Tratamento de superfície: Recessão faz setor vender fórmulas para reduzir custos

Mercado se retrai com o desempenho negativo dos principais clientes, os setores automotivo e eletroeletrônico. A saída é tentar comercializar processos econômicos.

Química e Derivados: Superfície: Moraes - margem de lucro reduzida.
Moraes – margem de lucro reduzida.

Se fosse possível, o mercado de tratamento de superfícies gostaria de esquecer o último ano. Dependente de importações e de matérias-primas com preços cotados em dólar, cuja valorização impactou de maneira assombrosa o seu custo de produção, o setor ainda não se acostumou a conviver com uma queda brutal no consumo dos produtos de seus principais clientes, como a indústria automotiva e a de eletrodomésticos.

No caso dos carros, considerados os principais consumidores de peças tratadas, a retração nas vendas dos últimos seis anos foi de 21% e o setor, assim como o de eletroeletrônicos, opera hoje com ociosidade próxima dos 50%. Alie-se à conjuntura desfavorável dos clientes a crescente importação de produtos metálicos acabados da Ásia, de qualidade duvidosa mas extremamente baratos, e não faltarão motivos para as empresas de processos químicos para eletrodeposição, galvanoplastias e demais participantes do mercado se esforçarem para apagar o período da memória.

O pior para o setor, nesse momento de crise, é a sua fragilidade dentro da cadeia produtiva, em termos de poder de negociação. Pressionadas por clientes peso pesado, como montadoras e grandes grupos de eletroeletrônicos, as empresas ou limitam ao máximo os repasses dos aumentos de matéria-prima, na maior parte do tempo justificáveis, ou deixam de fornecer. Levando em consideração a forte concorrência do setor, em que cerca de 5 mil empresas de todo o País se engalfinham por negócios, a solução adotada pela maioria foi ceder às pressões.

Isso não significa, porém, que os fornecedores não tenham conseguido fazer nenhum repasse. Apenas eles precisaram ser bem aquém do necessário, segundo informa a maior parte das empresas. Em média, só foram possíveis aumentos entre 10% e 20%, inferiores à pressão cambial acumulada no período, de até 60%.

“Tivemos que reduzir drasticamente as margens de lucro”, explicou Milton Moraes Silveira Jr., diretor-superintendente da Atotech do Brasil, uma das principais empresas de processo para tratamento de superfícies. Segundo ele, o repasse máximo a alguns clientes, depois de muito esforço de negociação, não ultrapassou o limite de 20%.

A queda do dólar, neste fim de semestre, e a prometida recuperação da economia, a partir do último trimestre de 2003, traz um pouco de alento para os produtores, mas ainda não suficiente para provocar euforia. Avaliado em US$ 500 milhões, contando galvanoplastias, empresas de processos, fabricantes com tratamento de superfície próprio e fornecedores de matérias-primas, o mercado ainda prevê um período longo de retração nas vendas. Primeiro porque as perdas oriundas do choque da variação cambial não têm muitas chances de serem ressarcidas. “Depois que aceitamos absorver os aumentos, os clientes não vão admitir que voltemos a trabalhar com as margens de lucro do passado”, ressalta o diretor da Atotech.

O outro motivo para não se prever uma recuperação tão rápida tem a ver com a própria dinâmica da macroeconomia. Após períodos de retração do consumo, e de conseqüente ociosidade na indústria, os investimentos, responsáveis pelo crescimento de fato, demoram para surgir de novo. Analistas estimam que a possível recuperação no segundo semestre deve ser apenas para compensar o fundo do poço dos primeiros meses do ano e fazer o crescimento anual do PIB chegar próximo da meta do governo de 1,8%. Um pouco mais de otimismo só pode ser considerado sensato se for para embasar previsões relativas a 2004. Se nenhum acidente de percurso ocorrer, e o governo mantiver a estabilidade e promover a queda lenta nos juros, no próximo ano a classe média pode voltar a comprar carros, televisões e outros produtos que movimentam o mercado de tratamento de superfície, cujo crescimento anual historicamente é cerca de 20% a 30% maior do que o do PIB nacional.

Química e Derivados: Superfície: Zanini - nacionalização com americanos.
Zanini – nacionalização com americanos.

