Tratamento de Efluentes: Setor privado compensa escassez de obras públicas
Enquanto as obras em saneamento básico não saem, por conta da indefinição federal para orientar OS investimentos, fornecedores de sistemas, equipamentos e processos para tratamento de efluentes fecham bons negócios com a iniciativa privada
Os clientes industriais continuam a ser a salvação para os fornecedores de sistemas de tratamento de efluentes. Sem esperanças de ver tão cedo curada a lentidão governamental para orientar os investimentos no saneamento básico, ainda dependente da aprovação de projeto de lei para regulamentar a atividade, as empresas correm atrás da mais dinâmica iniciativa privada para manter constante o crescimento nas vendas. Os fornecimentos para o setor público têm sido apenas para obras bastante aquém do potencial do País, onde apenas 34% do território possui redes de coleta de esgoto e menos de 10% conta com tratamento dos efluentes domésticos, de acordo com dados de pesquisa da consultoria americana CG/LA Infrastructure.
Embora o potencial do saneamento básico seja superior, os negócios com a indústria são mais constantes, imunes a burocracias e portanto com menores chances de desandar de uma hora para outra. Não por menos, um outro resultado do trabalho sobre o mercado latino-americano de águas da CG/LA revela que nos próximos três anos o continente demandará investimentos em tratamento de efluentes e de água industrial da ordem de US$ 2,2 bilhões. Desse total, pouco acima da metade se voltará apenas ao mercado brasileiro, de longe o mais importante.
De acordo com o vice-presidente da consultoria, Anand Hemnani, a despeito do rigor das legislações ambientais, que obrigaram muitas empresas a se adequarem aos padrões de emissões, ainda há muito por fazer em tratamento de efluentes industriais no Brasil. Com o respaldo da pesquisa realizada sob sua coordenação, resultante de serviços de consultoria para grandes grupos interessados no mercado latino-americano, Hemnani concluiu que o percentual de efluentes industriais devidamente tratados ainda se encontra em um patamar muito baixo na região.
Quando se leva em conta as indústrias com algum tipo de tratamento, a média nos países abordados pela pesquisa (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela) não ultrapassa 65%. Porém, ao se considerar apenas as empresas com tratamento realmente adequado para atender aos padrões básicos de normas ambientais, esse índice cai para 40%. No Brasil, ainda de acordo com o levantamento da CG/LA (cujos dados são compilados anualmente), as porcentagens oscilam bastante. Podem variar desde 30%, como no caso do setor de processamento de açúcar, até 80%, na petroquímica, ou 90%, no setor automotivo.

“Mesmo assim, a maioria dessas empresas no Brasil possui apenas o tratamento primário e, só em alguns casos, chega ao secundário”, afirma Hemnani. Para ele, nesse contexto são raras as que atendem os padrões internacionais de controle ambiental. “A empresa precisa sofrer muitas pressões, externas e internas, para investir no tratamento de efluentes apropriado”, continua o consultor.
Esse motivo explica o fato de a indústria automotiva ser a mais adiantada nesse quesito, tanto por precisar seguir seus padrões corporativos de meio ambiente como para se prevenir de pressões da comunidade. “Por outro lado, as companhias menos preocupadas com a questão, e por conseqüência as mais poluidoras, são as menos visadas, ou seja, as pequenas e médias indústrias locais.”
Multiutilidades – A constatação de que o mercado privado tem retorno mais rápido se reflete na atuação das empresas do ramo. Difícil encontrar um fornecedor não preocupado em chamar a atenção para novos serviços e sistemas disponíveis ao segmento industrial. Simbólica nesse aspecto é a tendência crescente dos principais players em oferecer pacotes globais para as necessidades de utilidades dos clientes, englobando desde o tratamento de água industrial e efluentes até a destinação de resíduos e, em casos específicos, de abastecimento de energia.
Os mais radicais nesse conceito de multiutilidades são justamente os dois maiores grupos do setor, os franceses Vivendi e Suez. Com atuações paralelas, em água e energia (e ainda em telecomunicações), as duas corporações estão em esforço de guerra para organizar as atividades de suas diversas empresas ou co-ligadas para ofertar soluções integradas. Depois de várias aquisições para cumprir a nova estratégia, a nova palavra de ordem para ambas é a sinergia de negócios.
