Há mais de uma centena de projetos de investimento de grande porte anunciados para vários setores industriais brasileiros, desde o petróleo do pré-sal até usinas hidrelétricas na Amazônia, passando por refinarias e usinas sucroalcooleiras, todos eles potenciais consumidores de válvulas industriais.
Porém, entre o anúncio e a concretização desses investimentos surge um hiato temporal que lança para o futuro a data de apresentação de pedidos.
Enquanto não aparecem as megaencomendas alardeadas, os fabricantes de válvulas instalados no Brasil se esforçam para manter alguma competitividade e evitar que os clientes ainda ativos venham a se suprir de equipamentos feitos no exterior.
Esses industriais conseguiram resistir aos movimentos de consolidação de negócios e internacionalização de companhias até há alguns anos.
No panorama atual, essas tendências se reforçam e redesenham o perfil do setor, agora apontando para indústrias de porte significativo, muitas das quais controladas por grupos empresariais estrangeiros.
O movimento mais recente nesse sentido foi a compra da conhecida fabricante nacional de válvulas de controle Hiter pelo grupo internacional Tyco Flow Control (dono das marcas Keystone, Yarway, Crosby, Hancock, entre outras), efetivada em dezembro de 2009.
A aquisição envolveu a Hiter e a participação desta na Válvulas Crosby, uma joint venture com a própria Tyco, empresas que tiveram um faturamento consolidado de US$ 66 milhões em 2008, ano em que a Tyco somou US$ 17 bilhões em vendas mundiais.
A compra era interessante por colocar a empresa internacional, mais conhecida no Brasil pelas suas linhas de elementos rotativos tipo borboleta, entre as líderes dos fornecimentos de válvulas de controle, com um parque invejável de equipamentos instalados em clientes como Petrobras, petroquímicas e usinas de açúcar e álcool.
A Hiter era a única nacional a disputar encomendas desse porte com as conhecidas Dresser (Masoneilan), Emerson (Fisher) e Flowserve (Valtek).
“A briga de hoje é com as válvulas chinesas”, afirmou Cláudio Makarovsky, gerente-geral da Dresser Flow Technologies, com fábrica em São José dos Campos-SP. A companhia possui fábricas em vários países, de equipamentos completos e componentes, distribuindo as ordens de produção conforme a maior competitividade de cada uma delas para atendê-las.
No Brasil, a Dresser encerrou dezembro de 2009 com uma carteira de pedidos 12% superior à de dezembro de 2008, mantendo o foco nos grandes projetos industriais. Segundo Makarovsky, boa parte das encomendas está ligada à carteira de gasolina e diesel da Petrobras, em fase de instalação de unidades de aumento de qualidade (hidrotratamento e hidrodessulfurização). A companhia não atua nos segmentos de etanol e celulose.
Kwan: fábrica de Sorocaba será ampliada para suprir a demanda
“O mercado brasileiro de válvulas teve grande crescimento nos últimos anos, mas a crise econômica mundial segurou um pouco o desempenho do ano passado”, comentou Frank Kwan, gerente-geral da divisão Fisher no Brasil, do grupo Emerson.
Para ele, esse ajuste era até previsível, dada a ciclicidade dos mercados. Pelo menos o impacto da crise foi mais leve no Brasil do que em outros países da região. “Nossos planos para o país não foram alterados”, disse.
A Emerson vai ampliar sua capacidade produtiva no Brasil, sediada em Sorocaba-SP, para atender à demanda gerada com os novos projetos de investimento anunciados. “Esperamos retomar os níveis de crescimento de antes da crise e vamos ampliar a fábrica para suprir os diferentes tipos e características de válvulas que serão solicitados”, avaliou Kwan.
Para ele, movimentos de consolidação, como a compra da Hiter pela Tyco, são um desafio e um incentivo à concorrência, obrigando todos os concorrentes a aprimorar a qualidade dos produtos e serviços, com benefícios para os clientes. “Por sua vez, a Emerson está sempre aberta para avaliar aquisições que consigam complementar a sua linha de produtos”, salientou.
A Emerson continuará a investir no desenvolvimento de novas tecnologias, posição coerente com o histórico de realizações. “Fomos os pioneiros em posicionadores digitais inteligentes e, agora, estamos liderando as aplicações de produtos wireless para válvulas de controle e também para os tipos on/off com indicador de posição wireless, que já estão disponíveis comercialmente há vários meses”, informou Kwan.