Estagnação tecnológica – A recessão dos últimos meses, bem como o ritmo lento da economia nos anos anteriores, não afetou apenas o faturamento das empresas de tratamento de superfície. A evolução tecnológica do setor foi muito prejudicada em virtude da pressão exercida pelos grandes clientes para reduzir custos produtivos. Esse fenômeno fica nítido ao se observar algumas tentativas malsucedidas de introdução de novos materiais químicos de eletrodeposição.

No final da década de 90, havia a forte convicção de que as montadoras de automóveis passariam a exigir o uso de ligas de zinco para peças instaladas em ambientes de alta corrosão. A tentativa de repadronização dos revestimentos de zinco, cuja aditivação com níquel, ferro ou cobalto aumenta em muito a resistência anticorrosiva do material tratado, seguia tendência das matrizes dos grupos, que já possuíam normas para produção de peças, como tubos de fluidos de freio, parafusos e outras engrenagens de motor com as ligas de zinco.

No Brasil, as montadoras chegaram a tentar cumprir as determinações de padronização das matrizes e anunciaram metas de substituição, provocando forte expectativa de negócios para as novas formulações. Mas, do mesmo modo que cogitaram a nova obrigação, também passaram a exigir das galvanoplastias custos iguais aos praticados com os revestimentos apenas de zinco. Resultado: a mudança foi inviabilizada, pelo motivo óbvio de que as formulações das ligas eram mais caras. Hoje esses processos representam um percentual muito baixo do mercado.

Além da pressão dos clientes, que tornaram magras as margens de lucro do setor, as próprias características da indústria de galvanoplastia dificultam os investimentos em tecnologia. Por tratar-se de processo altamente agressivo, onde equipamentos possuem vida útil limitada, precisando ser constantemente trocados, e onde o tratamento de resíduos e efluentes tem peso importante no custo total, qualquer modificação na produção deve ser avaliada na “ponta do lápis”.

Tem essa opinião o diretor técnico Airi Zanini, da Anion MacDermid, outra empresa importante em processos de eletrodeposição. “Hoje em dia quando o cliente junta todos os seus custos fixos e variáveis, ele percebe que não tem condições de investir em novidades”, lamenta Zanini.

Química e Derivados: Superfície: Avanzo - agora com parceiro de peso.
Avanzo – agora com parceiro de peso.

Apesar da crise – O perfil desfavorável para investimentos não impede, porém, que as empresas de processo tentem aos poucos convencer os clientes em empregar algumas tecnologias desconhecidas no Brasil. A motivação se funda não só na esperança com a recuperação do mercado a longo prazo como na necessidade imediata de reduzir custos. Afinal de contas, o trunfo de alguns processos mais modernos é reduzir o consumo de insumos importantes da galvanoplastia, como água, energia e químicos. Por esses motivos, os fornecedores tentam aplacar o estado depressivo do setor com a divulgação de algumas novidades.

Quando se fala em tecnologia de processos químicos de eletrodeposição, formulações de abrilhantadores e outros aditivos que integram os banhos de metais (anodos) e sais (condutores) para possibilitar os revestimentos, os desenvolvimentos vêm quase todos do exterior. As empresas da área ou são controladas por grupos estrangeiros ou precisam atuar com contratos de licenciamento tecnológico ou como representantes. A Atotech, de Taboão da Serrra-SP, pertence ao grupo francês TotalFina Elf; a Tecnorevest, de Barueri-SP, possui vários acordos com empresas estrangeiras; e a Anion Química Industrial, de Jandira-SP, foi adquirida pelos americanos da MacDermid em outubro de 2002.

O caso da Anion MacDermid é emblemático para explicar o desempenho atual desse segmento que representa negócios anuais por volta de US$ 75 milhões. A empresa, durante dez anos, manteve acordo tecnológico com a inglesa Canning, adquirida em 1998 pela MacDermid, daí a ligação com o novo controlador.

Química e Derivados: Superfície: Peça de caminhão em ABS - nova linha da Anion.
Peça de caminhão em ABS – nova linha da Anion.

“Após esse período de conhecimento, possível por intermédio da Canning, a MacDermid se interessou pelo mercado brasileiro, resolvendo comprar a Anion, e nós da mesma forma achamos melhor contar com um controlador de peso financeiro e tecnológico”, explicou o seu diretor, Gilberto Avanzo. O “peso” citado por ele significa um faturamento anual de US$ 1 bilhão e investimentos em pesquisa e desenvolvimento equivalentes a 2,5% desse valor.

