Válvulas: Cavitação: um fenômeno que também afeta as válvulas

Em algumas situações, o escoamento de líquidos nas tubulações se faz acompanhar de fenômenos que estão relacionados à mudança de estado do líquido, com sua transformação em vapor e desprendimento de gases nele dissolvidos.

No caso das válvulas, o fenômeno da cavitação gera ruídos incômodos e vibrações na tubulação, podendo originar um processo erosivo que afete os tubos e também as próprias válvulas.

Entender o fenômeno e como evitá-lo resulta no aumento da vida útil dos equipamentos e na redução de custos.

A Figura 1 mostra um dispositivo simples em que um tubo Venturi é acoplado a uma tubulação que possui uma válvula para regulagem de vazão.

Este dispositivo se presta ao entendimento do fenômeno da cavitação. A equação de Bernoulli prevê que na garganta do Venturi a velocidade do escoamento será maior do que nas seções a montante.

Como consequência, a pressão aí será menor do que naquelas seções.

Se a pressão na garganta do Venturi diminuir, igualando-se à pressão de vapor do líquido na temperatura do escoamento, poderá ser observada uma ebulição local do líquido (que pode não ocorrer caso não haja um núcleo para ebulição, como uma rugosidade de parede ou gás dissolvido). Este fenômeno é denominado cavitação.

Química e Derivados, Figura 1, Válvulas - Cavitação: um fenômeno que também afeta as válvulas
Figura 1 – Dispositivo para observação do fenômeno de cavitação. Representa uma situação em que a pressão do escoamento na garganta do Venturi é inferior à pressão de vapor do líquido na temperatura do escoamento, gerando bolhas de vapor de líquido que podem ou não conter gases

A cavitação se faz acompanhar de um ruído característico e de uma vibração da tubulação que, se for de duração prolongada, provocará a erosão das paredes da tubulação e acessórios.

Quando a seção transversal da tubulação volta a se alargar, a velocidade de escoamento diminui e, conforme a equação de Bernoulli, a pressão se eleva e as bolhas de vapor se condensam rapidamente, gerando o ruído típico.

As partículas de líquido que vêm ocupar o espaço deixado pelas bolhas de vapor são aceleradas e freadas bruscamente, fato este que produz uma significativa sobrepressão naquele ponto, que se propaga como pulso de pressão por toda a tubulação à velocidade do som naquele líquido, fenômeno denominado golpe de aríete local.

Uma consequência para o sistema é a erosão que ocorre nos locais onde as bolhas condensam e não onde elas se formam.

A Cavitação promove um aumento significativo da resistência ao escoamento, diminuindo a capacidade de transporte da tubulação.

A Cavitação pode se originar no interior de qualquer dispositivo onde o escoamento estiver sujeito a um estrangulamento local seguido de uma expansão posterior. Exemplos: válvulas, diafragmas, canais de rotores de bombas, seções de entrada de bombas.

No caso do escoamento de um líquido por uma válvula, a velocidade do escoamento será máxima na região da sede da válvula.

Como consequência, nesta região a pressão será a mais baixa da cercania. Se o valor da pressão do escoamento for inferior à pressão de vapor do fluido na temperatura do escoamento, o líquido sofrerá uma vaporização (flash) parcial, formando bolhas de vapor que, ao se dirigirem para regiões de maior pressão, sofrem colapso.

A cavitação é razoavelmente barulhenta e violenta o suficiente para danificar válvulas, tubulações e equipamentos acoplados a elas, em face da ação periódica dos pulsos de pressão que se propagam a partir do local em que as bolhas colapsam.

Além disso, a formação das bolhas em áreas de seção mínima impede o aumento significativo da vazão no sistema. Diz se que, nesta situação, o escoamento está “bloqueado”.

O fenômeno de cavitação ganha complexidade com líquidos compostos por frações com diferentes pressões de vapor.
A Figura 2 (a) mostra uma situação encontrada em um processo no qual a válvula de controle de vazão [C] apresentava cavitação, indicada por significativo ruído e vibração da tubulação.

O conhecimento dos fundamentos do fenômeno permitiu sugerir que se passasse a válvula (C) para a configuração da Figura 2 (b). Na posição (a) o fluido (álcool etílico) ao passar pela válvula já havia sido aquecido no trocador de calor de 20°C para 78°C e portanto sua pressão de vapor era maior na posição (a) (1,0 kgf/cm² a 78°C) do que na posição (b) (0,05 kgf/cm² a 20°C) quando o fluido ainda estava frio.

Mais ainda, na posição (b) a pressão do escoamento a montante da válvula (C) (1,16 kgf/cm²) era maior do que na mesma posição em (a) (1,08 kgf/cm²) de um valor igual à perda de carga do escoamento no trocador de calor. Na posição (a) o escoamento pela sede da válvula aumentava de velocidade e a pressão do fluido ficava menor do que a sua pressão de vapor, gerando bolhas de vapor e consequente cavitação.