A Vivendi promete divulgar de forma mais intensa a operação “casada”. As necessidades de equipamentos, sistemas e operações de água e efluentes ficam a cargo do corpo técnico da adquirida US Filter e da divisão OTV (agora denominadas apenas Vivendi Water). As demandas de gerenciamento de resíduos passam a ser responsabilidade da divisão Onyx, da Vivendi Environement, que no Brasil também engloba a adquirida Resicontrol. Já na parte de tratamento químico da água ou efluente, a responsável é a BetzDearborn, do grupo americano Hercules e que possui aliança estratégica internacional com o grupo francês. Se o cliente também necessitar de know-how de energia, por atuar forte mundialmente no segmento, o grupo providencia o atendimento.

A versão brasileira dessa nova estratégia da Vivendi já começou. Na unidade da Solvay em Santo André-SP, Vivendi e BetzDearborn cuidam da água, dos efluentes e dos resíduos das fábricas do site. Há ainda um novo contrato com a siderúrgica Usinor, em São Francisco do Sul-SC. Conforme explica o diretor comercial da Vivendi Water, Giangiacomo Gallizioli, a conta da Usinor será o primeiro exemplo de fornecimento total de utilidades executado pelo grupo no Brasil. Trata-se de contrato BOT (build, operate and transfer) de 15 anos de valor aproximado de R$ 70 milhões. A obra englobará o fornecimento de água potável e industrial, bem como sistema de tratamento para caldeiras e de efluentes, além do gerenciamento de resíduos industriais e do fornecimento de gases industriais e de energia.
“O grande trunfo desses serviços é fazer com que os clientes se preocupem apenas com o processo deles”, afirma Gallizioli. Para ele, um aspecto importante nesses fornecimentos, quando diz respeito a efluentes, é a possibilidade de destinação de resíduos, tendo em vista a limitada oferta de aterros, incineradores e outras medidas corretas. “Não adianta a empresa ter solução para o líquido, se o resíduo sólido, os lodos de estações, fica a descoberto”, diz. Isso vale tanto para indústrias como para municipalidades e companhias estaduais. A Sabesp, por exemplo, estaria acumulando lodos em suas estações de tratamento de esgoto.
A divisão Onyx pode contar com várias soluções para resíduos de qualquer tipo, do classe 1 (perigosos) ao classe 3 (inertes). Para começar, há a possibilidade de co-processamento em fornos de cimento, executado pela unidade da Resicontrol, em Sorocaba-SP, onde se realiza a “blendagem” de resíduos para posterior queima em forno de clínquer, em Capão Bonito-SP (ver QD-387, pág.17). Se a destinação mais adequada for aterro, desde dezembro de 2000 a Vivendi conta com o Sasa, de Tremembé-SP (QD-387, pág.10). Em nível mundial, o grupo francês adquiriu a americana Waste Management International, ex-controladora do Sasa e proprietária de mais de 300 aterros pelo mundo.

Detentor do conceito de central de tratamento de resíduos, no qual pode preparar o melhor destino do lixo com técnicas de microencapsulamento, o Sasa a partir deste ano passou a receber resíduo classe 1, desde que implantou uma vala revestida com capacidade para 350 mil m³. Possível de receber quase todos os tipos de lixo industrial e também doméstico da região, apenas em determinados casos a solução para os clientes terá de ser incineração.
Quando houver necessidade, explica o diretor da Onyx-Resicontrol, Leon Tondowski, a empresa aciona os acordos operacionais com os incineradores da Basf, de Guaratinguetá-SP, e da Bayer, em Belford Roxo-RJ.
Na onda – A grande concorrente mundial da Vivendi, a Suez (que recentemente retirou o Lyonnaise des Eaux da razão social) se reestruturou para, entre outros motivos, criar uma divisão para administrar suas soluções integradas para indústria. Em março, foi criada mundialmente a Ondeo Industrial Solutions, responsável pela coordenação de ofertas integradas para a indústria, administrando e unindo os diversos serviços e produtos disponíveis nas várias divisões e empresas do grupo. “Estamos nos preparando para colocar em prática os processos de sinergia de todas as áreas e assim criar soluções completas de utilidades”, afirma o gerente geral para a América Latina, José Serrano.
A divisão, na verdade, faz parte da nova empresa formada pela Suez em março para agrupar seus negócios de água: a Ondeo (em latim significa “Eu vou por sobre a onda”). Por sua vez, a Ondeo é subdividida em Ondeo Services, voltada para águas municipais; Ondeo Degrémont, de projeto, engenharia de equipamentos e sistemas e ainda operação e manutenção de unidades; e a Ondeo Nalco, responsável pelos processamentos químicos e serviços de água industrial e efluentes.