O impacto direto na Anion foi a possibilidade de ter capital para se tornar mais competitiva, investindo em nacionalização das formulações e dispondo de um portfólio maior de tecnologias. Com o domínio da tecnologia de produção dos americanos, a Anion passou a ter condições de fazer todas as suas formulações na unidade fabril de Jandira-SP e ganhou aí com a redução nas importações. “Hoje só importamos alguns reagentes orgânicos e inorgânicos, que não representam 10% do nosso consumo de químicos”, afirmou Airi Zanini. Com isso, hoje a capacidade de produção da fábrica é de 500 t/mês, com condições de produzir desde desengraxantes para pré-tratamento até formulações para cromação de plástico, por exemplo.

O outro ganho com o novo controlador tem a ver com a disponibilidade de novos produtos e processos. “Para ser competitivo em tratamento de superfície, você precisa ter sempre novos produtos. E isso só é possível ou com muito investimento em pesquisa própria, o que era difícil para uma empresa nacional, ou recorrendo a um grupo internacional com estrutura já pronta”, afirmou Airi Zanini. A escolha pela segunda opção fez a Anion MacDermid entrar em mercados onde ela não atuava, como o de circuitos impressos e de cartãos telefônicos, para os quais fornece todas as etapas do processo (preparação, processos de cobre químico, cobre ácido, de filme fotossensível, paládio, estanho chumbo e isento de chumbo).

Embora reconheça a fase recessiva do mercado, que dificulta a adoção por novas tecnologias, Zanini revela a intenção de divulgar processos já em franco uso em países desenvolvidos mas pouco difundidos no Brasil. Cita, por exemplo, o processo Duzinc 019 LF para depósito de zinco ácido, cujas principais vantagens são não conter solventes, tolerar altas temperaturas (acima de 48ºC) e produzir pouca espuma, permitindo uma agitação a ar mais vigorosa.

Ainda em zincagem, há a intenção da Anion de comercializar os processos de zinco mecânico, com deposição química (depósito de íons metálicos na forma de seus sais, que por diferença de potencial químico se impregnam em outras superfícies) e voltado para fabricação de parafusos. Trata-se de processo patenteado, com equipamentos especiais e componentes químicos que permitem o revestimento com ligas de zinco e zinco puro sem necessidade da eletrólise. A vantagem aí está na economia de energia.

Química e Derivados: Superfície: Maria - fábrica diminui dependência.
Maria – fábrica diminui dependência.

Outra frente que a Anion MacDermid pensa atuar com força é na cromação de plástico ABS e outras blendas de plástico. Para tanto, conta com a linha Macuplex, trazida da MacDermid, que atende especificações de montadoras européias e americanas. Os processos incluem desde a preparação do plástico, um pré-tratamento com deposição de metal que confere condutibilidade elétrica ao material, até os revestimentos com banhos de níquel, cobre e, por fim, a cromação com cromo trivalente. Faz parte da linha Macuplex ainda um banho de níquel microporoso, que forma poros na superfície para permitir a melhor aderência e uniformidade na cromação final, aumentando a resistência à corrosão do ABS. Esse tipo de tecnologia, aliás, também é fornecida pela Atotech.

Fábrica nova – Essa busca por maior competitividade no mercado de processos também provocou mudanças em outra empresa do ramo, a Tecnorevest, de Barueri-SP. De capital nacional e com 35 anos de atuação, a Tecnorevest, com várias licenças tecnológicas e representações internacionais, está procurando nacionalizar ao máximo sua produção para diminuir a dependência perigosa de importações. Em maio, a empresa inaugurou nova fábrica em Cambé-PR, para tentar diminuir seus custos agravados pelo alto grau de importação da empresa, de até 80% do total fornecido ao mercado.

Na fábrica, a Tecnorevest formulará processos eletrolíticos da linha Shipley, empresa do grupo americano Rohm and Haas, e da inglesa LVH Coatings, além de outras bases orgânicas, sais ácidos e processos de aditivos abrilhantadores. Até o final do ano, segundo afirmou a gerente Maria Silvia Pereira, a empresa pretende intensificar o nível de nacionalização dos processos, reduzindo pela metade a dependência externa. Isso incluirá também novidades para o mercado nacional, onde a Tecnorevest chega a fornecer para cerca de 500 galvanoplastias.