Válvulas - Cavitação: um fenômeno que também afeta as válvulas

Figura 2 – Posicionamento de válvula de controle [C] na configuração (a) apresenta cavitação, na posição (b) não apresenta cavitação. (G) São válvulas gaveta.

O resultado global do reposicionamento da válvula (C) na configuração (b) foi aumento da pressão total a montante da válvula de 1,08 kgf/cm² em (a) para 1,16 kgf/cm² em (b) e, quando do aumento da velocidade do escoamento ao passar pela sede da válvula e consequente redução da pressão do fluido, este, ainda frio, apresentava uma pressão de vapor bem inferior àquela reinante na sede da válvula, eliminando assim a cavitação comprovada pelo desaparecimento da vibração na tubulação e do ruído.

Embora o exemplo anterior mencione uma ação relativamente simples para resolver uma questão envolvendo cavitação, na situação geral das instalações de transporte de fluidos, as implicações deste fenômeno são mais complexas.

As sedes das válvulas, em geral, são o ponto de menor área de seção transversal do escoamento e consequentemente o local de sua maior velocidade. Além disso, as mudanças abruptas de direção que o escoamento sofre no interior da válvula, associado à sua geometria interna, geram vórtices que alteram o campo de pressões em seu interior.

Uma forma que os fabricantes de válvulas utilizam, para lidar com esta questão, é realizar experimentos que lhes forneçam informações sobre a cavitação em suas válvulas.

Os resultados destes experimentos são expressos em gráficos que correlacionam dois parâmetros adimensionais: o primeiro deles, denominado número de cavitação, reúne os valores das pressões a montante e a jusante da válvula e a pressão de vapor do fluido; e o segundo, o coeficiente de descarga da válvula que reúne a vazão do fluido, sua densidade e a perda de carga na válvula.

As curvas são então parametrizadas pela fração de abertura das válvulas e o regime observado durante o ensaio: início de cavitação, cavitação severa, escoamento bloqueado ou outras situações.

Para a seleção correta de uma válvula de controle de vazão, para um determinado serviço, é necessário considerar os seguintes aspectos para minimizar os efeitos da cavitação:

a) A configuração da tubulação, em termos de linhas de pressão avaliadas para a vazão nominal de projeto. Em instalações de bombeamento podem existir trechos da aspiração em que a pressão fique abaixo da pressão atmosférica local e também posições com cotas elevadas, em que a pressão fique mais baixa do que aquela a jusante desse ponto;

b) A curva característica da instalação (altura manométrica total X vazão) sem a válvula;

c) A escolha de uma bomba de transferência, deixando uma folga de 10% a 15% da sua altura manométrica total para atuação da válvula de controle (porém não inferior a 7 m de coluna de fluido);

d) Estimar os coeficientes de vazão da válvula e localizar alternativas nos catálogos dos fabricantes (lembrando que o tamanho da válvula não deve ser inferior à metade do diâmetro da tubulação);

e) Construir as curvas características do sistema com a válvula para diferentes aberturas, verificando as vazões de operação;

f) Construir a curva característica instalada da válvula, verificando seu comportamento na região de controle de vazão nominal;

g) Calcular o ganho (variação porcentual da vazão com a abertura no ponto de operação) confrontando se a diferença entre o ganho superior e inferior é menor do que 50% do maior valor;

h) Escolher um local para a instalação da válvula e verificar a possibilidade de cavitação a partir dos perfis de pressão do sistema e do cálculo do número de cavitação, coeficiente de vazão e abertura da válvula. Verificar, então, nas curvas de cavitação do fabricante qual a expectativa de cavitação na situação estudada. Não esquecer de avaliar a concentração de gases (em geral, ar) dissolvida no fluido que poderia gerar bolhas de gás na sede da válvula, diminuindo a performance da tubulação;

i) Dependendo de condições específicas de operação e característica da instalação, analisar aspectos de bloqueio do escoamento e eventuais golpes de aríete.

A verificação criteriosa destes aspectos conduzirá a um projeto que, implementado, terá uma operação eficaz de baixo custo. Lembrar, portanto, que a ocorrência de cavitação não é uma questão restrita apenas à válvula, mas também ao sistema de tubulação como um todo.

Muito se tem estudado sobre cavitação em válvulas. Ao leitor que queira estudar um pouco mais, sugiro consultar Hydraulics of Pipelines, de J. Paul Tullis, ed. John Wiley & Sons.

O AUTOR

Válvulas - Cavitação: um fenômeno que também afeta as válvulas

Cláudio Roberto de Freitas Pacheco é engenheiro mecânico e doutor em engenharia química, com quarenta anos de vida profissional e acadêmica, durante os quais foi pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT-SP), gerente de processos em indústria química e também professor de graduação e pós-graduação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Atualmente, atua como mentor de engenheiros juniores e plenos, e presta consultoria nas áreas de secagem, evaporação, filtração, ventilação industrial e conservação de energia.

Contatos: [email protected]

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