Controle renovado – A Dresser está relançando a válvula de controle Camflex, com atuador de plugue excêntrico. Lançada há mais de dez anos, essa válvula conquistou adeptos, atraídos pela sua alta flexibilidade de aplicações, proporcionada pela curva de coeficiente de vazão (CV) muito ampla.
Alessandri: alta flexibilidade de aplicação reforça Camflex
“É um equipamento fácil de instalar, adapta-se perfeitamente aos posicionadores inteligentes e pode ser usada em serviço severo, sempre com alto desempenho”, explicou Carlos Augusto Alessandri, consultor da Dresser, com quase quarenta anos de experiência profissional no setor.
Makarovsky considera que, ao longo dos anos, a parte mecânica das boas válvulas de controle atingiu um nível de excelência.
“A diferenciação entre fornecedores reside nas possibilidades de diagnóstico de problemas e gerenciamento de ativos”, explicou.
A Dresser avaliou que existe um grande número de válvulas de controle com posicionadores inteligentes sendo subaproveitados, situação na qual os sinais emitidos pelo elemento final de controle não são adequadamente tratados. Muitos clientes não têm os softwares para gerenciar essas informações.
A companhia está concentrando esforços para eliminar esse tipo de limitação. Um dispositivo acoplável ao posicionador existente capta as informações geradas por ele e as envia por um sinal no protocolo Hart Wireless para a sala de controle do cliente. Isso permite acompanhar de perto as condições da válvula e programar intervenções de manutenção.
A Dresser criou o Valvkeep, programa de gerenciamento e manutenção de válvulas de controle e alívio/segurança aplicável a equipamentos de qualquer fornecedor. No caso dos produtos da Dresser (Masoneilan ou Consolidated), todos os padrões já estão disponíveis na memória do sistema.
As válvulas de outra origem precisam ter suas informações introduzidas no sistema, formando um banco de dados completo sobre todas as válvulas instaladas. O programa permite avaliar as necessidades de manutenção e programá-las de modo conveniente e seguro, além de gerar ordens de compra das peças e partes necessárias.
Para facilitar a coleta e introdução dos dados no sistema, a Dresser criou duas ferramentas de campo. O Electronic Valve Tester (EVT), para válvulas de alívio, e o ValScoope-PRO, para as válvulas de controle.
Ambos consistem de computadores portáteis e dispositivos de acoplamento capazes de avaliar o desempenho e a calibração das válvulas, além de armazenar informações para alimentar o Valvkeep, com segurança e confiabilidade.
Esses dispositivos permitem gerar ordens de manutenção, cujas operações podem ser monitoradas. “A unidade de eteno verde da Braskem será o primeiro cliente no Brasil a ter o Valvkeep em todas as válvulas de controle da planta”, disse.
Além disso, no caso das válvulas de alívio, a norma de segurança ocupacional NBR-13 impõe cuidados adicionais em sistemas de pressão, como caldeiras. A norma pede testes para garantir que essas válvulas funcionem quando exigidas. “O EVT consegue testar a abertura e o fechamento dessas válvulas sem parar o processo, e emite um relatório compatível com as exigências da norma.
A companhia está investindo e se qualificando para obter a certificação Asme para a produção de válvulas de segurança no Brasil. “Deveremos ter essa certificação para a fábrica de São José dos Campos até o final deste ano”, disse o gerente-geral. Essa fábrica, aliás, tem espaço sobrando para duplicar a produção, caso o mercado nacional venha a apresentar um crescimento explosivo.
“O Prominp estimou a demanda de petróleo e gás em 800 mil válvulas até 2014”, comentou. A Dresser vai ampliar sua linha de válvulas até julho deste ano, buscando atender outros mercados além do de energia.
Ele vê mudanças de mentalidade no setor sucroalcooleiro, resultantes da formação de conglomerados de grande porte. Grupos mais capitalizados possuem seus departamentos próprios de engenharia, capazes de avaliar melhor as válvulas a aplicar em situações críticas, como é o caso das linhas de vapor de alta pressão.
Segundo Makarovsky, a maioria das usinas ainda usa controladores lógico programáveis ligados a um sistema supervisório. Além disso, a chegada dos alcooldutos vai exigir especificações mais rigorosas na saída da destilação, impondo monitoramento mais fino.