Química e Derivados: Superfície: Amaral - selantes para mil horas de corrosão.
Amaral – selantes para mil horas de corrosão.

Boa parte dos novos produtos que a empresa quer comercializar no Brasil provém de recente licença tecnológica do grupo francês LC Systeme. Ganha destaque dessa empresa nova linha de passivadores (cromatizantes), responsáveis pelo tratamento final para melhorar o aspecto visual e a proteção anticorrosiva de peças, isentos de cromo hexavalente, considerado perigoso.

Também serão lançados, da LC Systeme, selantes que aumentam a resistência à corrosão branca para até mil horas de salt spray (teste em câmara que simula condições extremadas de umidade, névoa salina e temperatura). De acordo com o gerente comercial da Tecnorevest, Carlos Alberto Amaral, as exigências de 700 a mil horas são recentes e provenientes da indústria automobilística. Até há pouco tempo exigia-se resistência apenas de até 180 horas de salt spray.

Outro processo novo é o Systocopper 2.000, para eletrodeposição de cobre alcalino semibrilhante, para substituir banhos de cobre cianídricos e assim eliminar a presença de cianeto no fim-de-tubo. Além da questão ambiental, tem como vantagem a boa velocidade de deposição, pois permite o uso de altas densidades de corrente (1 a 15 ampéres por decímetro quadrado), diminuindo consideravelmente o tempo necessário do banho eletrolítico, de duas horas e meia (no processo com cianeto) para 35 minutos. Além desse processo, a Tecnorevest vai passar a comercializar desengraxantes líquidos biológicos, da representada Mineral Masters, com bactérias vivas, substituindo desengraxes alcalinos.

“Desterceirização”– De acordo com a Associação Brasileira de Tratamento de Superfície (ABTS), das cerca de 5 mil empresas do setor de tratamento de superfície, por volta de 2.500 são consideradas de grande porte, ou seja, montadoras, fabricantes de autopeças e linha branca com galvanoplastias próprias. O restante se divide entre médio e pequeno porte. Nesse universo, o percentual representado pelas menores, por volta de 300 empresas, tende a diminuir, segundo estimativas dos pesquisadores do mercado.

Química e Derivados: Superfície: grafico1. “Está havendo uma seleção natural na galvanoplastia brasileira. Vão sobrar apenas as melhores, e as de fundo de quintal, sem condições de suportar o aperto financeiro e ambiental do setor, vão sumir”, lembrou Carlos Alberto Amaral, que além de gerente da Tecnorevest exerce o cargo de vice-presidente da ABTS. A previsão de Amaral pode ser ilustrada com um outro fenômeno recentemente observado no setor: a chamada “desterceirização”.

Química e Derivados: Superfície: Unidade de galvanoplastia da Honda em Manaus.
Unidade de galvanoplastia da Honda em Manaus.

Alguns anos atrás, muitas empresas do ramo de autopeças, linha branca e de eletroeletrônicos em geral, motivadas por uma tendência de terceirização iniciada pelo setor automobilístico, passaram a encarregar empresas menores de seus serviços de galvanoplastia. Buscavam redução de custos e de facilitação na gestão dos negócios. A tendência alimentou esperança de crescimento para um sem-fim de pequenas galvanoplastias, que antes viviam de produções pequenas, no mercado de bijuterias e outros artefatos metálicos de menor valor.

Com o tempo, porém, a estratégia não se mostrou das melhores. Justamente por serem pequenas, e de repente encarregadas de pedidos volumosos de banhos de peças, as terceirizadas começaram a colecionar reclamações dos clientes. Tornaram-se comuns perdas de peças, a qualidade dos acabamentos caiu e, lotadas de serviço e sem condições de se estruturar de forma organizada, também começaram a vencer os prazos de entrega. Resultado: os grandes clientes repensaram as terceirizações, cancelando muitos contratos e voltando a ter galvanoplastias próprias, onde controlam melhor o serviço. “Não se pode esquecer também que as terceirizadas sempre são as últimas a receber, o que fragiliza ainda mais a atuação delas”, completou Amaral.