Além de coordenar as operações integradas das três divisões, a Ondeo Industrial Solutions também pode acionar outras operações do grupo Suez. Em energia, o grupo conta com a Tractebel, dona no Brasil da geradora gaúcha Gerasul. em resíduos, a operação mundial é controlada pela Sita, proprietária no País da Vega Sopave e sócia do incinerador da Teris do Brasil, em Taboão da Serra-SP (ver QD-384, pág. 36).

“Estamos fazendo reuniões mensais e trocando informações com executivos e técnicos das divisões de equipamentos e de municipalidades para interá-los sobre nossas tecnologias”, afirma José Serrano, da Ondeo Nalco. Em razão do processo de reestruturação ter se finalizado recentemente, de acordo com Serrano ainda não há contratos de pacotes completos. “Mas temos um nível de investimentos anual da ordem de US$ 20 bilhões para financiar projetos do tipo BOT por todo o mundo”, diz o gerente. Bom lembrar que a Ondeo tem faturamento mundial de US$ 8,5 bilhões, dentro da receita total da Suez de US$ 32 bilhões. Com 60 mil clientes em 130 países, a Ondeo Nalco fatura US$ 2,4 bi.
Nesse processo de integração de operações, a Ondeo Nalco no Brasil já consumou a incorporação de recentes aquisições. A nacional Adesol, importante produtora de polímeros acrílicos, teve suas atividades (principalmente clientes, já que sua fábrica em Ribeirão Pires-SP foi descontinuada em razão de passivos ambientais) incluídas na divisão Unisolv de clientes industriais médios (automobilístico, cosméticos, farmacêutico, açúcar e álcool, etc.). A Kenisur, atuante no mercado institucional (prédios, hospitais, pequenas indústrias), é a outra divisão, além da Unisolv, subordinada aos negócios de especialidades, cuja gerência geral está a cargo de José Serrano.

De seus negócios no Brasil avaliados por volta de US$ 50 milhões, cerca de 20% se destinam ao tratamento de efluentes, 40% para condicionamento de água de caldeiras e o restante, para resfriamento. Com crescimento anual por volta de 20%, uma prova da ascensão da subsidiária brasileira foi a quadruplicação da fábrica em Suzano-SP, agora com capacidade para 40 mil t/ano. “Importamos hoje em dia apenas algumas matérias-primas”, diz o gerente de marketing para América Latina da Ondeo Nalco, Manoel Velloso. Segundo ele, a principal motivadora do crescimento tem sido a divisão de especialidades, em detrimento da divisão industrial (petroquímica, papel e celulose, siderúrgica). “A indústria média, como por exemplo bebidas e alimentos, significa muito mais clientes, por todas as regiões do País”, diz. Com 450 funcionários no Brasil, a Ondeo Nalco possui escritórios nas principais cidades.
Tendência se alastra – Não só os dois líderes franceses se movimentam para ofertar serviços além da simples venda de uma estação de tratamento de efluentes ou um pacote de dosagem de produtos químicos. Os outros competidores, sejam eles médios ou pequenos, também correm por fora nessa tendência de solução completa já em início de assimilação pelos clientes. A tradicional Kurita tem procurado fazer os funcionários compreenderem melhor as tecnologias de equipamentos da matriz japonesa. Especializados nos serviços de condicionamento químico, os técnicos freqüentam cursos internos para aprender o know-how.
Do corpo efetivo, há apenas três funcionários voltados para a área de equipamentos. Mas a idéia, segundo o superintendente de operações da Kurita, José Aguiar Jr., é criar a consciência em toda a empresa de que as soluções mecânicas precisam ser integradas com a linha de polímeros. Conforme diz, faz parte da estratégia ofertar ao mercado equipamentos de médio e pequeno porte, como estações de tratamento de água (ETAs) compactas e estações de tratamento de efluentes (ETEs) com capacidades abaixo de 2 mil m³/dia, ou filtros de areia e desmineralizadores.

Aliás, quando se instalou no Brasil no início da década de 80, a Kurita possuía um departamento de equipamentos, aos poucos descontinuado. A luta agora, segundo Aguiar, é traduzir a literatura técnica dos sistemas, em japonês, para facilitar o aprendizado de engenheiros e químicos brasileiros.