Makarovsky: clientes ainda subutilizam as informações
“Os grandes grupos e os médios qualificados já buscam o controle avançado de processos e exigem alta qualidade das válvulas”, afirmou.
Esse mercado pode entrar no radar da companhia em alguns anos.
“Só é preciso ter certeza de que vai valer a pena fabricar no Brasil”, ponderou Alessandri. Os planos econômicos sucessivamente fracassados dos anos 80 e 90, antes do Plano Real, enfraqueceram as indústrias de válvulas no Brasil, motivando a atual consolidação de negócios, ao lado da concorrência asiática.
“Não dá para competir com a China e a Índia nas commodities e não é só por causa do câmbio”, afirmou Makarovsky. Ele aponta a carga tributária excessiva, o preço elevado do aço no Brasil e as deficiências locais de infraestrutura como fortes obstáculos à produção local.
“Uma válvula na Índia sai por R$ 6 por quilo, mas isso não paga nem o aço carbono aqui no Brasil”, salientou.
Nem mesmo as exigências de conteúdo local impostas pela Petrobras podem garantir a produção nacional. Segundo informou, 75% das válvulas de controle e 90% das manuais, em valor, devem ter origem nacional nas encomendas da estatal.
“Muitos projetos são executados por meio de epecistas [de EPC, modalidade de contratação que engloba engenharia, compras e construção] que preferem pagar 10% de multa a bancar a diferença de preço até 35% com as importadas”, advertiu.
Ele elogiou as iniciativas da Abimaq, que conseguiu isenção de IPI durante 180 dias e a formação de um consórcio para importar aço mais barato para a indústria mecânica brasileira.
A associação empresarial, a Petrobras e o Inmetro desenvolveram durante dois anos a norma técnica NBR 15827, que estabelece requisitos para as válvulas de gaveta, globo, esfera, borboleta e retenção utilizadas em qualquer etapa da cadeia produtiva de petróleo.
Essa norma deverá barrar a importação de produtos de baixa qualidade, mas também exigirá a qualificação dos fabricantes locais.
Ser competitivo globalmente também exige que a indústria nacional tenha escala de produção elevada. Um dos gargalos do sistema produtivo está na oferta de fundidos.
“Uma tendência de mercado é todos os fabricantes de válvulas terem um só fundidor, com alta escala e qualificação”, disse Makarovsky.
Ele explicou que o segredo das válvulas de controle não está nos fundidos, daí não haver problemas em compartilhar o fornecedor. A Dresser local contrata serviços de quatro fundidores, mas se sente preterida quando estouram as encomendas volumosas da General Motors e da Embraer, situadas na mesma região.
Competindo globalmente – “Nas atuais condições, ou você tem qualidade premium reconhecida, ou você sai do mercado de válvulas industriais, porque é impossível competir com a China nas commodities”, afirmou Alejandro Hube, diretor da Durcon-Vice, indústria de válvulas instalada em Jordanésia-SP, com uma fábrica também nos Estados Unidos. Ele optou, há anos, por desenvolver e produzir válvulas especiais, com as quais disputa encomendas com os melhores fabricantes do primeiro mundo.
A Durcon-Vice atua com cinco principais linhas: válvulas borboletas triexcêntricas; linha lip seal de globo, gaveta e retenção para altíssima pressão; válvulas de recirculação; válvulas de condicionamento de vapor; e válvulas globo forjadas para serviço severo. “Nos últimos anos, investimos para globalizar nossas atividades e hoje vendemos alguns produtos até para a China”, comentou.
Hube informou que iniciará ainda neste ano a construção da sua quarta unidade produtiva no Brasil, na mesma cidade das demais.
“Intensificamos os investimentos em pesquisa e desenvolvimento nessas cinco linhas principais e estamos reduzindo custos para manter a competitividade”, informou.
Porém, Hube poderá importar peças e partes de suas válvulas, mantendo no Brasil a montagem.
Hube investe em especialidades e evita brigar nas commodities
“Essa taxa de câmbio, infelizmente, pode nos levar a isso; é ruim, mas precisamos nos adaptar às circunstâncias”, lamentou.
Em 2009, ele sofreu uma redução de pedidos da ordem de 20% e viu crescer a inadimplência de alguns clientes, principalmente no setor sucroalcooleiro. Como resultado, reestruturou a produção, cortando quase 30% da força de trabalho.
