Uréia – Produção local volta em 2021 para suprir mercados
Produção local volta em 2021 para suprir diversos mercados, de fertilizantes a cosméticos
A retomada da produção brasileira de ureia está programada para o primeiro trimestre de 2021, com a reativação das fábricas de Camaçari-BA e Laranjeiras-SE, agora operadas pela Unigel, que arrendou essas unidades da Petrobras por dez anos, com a possibilidade de renovação por mais dez anos. Não se fabrica ureia no Brasil desde meados de 2019, quando essas duas fábricas foram hibernadas, assim como a de Araucária-PR, esta ainda sem destino definido, embora a estatal tenha manifestado a intenção de vendê-la.
As fábricas de Sergipe e Bahia sempre usaram gás natural como matéria-prima, enquanto a unidade paranaense era alimentada por resíduo asfáltico (Rasf) de refino, uma opção mais cara e menos eficiente para geração de amônia pelo consagrado processo Haber-Bosch. A produção de amônia foi o que despertou a atenção da Unigel para as plantas nordestinas, pois a companhia petroquímica é a maior consumidora nacional do insumo, principalmente na linha de produção de acrílicos (MMA/PMMA). Contar com suprimento local da amônia é considerado ponto vital pela empresa, abastecida no último ano por importações feitas pela Petrobras, cumprindo o contrato existente entre elas.
Um dos coprodutos da linha de acrílicos é o sulfato de amônio, importante fertilizante de uso agrícola, do qual a Unigel é o único fabricante local. Por já ter experiência no mercado de insumos para agricultura, agregar a ureia ao portfólio não causou maiores problemas.

“A intenção inicial da Unigel era apenas ter acesso ao terminal da Petrobrás na Bahia para receber a amônia importada, mas a companhia viu boas possibilidades de negócios e resolveu não perder a oportunidade de arrendar as fábricas”, explicou Wendell de Souza, diretor comercial da Unigel. Os termos da licitação exigem que o vencedor do certame opere todas as linhas de produção, ou seja, amônia e ureia. “Até se aventou a possibilidade de manter a linha de Sergipe parada e rodar apenas a de Camaçari, mas se verificou que operar ambas permitiria alcançar uma escala mais favorável.” A capacidade de produção de ureia em Sergipe e Camaçari é de, respectivamente, 657 mil t/ano e 474,5 mil t/ano.
Como as fábricas ficaram paradas por um período superior a um ano, a Norma Regulamentadora 13 (NR-13) do Ministério do Trabalho obrigou a inspecionar meticulosamente toda a linha de produção, incluindo a desmontagem de vários equipamentos. Além disso, mais de 40 licenças precisaram ser renovadas e o quadro de trabalhadores foi recomposto, pois a Petrobras já havia transferido ou demitido o pessoal dessas fábricas. “Recontratamos uma parte desse contingente, outra parte fomos buscar na região, já estamos com o time completo”, disse.
Como explicou Souza, o mercado agropecuário brasileiro está em forte expansão, demandando quantidades cada vez maiores de fertilizantes, entre eles os nitrogenados. Isso pode ser visto pela evolução das importações de ureia pelo Brasil (ver tabela). Como houve pouca produção local em 2019 – as fábricas foram paralisadas no primeiro trimestre –, a importação oferece uma estimativa do consumo de 5,59 milhões de toneladas de ureia no Brasil. Em 2020, de janeiro a outubro foram importadas 5,48 milhões de t, gerando uma estimativa de demanda nacional pelo insumo até dezembro entre 5,7 milhões e 5,8 milhões de t.
Segmentação de mercado – O uso da ureia como fertilizante agrícola é de longe o mais relevante. “Dessas 5,7 ou 5,8 milhões de t, o setor de fertilizantes fica com 4,7 a 4,9 milhões de t, enquanto a ureia pecuária gira entre 200 e 250 mil t e os demais usos, como o industrial e a premium, por volta de 500 mil t”, avaliou Souza. “A Unigel vai atuar em todos os tipos de ureia, para todos os mercados”, ressaltou.
A ressalva se justifica. A unidade que produzia ureia pecuária no Brasil era a de Araucária, mas nada impede que ela seja fabricada em Sergipe ou Camaçari. “A linha de produção é a mesma para todos os tipos, o que muda é o grau de pureza e a forma de apresentação”, disse Souza.
As unidades arrendadas usam o processo tradicional de duas etapas (formação de carbamato de amônia e sua posterior desidratação para obtenção da carbamida, que é a ureia), sempre em fase líquida. “A purificação da ureia é feita ainda na forma líquida, antes da secagem, feita em spray dryer”, salientou o diretor comercial.
Como explicou, a ureia fertilizante é comercializada a granel, em grandes quantidades, com transporte feito a longas distâncias e sob condições geralmente desfavoráveis – a ureia é higroscópica, por exemplo. “Para evitar que o produto ‘empedre’ durante o transporte e armazenamento, adiciona-se à ureia fertilizante um aditivo, o concentrado ureia-formol (CUF), que é indesejável para os usuários da ureia técnica ou premium”, comentou. Esses produtos mais sofisticados são armazenados separadamente, embalados em sacaria ou big-bags e enviados rapidamente aos compradores.
Há relatos de uso indevido de ureia fertilizante em aplicações mais nobres, mas isso é desaconselhado pelo fabricante. “Os rebanhos não deveriam consumir ureia com resíduos de formol, por exemplo”, alertou. Mais grave ainda é o uso de ureia fertilizante na formulação do agente redutor líquido de NOx automotivo, o Arla 32.