Além da preocupação com a solução mecânica, a Kurita também lança metodologia para ofertar serviços globais de otimização de tratamento de efluentes. Surgida em 1999 no Japão e a partir deste ano no Brasil, a proposta consiste, em primeiro lugar, na identificação do gargalo da empresa nos principais insumos de uma ETE: demanda e descarte de água, resíduos, eletricidade, manutenção e químicos. “Normalmente o problema do cliente está em apenas um desses parâmetros”, explica Aguiar. Depois de identificado, a Kurita faz uma minuta da análise, seguida de uma proposta de melhoria, com os custos incluídos, para operação-teste por um período de dois a três anos. Se nessa fase o cliente aprovar os resultados e optar pelo programa, celebra um contrato de longo prazo.
Nessa metodologia, já foi fechado um negócio no Brasil, em uma grande indústria química que o superintendente prefere não revelar o nome. Em sua estação de 2.000 m³/dia, o gargalo estava nos resíduos, cujo custo para desidratação e disposição de lodo era muito elevado (o maior entre os insumos, de US$ 0,030/m³). “Nós reduzimos o volume de resíduo gerado por meio de um melhor desaguamento da torta”, diz. Segundo Aguiar, o cliente aprovou a medida e começará a fase-teste em breve.
Essa nova conta, continua o superintendente, fez a participação no mercado de efluentes da Kurita passar de um percentual de 15% para 23% do faturamento. Aliás, de forma geral a empresa vai bem e, segundo Aguiar, já conseguiu superar a perda da conta na Copene em 2000, seu maior cliente no Brasil (ver QD-388, pág. 16). Ao perseguir com mais interesse o mercado industrial médio, a receita total em 2000 foi de US$ 16,7 milhões . No primeiro quadrimestre de 2001, houve um acréscimo de 33% nas vendas ante o mesmo período do ano anterior, o que faz Aguiar Jr. projetar um faturamento, até o fim do ano, de US$ 20 milhões. Um outro novo negócio ressaltado é a unidade de exploração de petróleo da Petrobrás em Urucu, na floresta amazônica, onde a Kurita se encarregará da água e do efluente.
Além da Kurita, há ainda outras empresas procurando agregar valor aos seus fornecimentos. A Logos Aqua, de Barueri-SP, produtora de polímeros, de acordo com seu diretor, Renato Araujo Silva, estuda propostas de parcerias com fornecedores de sistemas. Também uma nova empresa, a Centroprojekt do Brasil, ex-Lurgi CFA, pretende aliar seu conhecimento como projetista de sistemas e equipamentos para efluentes com as novas tecnologias de gerenciamento de resíduos de sua nova controladora.
Adquirida em abril pelo grupo checo Centroprojekt, por meio de negociação com o antigo dono americano Azurix (Enron), a nova empresa com escritório em São Paulo pretende entrar no mercado de incineração. De acordo com o diretor comercial Valdir Folgosi, além de atuar em engenharia de energia, água e telecomunicações na República Checa, Grécia e Etiópia, a nova controladora possui tecnologia de incineração de lixo doméstico, hospitalar e industrial. “Possivelmente ajudaremos a aumentar a oferta bastante limitada de queima de resíduos do Brasil”, diz.

No campo dos efluentes, a Centroprojekt continuará a ter licença tecnológica da alemã Lurgi Bamag, empresa também à venda pela Azurix, e continuará a ser representante de peneiras rotativas e dos sistemas de desidratação de lodo da Huber, do mesmo país. Como Lurgi CFA durante quase dois anos, a empresa conseguiu seis contratos. Um deles é obra na produtora de celulose VCP, em Jacareí-SP, onde forneceu em turn-key ETE para 3.500 m³/h, com desidratadores de lodo e sistema de aeração por mangueiras removíveis. Segundo o gerente comercial da Centroprojekt, Vicente da Silva, uma novidade de origem checa será uma rede a vácuo para coleta de esgoto sanitário ou industrial. “É ideal para solos com problema de interferência e lençóis freáticos rasos”, diz.
Saneamento vai sair – Apesar da demora na aprovação do projeto de lei 4.147, enviado em fevereiro de 2001 pelo Governo ao Congresso Nacional e cuja redação disciplinará as concessões, privatizações e os investimentos públicos em saneamento, alguns negócios em tratamentos municipais devem também atrair a atenção dos fornecedores. Segundo informa Gilson Afonso, vice-presidente do Sindicato Nacional das Indústrias de Equipamentos para Saneamento Básico e Ambiental (Sindesam), no orçamento da União para 2001 está reservado R$ 1,9 bilhão para aplicação em água e esgoto de municípios.
