamento de água de caldeiras, a GE também lançou em abril de 2011 a plataforma PRO E-Cell. Dessa vez, a conjugação modular é entre a tecnologia da osmose reversa com a eletrodeionização (EDI), que realiza o polimento final da desmineralização de água em substituição à coluna de leito misto de resinas de troca iônica. A série conta com quatro equipamentos para vazões de 12 m3/h, 23 m3/, 35 m3/h e 46 m3/h. A redução de custo com a integração do sistema de automação, com a plataforma única, CLP e tanques em comum, também diminui o custo em 10% e a área instalada em 40%.

A grande vantagem do EDI é a diminuição drástica do uso de químicos, como ocorre na regeneração do leito misto, com soda cáustica e ácidos. Segundo afirmou Marcus Simionato, um estudo comparativo revelou que uma EDI para produção de 46 m3/h de permeado obteve de economia com a redução no consumo por volta de US$ 57 mil/ano. E mesmo sendo um sistema eletroquímico o consumo de energia é considerado baixo: de 0,13 a 0,26 kWh por m3 de água produzida.

Revista Química e Derivados - Marcus Simionato, Gerente de Vendas da GE Power and Water
Simionato: economia de 10% no custo e de 35% na área de instalação

O EDI da GE é por placas (plate and frame), marca E-Cell (da empresa Ionics, adquirida há alguns anos). Seu conceito lembra a engenharia de um trocador de calor, com múltiplas câmaras de membranas unidas entre eletrodos por compressão e afixadas por parafusos especiais. A tecnologia, porém, foi aprimorada pela GE. Na época da Ionics, os stacks (módulos) da E-Cell, os denominados MK-2, contavam com limite de operação com teor de sílica de 0,5 ppm. Hoje a empresa tem uma versão MK-3, mais tolerante, que permite operações até 1 ppm de sílica.

Com o EDI na plataforma junto com a osmose reversa, a ideia é difundir mais a tecnologia no Brasil em caldeiras, visto que até o momento o maior uso é em instalações na indústria microeletrônica e farmacêutica, com exceção de algumas vendas para preparação de água em usinas termoelétricas. Um mercado com grande chance de adquirir as unidades integradas é o sucroalcooleiro, no qual, aliás, a GE tem boa penetração na venda de unidades de osmose reversa para desmineralização de água para caldeiras de alta pressão de sistemas de cogeração de energia elétrica pelo bagaço de cana.

Para Marcus Simionato, a integração dos equipamentos deve levar a GE, em breve, a radicalizar o conceito. Isso significaria incluir apenas em uma plataforma a ultrafiltração, a osmose reversa e a eletrodeionização. “Seria uma planta completa para a desmineralização de água para caldeiras de alta pressão”, afirmou.

Mas, segundo ele, os equipamentos não são restritos às grandes caldeiras. Ultimamente, aliás, a GE estuda implantar o EDI depois de um abrandador que prepara água para caldeira de 10 kgf e que será ampliada para 70 kgf em usina térmica. “Para o revamp, em vez de mudar tudo ou fazer uma planta nova, basta o EDI para conseguir enquadrar a condutividade a 16 megaohm e a sílica para níveis de ppb”, acrescentou.

Cuidados na operação – O uso de filtragem mecânica para preparar água para a geração de vapor é uma saída muito cogitada hoje em dia pelos especialistas. Não que ela substitua totalmente a química, ainda fundamental para controlar a circulação de água no sistema, mas pelo que tem de capacidade de simplificar o tratamento. Para o líder de projetos de engenharia da GE, Joubert Trovati, trata-se de tendência que deve ser seguida principalmente para eliminar as impurezas da água de entrada das caldeiras e assim facilitar o condicionamento químico e o monitoramento da operação.

“Usar um bom pré-tratamento com sistemas mecânicos não é garantia de que não haverá problemas na caldeira ou nas tubulações de vapor”, explicou. Para ele, o fundamental é um mo­nitoramento eficiente. Um exemplo muito comum, diz, ocorre em caldeiras de alta pressão, que usam desmineralizadores de água – hoje em dia boa parte deles por osmose reversa –, e que mesmo assim não evitam incrustações por óxido de ferro. “A água fica isenta de sais, mas basta um descuido com o controle da corrosão que o condensado pode transportar o óxido de ferro gerado, capaz de incrustar no sistema”, disse Trovati. “E isso ocorre com frequência”, disse.

Revista Química e Derivados - Joubert Trovati, Líder de projetos de engenharia da GE
Trovati chama atenção para os riscos de um operador mal treinado

Outra preocupação que deve ser levada em conta é a correta escolha de materiais em um sistema de vapor. Segundo o líder de projetos, é comum também em novas instalações ou ampliações a sedução por preços mais baixos na hora de escolher purgadores, acessórios e até caldeiras. E isso pode levar a compras em fornecedores inidôneos, que utilizam aços de má procedência ou que reformam equipamentos usados.

Para Trovati, é necessária também uma mudança de mentalidade de muitas indústrias, que ainda não fazem a conta para descobrir o custo da tonelada do vapor. “Muitos não dão a devida atenção e acabam tendo gastos altos com grandes descargas de água quente”, disse. Há alguns anos, segundo ele, um estudo apontou que o custo médio do vapor chega a ser superior a R$ 100/t.

O descaso com a operação das caldeiras não é apenas em virtude do mau condicionamento e pré-tratamento da água, mas também em relação ao descuido com a formação e treinamento dos operadores. “Mesmo existindo uma norma específica para segurança de caldeiras [a NR ABNT-13], há uma tendência no Brasil de improvisar operadores, o que não deveria ocorrer em uma etapa da utilidade industrial tão importante”, afirmou. “Mesmo que se tenha um ótimo tratamento químico e um pré-tratamento com os melhores equipamentos, se o responsável pela caldeira não for qualificado o risco passa a ser grande”, complementou.

Na opinião de Trovati, aliás, a norma NR-13, norma regulamentadora do Ministério do Trabalho para operação de caldeiras e vasos de pressão, apesar de seus méritos, não conseguiu banir os principais “absurdos” do meio. Segundo ele, há muitas pequenas indústrias e principalmente hotéis que usam caldeiras de baixa pressão com água não devidamente tratada. “É difícil fiscalizar todo mundo”, disse.

 

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