Ele atribuiu o mau resultado do ano passado ao adiamento de projetos de investimento de envergadura, à queda no preço do etanol e ao câmbio desfavorável. “Mesmo que todos os projetos que estão sendo fartamente anunciados se efetivem, as encomendas de válvulas só aparecerão lá em 2012”, alertou.
A crise agrava a situação das indústrias brasileiras. “Está havendo um claro processo de desindustrialização e desnacionalização do parque fabril”, afirmou. Além disso, de modo geral, verifica-se um aumento no gap tecnológico em relação aos países mais desenvolvidos.
Com isso, ele vê a triste possibilidade de os fabricantes de válvulas serem obrigados a consolidar as operações e/ou serem adquiridos por concorrentes transnacionais. “Quem fabrica hoje, amanhã poderá ser um distribuidor de válvulas chinesas e ganhar algum dinheiro com serviços”, afirmou.
Ele elogia a atitude da Petrobras em exigir conteúdo nacional mínimo em suas contratações e também por incentivar a evolução qualitativa dos fornecedores locais. Mas os custos elevados podem ser superiores a esses estímulos. “O custo de um engenheiro qualificado no Brasil é o mesmo de um engenheiro nos Estados Unidos”, comparou.
A Durcon-Vice tem por estratégia evitar a dependência em um único cliente. “Hoje apenas 20% de nossas vendas têm a Petrobras como destinatário final”, afirmou. Ele prefere disputar negócios no exterior, atitude que exige manter alta competitividade.
Para 2010, ele vê sinais contraditórios. As dificuldades econômicas na Europa podem desencadear uma nova crise global.
No mercado brasileiro, há uma profusão animadora de projetos para serem desenvolvidos, mas, mantida a taxa de câmbio nos níveis atuais, ele acredita que a demanda será suprida por importações. “O resultado final deve repetir 2009 e os anos seguintes dependerão dos investimentos do pré-sal, com a definição do modelo de contratação e de compras de insumos”, avaliou.
Enfrentando os chineses – A Fluxocontrol, instalada em Guarulhos-SP, investiu R$ 3 milhões para montar sua divisão de microfusão como forma de reduzir custos. Até agora, a empresa já adaptou sua linha de produção de válvulas gaveta, globo, esfera e borboleta ao processo, na faixa de diâmetros de ¼ de polegada a oito polegadas. Acima desse diâmetro, ela ainda compra fundidos pelo método convencional de terceiros.
Sequência de produção(a partir da esq.) começa com modelo em cera que origina o molde cerâmico no qual se funde o corpo da válvula
“A microfusão dá origem a um corpo de válvula semiacabado, reduzindo custos com usinagem”, explicou Alexandre Marino, diretor da Fluxocontrol. Citando o exemplo de uma gaveta de três polegadas, a microfusão eliminou 28 furos por peça, reduzindo o tempo de usinagem em 85%. A região da sede da válvula ainda precisa ser convenientemente preparada para garantir o bom desempenho.
O resultado animou a empresa a investir na conversão de toda a sua linha de produtos para o novo sistema, verticalizando radicalmente a produção.
Além disso, segundo Marino, a empresa está incluindo o tipo macho total com ou sem revestimento de teflon no seu portfólio.
Marino: microfusão reduz até 85% do tempo de usinagem
“Poderemos também microfundir outros materiais além dos aços carbono, inox 304 e 316, como ligas especiais, sem maiores dificuldades”, afirmou, anunciando novos investimentos da ordem de R$ 2 milhões na área produtiva.
Segundo ele, o processo controla melhor a rampa de aquecimento dos moldes e reduz efeitos de choques térmicos, proporcionando fundidos de alta qualidade e com menor índice de perdas.
Há quarenta anos no mercado de válvulas, a Fluxocontrol sentiu o acirramento da concorrência com os asiáticos no final dos anos 90. Com a crise de 2008, que se prolongou em 2009, a empresa sentiu uma retração de mercado, porém compensada pela inibição de importações.
A partir do segundo semestre do ano passado, ficaram evidentes os sinais de recuperação de negócios, exigindo uma atitude para manter a competitividade. “Implantamos a microfusão no final de 2009, prevendo que o mercado volte aos níveis anteriores à crise e que a Petrobras aumente suas compras locais para suprir os projetos do pré-sal”, explicou Marino. Além da petroleira, a empresa fornece válvulas para a indústria petroquímica, siderúrgica, papeleira, farmacêutica, cimenteira, sucroalcooleira e de energia.