Além disso, há um programa vultoso da Sabesp (com cronograma atrasado) para investir em coletores e interceptores de esgoto, com financiamento japonês de cerca de US$ 615 milhões. Mas obras em companhias estaduais são raras na atualidade. Além da paulista, apenas a companhia paranaense Sanepar não está quebrada.

O dinheiro federal, porém, deve sair no prazo determinado. Porém, de acordo com Afonso, para conseguir verba as cidades precisam estar com as contas em dia. Exigência importante também é o serviço de saneamento estar a cargo de uma empresa municipal autônoma (nos moldes dos SAAEs) e não por um departamento dentro da prefeitura. “Caso contrário, esse dinheiro pode ser mais facilmente desviado para outros usos”, explica. Outra condição imposta pela União é a prefeitura possuir convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o que significa se utilizar do assessoramento técnico e administrativo da fundação para implementação de projetos de saneamento.
Embora o governo tenha muitas vezes afirmado não ter dinheiro para financiar a universalização de água e esgoto (dos 5.500 municípios apenas 500 possuem tratamento pleno), continuará havendo verbas públicas específicas ao setor. Já está definida entre as atribuições da recém-criada Agência Nacional de Águas (ANA) investimentos em Estados e municípios comprometidos em despoluir suas bacias hidrográficas. Se as localidades conseguirem diminuir a poluição em rios e, além disso, passarem a implementar o plano de cobrança de captação de água para indústrias e agricultura, a ANA libera verbas para projetos. “O governo está adotando medidas mais equilibradas para destinar recursos públicos”, elogia Gilson Afonso.
A se guiar pela disponibilidade de recursos federais, o governo pelo menos em parte não se contrapõe à posição de especialistas do setor. Na visão de Anand Hemnani, da CG/LA Infrastructure, por exemplo, depositar apenas nas mãos da iniciativa privada o encargo de universalizar o esgotamento sanitário pode ser muito arriscado. “As taxas de retorno sobre o investimento para tratamento de esgoto não compensam para investidores privados e fundos de pensão”, diz. “Não por menos, 82% dos investimentos iniciais em tratamento de esgoto nos Estados Unidos foram financiados pelo governo federal”, diz.
A saída para garantir a pretendida universalização, de acordo com Hemnani, seria disciplinar de forma equilibrada investimentos públicos e privados. Grandes grupos internacionais, por exemplo, possivelmente não teriam interesse em áreas muito pobres. Nesses casos, o governo poderia subcontratar grupos privados para implantar o serviço. Mas cidades mais desenvolvidas certamente continuarão a atrair a atenção para concessões e privatizações. Concessões plenas de água e esgoto, onde as empresas podem compensar na tarifa de abastecimento os gastos com o esgotamento, tornam-se mais viáveis, como já ocorre em cidades como Manaus-AM e Limeira-SP (ambas com o grupo francês Suez, por meio da divisão Ondeo Services).
Sem project finances – Um outro aspecto importante a se levar em conta é o perfil dos mecanismos de financiamento no setor. Segundo Hemnani, não existe os chamados project finances em saneamento, nos quais o financiador é pago com os recursos gerados pelo próprio empreendimento. Para a captação de recursos são mais comuns os chamados balance sheet finance, no qual o grupo precisa demonstrar garantias de ativos para alavancar o financiamento. Isso significa que somente empresas de porte, e saudáveis, conseguem entrar nesse mercado. Explica-se aí o motivo de a Suez, grupo de mais de US$ 30 bilhões, conseguir investir nas cidades brasileiras, com recursos externos e do BNDES.
Essa dura realidade dificulta a ação de grupos nacionais nos processos de privatização e concessões. Tanto assim que se tornou questão de honra ao Sindesam lutar para seus associados participarem desses negócios. “A indústria nacional de equipamentos e sistemas tem condições de fornecer e operar 90% das necessidades do saneamento básico”, afirma o vice-presidente da entidade, Gilson Afonso. Segundo ele, ao exigir garantias o BNDES só tem financiado grandes grupos estrangeiros. E estes, ainda por cima, depois não compram equipamentos dos brasileiros, pois conseguem outras linhas de financiamento no exterior, que impõem condições de aquisição em seus países de origem. “Os almoxarifados das concessões em mãos de estrangeiros são verdadeiros freeshops”, ironiza Afonso.