Química e Derivados: Superfície: Galvanoplastias nacionais foram pressionadas para abaixar os custos.
Galvanoplastias nacionais foram pressionadas para abaixar os custos.

Duas rodas – A terceirização de serviços galvânicos apenas deu certo no setor automotivo. Há razões para isso. Em primeiro lugar, nesse caso o setor não adotou a terceirização por modismo, sem medir as conseqüências, mas por necessidade. Com o aumento da produção de carros nas últimas décadas, as montadoras precisavam de galpões para as etapas de montagem, ocupando os reservados antigamente para tratamento de superfície. Também a forma mais bem organizada em que foi desenvolvido o processo cooperou para o sucesso da empreitada: as montadoras elegeram poucas galvanoplastias, mais bem estruturadas, para realizar os banhos.

As terceirizações devem continuar a se limitar às montadoras, que encarregaram galvanoplastias na cromação e zincagem e apenas continuam a fazer internamente a fosfatização anterior à pintura automotiva. Os demais setores devem voltar a ter o tratamento de superfície como parte muito importante na produção para ser negligenciada. Um exemplo de setor que não deixa de ter sua própria galvanoplastia é o de duas rodas, o de montadoras de motocicletas, mercado dominado pelas japonesas Honda e Yamaha e algumas brasileiras emergentes como a Kasinski.

Aliás, a opção das montadoras de motos em realizar os próprios revestimentos de suas várias peças cromadas, como guidons, escapamentos e pedaleiras, é de especial importância para os fornecedores de processos de galvanoplastia. Isso não só porque tornam-se assim bons clientes em potencial, mas também porque se trata de um dos únicos setores em rota de crescimento no Brasil, a despeito da crise generalizada. Nos últimos anos, cresce a taxas entre 12% e 20%.

Algumas razões motivam a curva ascendente do setor: a facilidade no financiamento das revendas, o clima tropical do País e, por fim, a proliferação da profissão dos motoboys nas grandes cidades. Tudo isso fará o Brasil produzir cerca de 1 milhão de motos em 2003.

Feliz com o desempenho dos fabricantes, por exemplo, está a Atotech. No final de 2002, a empresa forneceu à fábrica da Honda, em Manuas-AM, ampla estação de niquelação e cromação de escapamentos. Trata-se de fornecimento turn-key, que inclui engenharia da unidade e fornecimento de equipamentos auxiliares, como bombas, retificadores e um sistema que remove contaminações orgânicas, além, é claro, do processo químico de eletrodeposição e sua manutenção, que inclui tripla niquelação (níquel semibrilhante e brilhante) e cromação final. Todo o sistema, automatizado e avaliado em US$ 1,8 milhão, visa atender a meta da Honda de produzir 1 milhão de motos por ano até o fim de 2004. Bom ressaltar que a multinacional japonesa detém cerca de 86% do mercado nacional, contra 12% da Yamaha (que também tem investido bastante) e 2% de outros produtores menores.

Para o diretor-superintendente da Atotech, Milton Moraes Silveira Jr., os fornecimentos para o setor de duas rodas foram um alento para a empresa dentro do atual cenário deprimido. Além da venda propriamente dita, outro aspecto positivo da negociação foi a disposição da empresa de adotar tecnologias avançadas e mais limpas no aspecto ambiental. Tanto foi assim que a unidade da Honda foi pré-concebida para usar níquel microporoso e contempla sistemas de evaporação nos banhos, para reduzir a quantidade de efluentes e recuperar os metais.

Soluções nacionais resolvem problemas com lodos galvânicos

Química e Derivados: Superfície: grafico2. Difícil encontrar uma indústria onde a questão ambiental tenha tanta relevância como na de tratamento de superfície. Grande consumidor de água nos banhos eletrolíticos e químicos e gerador de lodos com complicado tratamento e destino, o setor computa gastos com gerenciamento ambiental equivalentes a 6% do seu custo total de produção, segundo uma estimativa do mercado. E o pior é que em momentos de aperto da economia, como no atual, esse custo fica difícil de ser embutido no preço das peças tratadas.