[adrotate banner=”279″]“O Arla 32 é uma solução a 32% de ureia de alta pureza, denominada premium, em água desmineralizada; o uso de ureia agrícola atrapalhará a catálise dos gases da combustão do óleo diesel e prejudicará o desempenho e a durabilidade do motor, causando graves prejuízos”, ressaltou.
O uso de Arla 32 para neutralização das emissões de NOx originados na combustão automotiva do óleo diesel foi instituído em 2012 para motores com tecnologia SCR, da fase P7 do Proconve (versão local do padrão Euro 5). O comando eletrônico, ao identificar o uso de Arla 32 fora da especificação, reduz automaticamente a potência do motor e pode até mesmo travá-lo. A fiscalização dos produtores de Arla 32 é rigorosa e eles podem ser descredenciados caso sejam identificadas irregularidades nos produtos ou processos.
“Produziremos em Camaçari a solução de Arla 32, com a ureia premium fabricada lá, para atendimento ao mercado regional, vendendo o insumo de alta pureza para formuladores de outras regiões”, afirmou. “A planta de Camaçari já tem instalações adequadas que eram usadas para isso.”
O mercado de ureia técnica industrial é bem variado, explicou Souza. Há demanda significativa na produção de painéis de madeira, que usam resina ureia-formol como aglomerante, mas também existem clientes que produzem aminas, assim como produtos cosméticos e farmacêuticos. “O mercado industrial está muito concentrado nos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais”, salientou.
Atenta à evolução dos negócios, a companhia está desenvolvendo canais de atendimento ao mercado, promovendo reuniões com clientes que consomem ureia. “Estamos avaliando usar distribuidores para atender alguns mercados, porém sem conceder exclusividade”, disse Souza.
No momento, a companhia estuda importar ureia técnica para fazer operações de pré-marketing com clientes industriais. No caso da ureia fertilizante, não é preciso fazer pré-marketing, mas pode ser necessário importar alguma quantidade desse tipo para formar um estoque de segurança. “Laranjeiras tem previsão de partida para janeiro e Camaçari deve entrar em produção, no mais tardar, em 1º de abril”, adiantou.
O ponto nevrálgico da produção de amônia/ureia é o preço e a disponibilidade de gás natural, responsável por 60% a 70% do custo de produção. “O preço do gás nos Estados Unidos é de US$ 2,60 a US$ 2,70 por milhão de BTU, se recebermos gás por US$ 5, seremos muito competitivos”, avaliou.
Souza acredita que a abertura do mercado de gás natural vai ampliar a concorrência nesse mercado e reduzir o preço. Isso também exigirá contar com estruturas para recebimento do gás natural liquefeito (GNL) e sua regaseificação, além de uma rede robusta de dutos de transporte.
Na configuração atual, as unidades arrendadas serão supridas pela Petrobrás, que possui infraestrutura operacional em Camaçari-BA, interligada à malha nacional de dutos, que também chega à unidade de Laranjeiras-SE. Com isso, essas plantas podem receber moléculas de gás até da Bolívia. “A Petrobras tem sido uma boa parceira para nós”, disse Souza.
Em Sergipe, a Golar já opera uma estrutura de recebimento de GNL para suprir uma termoelétrica local. “Não existe um duto ligando essa estrutura com a fábrica de amônia/ureia, mas isso poderá ser construído no futuro”, considerou.
Mercado global – A oferta de ureia no mundo está em franca expansão. A consultoria GlobalData apontou que a capacidade produtiva instalada chegou a 218,21 milhões de t/ano em 2019, com estimativa de chegar a 301,5 milhões de t/ano em 2030, resultado da entrada em operação de 92 projetos de investimento nos próximos anos. Ásia, Oriente Médio e os países da antiga União Soviética lideram a produção atual e a sua expansão.

“Produzir fertilizantes é a forma mais fácil para exportar gás natural”, considerou Wendell de Souza, da Unigel, apontando a existência de grandes excedentes de gás nas regiões citadas. “Apesar disso, a previsão para os próximos anos é de um crescimento maior da demanda do que da oferta de ureia, principalmente para fertilizantes, e isso se refletirá nos preços internacionais”, afirmou.
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Mesmo com a retomada da produção nacional, o Brasil seguirá sendo um grande importador de ureia, pois a soma das capacidades produtivas das fábricas de Bahia e Sergipe corresponde a, aproximadamente, 20% do consumo nacional. “Estamos acompanhando o mercado e identificamos entradas de ureia proveniente de diversos países e por meio de vários portos brasileiros, uma vez que o consumo é enorme”, comentou Edgar Casagrande, gerente da Aboissa Commodity Brokers.
Como informou, importadores brasileiros trazem o produto principalmente do Oriente Médio, da Rússia, Estados Unidos, Venezuela e Bolívia. Também há negócios com o Irã, importante produtor mundial. Porém, como há um embargo econômico internacional contra esse país, o comércio é feito na forma de escambo, sem movimentação financeira. “Simplificando, eles trocam um navio de ureia por um de milho ou de outro produto que estejam procurando com preço equivalente”, explicou Casagrande.
A Aboissa tem atuado mais com ureia fertilizante e técnica (para indústrias), pois a linha pecuária e a premium exigem certificações tornam mais complexas as operações. “É preciso escolher bem o fornecedor da ureia industrial, se houver contaminação, os clientes rejeitam a entrega, pois podem ter prejuízos com isso”, salientou.
Entre os seus clientes da ureia técnica, ele apontou o segmento de domissanitários como o de crescimento mais forte nos últimos meses, mas o grande consumidor segue sendo a produção de resinas para tintas e outras aplicações. “Há vários outros segmentos que consomem ureia técnica, é um mercado bem diversificado”, informou.