Se no aspecto financeiro a situação torna-se desfavorável para os fabricantes nacionais, pelo menos a proposta de estruturação do saneamento contida no projeto de lei 4.147 pretende facilitar os investimentos. Em primeiro lugar, não poderá haver venda de concessões. Os recursos financeiros do vencedor de possíveis licitações deverão ser aplicados diretamente em obras. Também por deixar a titularidade do sistema tanto para o Estado (no caso de regiões metropolitanas e microrregiões) como para municípios, o projeto abre a possibilidade de negócios mais diversos. Ou seja: ao se privatizar uma companhia estadual, não se corre o risco de todo aquele Estado passar a ser explorado por apenas um grupo privado, caso a titularidade fosse exclusividade dessa esfera de governo.
Aliás, segundo o projeto, até mesmo quando uma companhia estadual for vendida, as cidades contempladas por seus serviços poderão definir se continuam ou não “clientes”. O único porém é se for feita uma outra concessão a prefeitura precisa indenizar o novo dono da empresa. Essas definições contidas no projeto, e a disposição da União em tomar partido firme nas questões do saneamento, podem ajudar a minimizar o déficit brasileiro, que negativamente afeta a saúde da população.
Falta de água deve desenvolver reuso
Se não se desenvolve com a velocidade desejada pelos fornecedores, pelo menos o mercado de reuso e reciclo de água começa a ter alguns exemplos isolados interessantes e torna-se cada vez mais tema de estratégias comerciais dos principais competidores. Essas experiências são os primeiros reflexos de um mercado bastante promissor, cuja motivação principal deve se fundar mais na escassez de água do que no prometido plano de cobrança pela captação de água e emissão de efluentes. Isso porque a tarifação sinalizada pelo governo não chega a comprometer muito as finanças das empresas.
A primeira experiência de adoção da cobrança, baseada na lei federal 9.433/97, será desenvolvida no Rio Paraíba do Sul, que passa pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O comitê da bacia hidrográfica formado para gerir os recursos hídricos da região (também seguindo determinação da lei) decidiu pela cobrança de R$ 0,02 por metro cúbico de água captada e consumida e pelos efluentes lançados no rio. Se a previsão de arrecadação para a bacia poderá ser até vultosa (R$ 14 milhões por ano), para as indústrias não comprometerá muito os custos produtivos, na avaliação de especialistas do setor.
“Esses valores de centavos não vão obrigar ninguém a adotar programas de reuso, o que pode ajudar mais é a falta de água aliada ao alto custo de abastecimento em regiões como São Paulo”, afirma Giangiacomo Gallizioli, diretor da Vivendi Water. A empresa, aliás, pretende operar na área de reuso e reciclo em integração com a BetzDearborn. De acordo com o gerente nacional de marketing da Betz, Ricardo Fernandes, a idéia é aproveitar o know-how da empresa em tratamento de água de resfriamento para coordenar projetos de sistemas para reaproveitamento de efluentes como make-up das torres. “Não se pode esquecer que 70% da água de uma indústria volta-se para resfriamento e é para essa aplicação que devemos focar esforços de reuso, reciclo e conservação”, completa Fernandes.
Também por conhecer de forma mais íntima a qualidade da água do que os fornecedores de equipamentos, a Ondeo Nalco deve coordenar junto à Ondeo Degrémont o programa de reuso do grupo, denominado ART (Advanced Recycle Technology). Já empregado antes mesmo da aquisição da Nalco pela Suez, de acordo com o gerente de marketing Manoel Velloso, o programa segue uma metodologia que compreende uma primeira auditoria na planta, seguida pela avaliação técnica-econômica, com cálculo de modelo matemático, confirmação em escala piloto e, finalmente, implementação.

“Estudamos todas as correntes do cliente, identificamos perdas, avaliamos as melhores alternativas de reaproveitamento e, por fim, indicamos a tecnologia mais barata para gerenciar a água”, diz Velloso. Segundo ele, o conceito de toda a metodologia se centra no conceito da pirâmide: a base dela seria a conservação, ou seja, o ajuste deve começar por procedimentos simples, evitando-se desperdícios ou tecnologias atrasadas e menos econômicas. Nessa fase, Velloso afirma ser possível reduzir em média 20% o consumo de água a custos praticamente nulos.
No meio da pirâmide, estaria o reuso, ou seja, o simples deslocamento da água antes descartada para um uso específico, como por exemplo o make-up de torre. Aí não seria necessário nenhum processo físico-químico, no máximo um ajuste de pH. Como última alternativa, no topo da pirâmide, estaria o reciclo, onde depois de muitos estudos seria sugerida a utilização de equipamentos e produtos químicos para recuperar efluente da indústria. “É bom lembrar que os trabalhos de ART, incluindo as auditorias, serão realizados utilizando-se recursos humanos e técnicos de nosso centro de pesquisa em Naperville, nos EUA”, diz o gerente.