Mesmo sem condições de repassar aos clientes as despesas ambientais, as empresas do setor, nem se quisessem, conseguem negligenciar muito os tratamentos de resíduos e efluentes. Isso porque, pelo menos no Estado de São Paulo, onde está concentrada a maior parte das galvanoplastias brasileiras, a fiscalização sempre olhou com mais rigor para essa indústria. Manipuladoras de metais, classificados como resíduos perigosos (classe 1), e até há pouco tempo usuárias de muitas formulações de eletrodeposição com cianeto, as empresas do ramo têm motivos de sobra para serem observadas de maneira mais rigorosa.

Em São Paulo, o cerco da Cetesb começou a se fechar no começo da década de 90, quando foi adotado o Projeto Tietê, que visava enquadrar as indústrias que lançavam poluentes no rio. A indústria galvânica, identificada como uma das mais perigosas pelo órgão ambiental, foi colocada contra a parede e obrigada a dar uma solução imediata aos seus efluentes e resíduos. Na época, em uma decisão radical, o governo impôs meta inexeqüível ao setor: parar de poluir em um mês.

A imposição criou pânico nas empresas. Mas também gerou um efeito positivo: fez o setor se unir para buscar soluções. A iniciativa de coesão partiu do sindicato patronal, o Sindisuper, ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Foi criada uma comissão especial para discutir o assunto e intermediar as conversações com o governo estadual. O primeiro resultado foi imediato: a Cetesb aceitou prorrogar o antigo prazo de adequação ao Projeto Tietê de um mês para dois anos. E no término dos dois anos, as cem empresas representadas pelo Sindisuper já contavam com estações de tratamento de efluentes (ETEs).

Química e Derivados: Superfície: Andretta - Centralsuper manda resíduo para Goiás.
Andretta – Centralsuper manda resíduo para Goiás.

Mas com a solução para o problema líquido surgiu um outro: o que fazer com os resíduos sólidos resultantes da torta proveniente das ETEs? A Cetesb solicitou soluções disponíveis na época, como incineração e disposição em aterros classe 1. Ocorre que o alto custo dos dois tratamentos era inviável para as empresas de médio e pequeno porte, característica da maioria das galvanoplastias.

A necessidade de se dar um fim correto aos lodos galvânicos, e a inviabilidade oriunda dos caros tratamentos disponíveis, criou mais duas conseqüências. A mais imediata foi as empresas passarem a estocar os lodos em galpões próprios, após licenciamentos do órgão ambiental, que verificava a estanqueidade dos locais. A outra conseqüência, logo em seguida a essa primeira solução, foi unir o setor novamente, por meio do Sindisuper, com o fim de criar uma solução coletiva.

Dessa segunda iniciativa do Sindisuper surgiu, em 1994, a Centralsuper, uma central de tratamento dos resíduos das empresas do sindicato. Constituída como empresa, a Centralsuper adquiriu um galpão de 2.500 metros quadrados na Avenida Presidente Wilson, em São Paulo, que passou a receber os lodos das associadas do Sindisuper. Com laboratório, baía de contenção, e atendendo as normas de armazenamento de resíduos, a Centralsuper chegou a manter 7 mil toneladas de lodo.

Química e Derivados: Superfície: Desidratação diminui volume do lodo na Superzinco.
Desidratação diminui volume do lodo na Superzinco.

Segundo explica o diretor da Centralsuper, Sergio Andretta, ao mesmo tempo em que estocava os resíduos a empresa promovia discussões e corria atrás de parcerias para descobrir um melhor destino. Aos poucos, com volume suficiente para barganhar preços, destinava em um primeiro momento lotes para aterros e fornos de cimento. A partir de 1999, surgiu a solução que utilizam até hoje: a destinação dos lodos como micronutrientes para indústrias de fertilizantes da região de Catalão, em Goiás. “Um parceiro nosso faz uma grande diluição dos lodos, agregando mais metais, já que o percentual dos resíduos é baixo, cerca de 4%, contra os 20% necessários para produção de fertilizantes”, explica Andretta. Com a parceria, cerca de 90% do lodo gerenciado pela Centralsuper, uma média de 200 t a 300 t/mês (em tempos de pouca ociosidade, o que não é o caso atual), vai para Goiás.