Por enquanto no Brasil ainda não há exemplos de emprego do programa, mas do exterior já são divulgados vários cases. Em uma unidade de PVC nos EUA que desejava expandir a produção mas não o fazia por não ter disponibilidade de água, a Nalco possibilitou a expansão e economia de US$ 290 mil/ano recirculando efluentes e economizando água. Em uma unidade química a economia de US$ 93 mil/ano e de US$ 3 milhões em investimentos foi conseguida aprimorando-se o tratamento biológico, aeróbico e anaeróbico de uma ETE subdimensionada. O intuito foi reaproveitar água de condensado para alimentação de caldeiras.

Casos no Brasil – Se a Ondeo Nalco ainda não possui casos brasileiros para divulgar seu programa ART, a Geoplan, do grupo americano Azurix, opera em três grandes projetos que contemplam reuso. Com recursos da gigante Enron, controladora da Azurix, trata-se de projetos de BOT na Vicunha Nordeste, em Fortaleza-CE; na Fábrica de Fertilizantes do Nordeste (Fafen), da Petrobrás em Camaçari-BA; e na Prosint, do grupo Peixoto de Castro, no Rio de Janeiro.
Na Vicunha, é um contrato de dez anos para construção e operação da estação de tratamento de efluentes e de um sistema de fornecimento de 80 m³/hora de água de reuso, a partir de esgoto doméstico e industrial.
Para o reaproveitamento foram utilizados osmose reversa e sistema biológico com lodo ativado anterior. Segundo informa o diretor de engenharia e processos da Geoplan, Júlio Marcelo Zanini, a obra de US$ 12 milhões foi motivada pela escassez de água no Ceará. “A água lá é tão valorizada que a companhia estadual de saneamento possui duas redes de distribuição, uma potável e outra industrial, que requer pós-tratamento”, diz.
A obra na Fafen consiste de um BOT de 15 anos, de US$ 10 milhões, e visa abastecer 1.200 m³/h de água clarificada e desmineralizada para a produção de fertilizantes e para uma central térmica. Como fonte, além de água subterrânea, será reusado efluente inorgânico e, com isso, a fábrica pára de depender do fornecimento de água da Copene. Para o reuso, remove-se sílica com precipitação em óxido de magnésio e complementa-se com osmose reversa para desmineralização.
Já o projeto na produtora de metanol Prosint é o mais complexo de todos. O contrato de 15 anos visa substituir toda a água cara da companhia estadual carioca Cedae pela captação suja no Canal do Cunha. De acordo com Zanini, a água captada é mais complicada em termos de salinidade e contaminação orgânica. Isso porque o canal todo dia recebe fluxo da poluída Baía da Guanabara, quando a maré está cheia, e de esgoto da Região Norte do Rio, ao baixar a maré. “Em três meses de testes, foram realizadas 2.160 análises para verificar as variações na característica da água”, explica.
Com a ajuda de uma modelagem matemática, a operação da Geoplan saberá os horários certos para captação e a vazão adequada conforme a qualidade da água. Por ser muito complexo, em termos de equipamentos, segundo o diretor, foram testados sistemas inéditos no País. Exemplos são um sistema russo de eletrodiálise reversa, para polimento final do rejeito da osmose reversa, e um filtro de areia enriquecido com resina de troca iônica.

Além desses grandes projetos, desde que passou para o controle da Azurix, em 1998, além de sextuplicar de tamanho, a Geoplan possui no momento 189 contratos de BOTs. Até 2000, foram investidos US$ 80 milhões e, desde o início de 2001, fechou mais R$ 20 milhões desses contratos. “Nesse ritmo, chegaremos a R$ 100 milhões até o fim do ano”, diz. Cerca de 80% são BOTs na iniciativa privada e muitos deles são contratos comprados de empresas pequenas.
Essa boa atuação no Brasil contrasta com o desempenho mundial da Azurix. Suas ações despencaram 60% o ano passado (de US$ 18 para US$ 7), depois de alguns investimentos malsucedidos. Para variar, a culpa do fracasso tem origem na Argentina.
A Azurix pagou US$ 450 milhões pela Aguas de Buenos Aires, contra US$ 72 milhões do segundo concorrente e, pior, por um negócio que depois se mostrou inviável.
As redes de abastecimento estavam envelhecidas e o grupo precisou investir muito para colocar em dia a operação. Junte-se ao efeito Argentina a estratégia do grupo Enron de não imobilizar ativos, para se tornar uma trading de energia, e a conclusão é simples: a Azurix está à venda e, por conseqüência, a Geoplan.
Uma outra empresa com experiências em reciclo de efluentes é a Fluid Brasil, de Jundiaí-SP. Recentemente, de acordo com seu diretor José Eduardo Rocha, a Fluid tem atuado em três projetos de reciclo de efluentes com unidades de ultrafiltração, cujo preço das membranas cai ano após ano. A empresa, aliás, forneceu para um BOT da Geoplan um sistema de pré-tratamento e osmose reversa para reaproveitamento de efluentes do fabricante de eletroeletrônicos Itautec.
Além desses projetos (que o diretor prefere não revelar mais detalhes), Rocha percebe uma procura muito grande da indústria, sobretudo a instalada na região metropolitana de São Paulo, onde o custo de água e esgoto chega a 11 reais o metro cúbico. “Com a infra-estrutura duvidosa do Brasil, quanto mais auto-suficiente em utilidades a empresa for, melhor”, alerta. “Daqui a pouco vai ser estratégico o reuso e reciclo, e quanto mais se aprofundar nesses pontos mais lucros a empresa vai ter.” É o que as empresas do ramo esperam ansiosas.
Logos Aqua pesquisa aditivos com a USP
Iniciativa rara na indústria brasileira, uma empresa local tem conseguido se valer de tecnologia própria e, melhor, com a cooperação da pesquisa universitária, para competir no disputado mercado de condicionamento químico de água e efluentes. A Logos Aqua, formada há pouco mais de um ano pela Logos Química, de Barueri-SP, está recorrendo a financiamentos da Fapesp para desenvolver polímeros junto com a Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com o sócio-diretor da empresa, Renato Araujo Silva, a médio prazo a pesquisa em conjunto com o Instituto de Química da USP estará concluída. Quando estiver pronta, provavelmente daqui a um ano, possibilitará a comercialização de zeólitos naturais (cinzas residuais de processos de combustão industrial) para absorção de metais pesados. “Os compostos funcionarão como resinas de troca iônica e serão aplicados em filtros ou em colunas agregados ao processo industrial ou na fase final nos efluentes”, explica Silva. Quando saturados, os zeólitos seguem para descarte em aterros.
A preocupação com pesquisa faz a Logos ter em seu quadro técnicos com formação acadêmica (um doutor em papel e celulose, da empresa-mãe, e uma mestranda). Entre outras vantagens, isso possibilitou ainda que dentro de três meses a Logos Aqua lance um polímero líquido (tipo poliol) para acelerar o processo microbiológico em processos aeróbicos de efluentes. Segundo seu diretor, por conseguir diminuir o tamanho das bolhas de oxigênio, aumentando a superfície de contato biológico da lagoa, a remoção de DBO aumenta em eficiência em até 60%.

O fenômeno de aperfeiçoamento microbiológico foi fruto da observação de uma pesquisa da Logos Química para melhorar a eficiência de seus antiespumantes para processo e efluentes. “Percebemos que os aditivos alteravam o tamanho das bolhas de oxigênio”, diz. A origem do novo polímero fará o tratamento demandar menos antiespumantes, reduzindo o custo total de dosagem química no efluente. O novo produto será dosado de 0.5 a 3 ppm.
Com produção em Barueri, tanto a Logos Química (forte em processo de papel e celulose, açúcar e álcool e outros) como a Logos Aqua estão de mudança para nova fábrica em Leme, no interior paulista. Para transferir toda a produção, estão em fase de recebimento de dois reatores vitrificados chineses para síntese de poliacrilatos. Em agosto próximo, será dada a partida da produção de misturas, em outros três grandes reatores nacionais já adquiridos. Até o final do ano, inicia a síntese dos poliacrilatos. Em 2002, começa a produzir antiespumantes e o policloreto de alumínio (PCA). Para 2003, espera iniciar a produção de monômero acrílico e polieletrólitos
De acordo com Silva, a decisão pela nova fábrica foi para atender o crescimento de 40% ao ano da Logos nos últimos quatro anos. “Nossa produção em Barueri está no limite de 600 t/mês de poliacrilatos, polimaleatos e fosfonatos”, diz. Em Leme, a fábrica poderá triplicar a produção. Com 70 funcionários e 300 clientes, em 2001 a Logos inteira deverá faturar R$ 19 milhões.