Química e Derivados: Superfície: grafico3. Superfície: Christiane - recuperação com eletroquímica. ©QD Foto - Cuca JorgeEm breve, a Centralsuper passará a contar com outra alternativa promissora para os lodos. Ainda neste ano entra em operação o forno a plasma térmico da empresa Ecochamas, em Resende-RJ (ver QD-415, pág. 20, maio de 2003). Aliás, segundo a gerente técnica da Centralsuper, Carmen Silva de Lima, foi a própria central que iniciou o desenvolvimento do projeto, quando em meados da década passada foi contatado o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo. “Procuramos o IPT para requisitar uma solução ao lodo galvânico, eles nos sugeriram a tecnologia a plasma e nós resolvemos apoiar”, lembra Carmen. O apoio aí contou com o financiamento de US$ 200 mil, sendo 30% da Centralsuper e 70% do Sebrae. A partir de então, a pesquisa evoluiu até chegar na sua viabilização comercial por meio do grupo empresarial que hoje controla a Ecochamas.

Química e Derivados: Superfície: Veloso - empresa vai vender os reatores de placas em breve.
Veloso – empresa vai vender os reatores de placas em breve.

Solução para a água – Uma outra pesquisa de origem nacional também pretende ajudar a indústria de galvanoplastia a lidar melhor com o meio ambiente. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por meio da Faculdade de Engenharia Mecânica, está em fase final de um projeto de recuperação de água de lavagem de banhos metálicos por meio de processo eletroquímico de remoção de metais.

Fruto de pesquisa de quase dez anos do departamento de engenharia eletroquímica, que também envolve oxidação de material orgânico, uma primeira célula de recuperação já está pronta e começará a ser utilizada pela empresa Superzinco, de Campinas-SP, ainda neste ano, para recuperar água de dois banhos de lavagem de peças. Para tanto, desde o início de 2001, uma pesquisadora da Unicamp e bolsista da Fapesp, Christiane Ragnini, está desenvolvendo o projeto operacional na galvanoplastia. A unidade de recuperação, feita como uma espécie de filtro-prensa, funciona com reatores de placas, onde o anodo são placas de titânio revestidas com óxidos metálicos nobres e os catodos são esponjas de carbono vitreorreticulado.

Segundo explica Christiane, o princípio da remoção eletroquímica é transformar os íons metálicos em metais novamente. Quando entra no reator em solução aquosa, o íon deposita-se no catodo onde permanece no estado reduzido. A água se oxida no anodo resultando na evolução de oxigênio. Retido na esponja, o metal pode ser redissolvido com solução ácida e reaproveitado, ou então a esponja de carbono, com os metais, pode ser vendida para indústria de aço inoxidável, por tratar-se da matéria-prima principal desse setor.

Química e Derivados: Superfície: Primeira unidade de recuperação de metais - anodos de titânio.
Primeira unidade de recuperação de metais – anodos de titânio.

Além das placas de carbono e titânio, entre elas também há separação com placas de membranas fluoradas Nafion (DuPont), normalmente utilizadas na separação eletroquímica de cloro-soda. Isso foi necessário para evitar competição com a reação de redução dos metais e deixar a reação de oxidação seletiva. A Superzinco vai utilizar oito unidades de remoção eletroquímica na segunda e terceira águas de lavagem, já que a primeira é muito concentrada de metais e retorna ao banho metálico. Serão instalados nas unidades de cromação de ABS e de peças metálicas, mas vão ser empregadas para recuperar apenas cobre, níquel e zinco, pois o cromo não é apropriado para esse processo eletroquímico. Quando entrarem em operação, as unidades permitirão a Superzinco ter apenas lodo de cromo e um pouco dos outros metais, quando houver parada de limpeza das unidades. Por terem experiência apenas de teste das unidades, ainda não há condições de mensurar os ganhos, segundo -explicou o gerente de meio ambiente da Superzinco, Emilio Veloso.

Os gastos extras de energia não serão altos, porque a intenção é aproveitar os mesmos retificadores das linhas produtivas, consumindo cerca de 60 ampéres. Quando começar a operação e depois de instaladas todas as unidades, a intenção da empresa é passar a fornecer as unidades no mercado. “Será constituída uma empresa para comercializar a tecnologia”, diz Veloso. A Unicamp, aliás, receberá royalties das vendas, que provavelmente devem ser substanciais, tendo em vista o grande problema que a tecnologia nacional ajuda a atenuar.

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