Tratamento de Água – Controle automatizado melhora desempenho das especialidades químicas
Os water-doctors, como são conhecidos os especialistas em subscrever “receitas”, supervisionar e operar tratamentos para as indústrias manterem suas vazões de água dentro dos padrões aceitáveis para evitar problemas na produção, estão cada vez mais sofisticados em seus diagnósticos. Além de procurar ofertar melhores “remédios” (leia-se aí especialidades e commodities químicas) para combater os principais males que afligem o condicionamento da água no meio industrial – corrosão, contaminação microbiológica, incrustação –, os “médicos da água” também se preocupam cada vez mais com a medicina preventiva, na qual o constante acompanhamento do paciente, com exames periódicos, diminui o surgimento de “enfermidades”, tornando o tratamento mais racional, sem sobressaltos e deixando saudáveis torres de resfriamento, caldeiras e estações de tratamento de água e efluentes.
Se no campo da saúde a prevenção significa visitas periódicas ao médico, que normalmente fará uma análise clínica do paciente e pedirá uma bateria de exames para averiguar os parâmetros mais importantes para ter garantias de que tudo está bem, no universo do tratamento de água o caminho se revela o mesmo, com tendência de radicalização quando a operação é mais crítica e demanda maiores cuidados para não causar problemas ao cliente. Esse caminho que começa a ser divulgado por grandes empresas tratadoras de água, na prática os tais water-doctors, envolve o uso de sistemas on-line de controle dos principais parâmetros da água tratada, agregados aos seus sistemas químicos, cujo principal objetivo é saber se os produtos dosados estão sendo aplicados conforme a “prescrição” anteriormente feita e, sobretudo, se estão sendo eficazes, levando em conta alterações comuns na água de entrada e na recirculação dos sistemas.
A tendência do controle on-line é mais evidente nos tratamentos de torres de resfriamento, não por acaso onde mais se consome água na indústria, principalmente as de grande porte. Por coincidência ou não, pelo menos três grandes competidores do mercado estão anunciando novidades nessa área, com tecnologias com certas especificidades, mas no fundo com o mesmo propósito: controlar o tratamento e corrigi-lo automaticamente. Há divulgação de novos sistemas nas americanas Ashland Water Technologies e na GE Water and Process Technologies e ainda na japonesa Kurita, as três com grande presença nos chamados heavy users de água, ou seja, indústrias pesadas, como siderurgia e petroquímica, além do mercado médio industrial. E do mesmo modo as três se encontram ainda em fase de divulgação das novas tecnologias de controle, com a promessa de em breve de fato introduzir os sistemas no país.

Vale começar pela Ashland, entre outras coisas por causa de sua nova estruturação no mundo e no Brasil, resultado de um caminho de aquisições de empresas importantes da área, como a Drew, a Hercules, a Stockhausen (da ex-Degussa, com fábrica de polímeros acrílicos em Americana-SP), a ISP e, especificamente no país, a Logos (unidade em Leme-SP). A tecnologia da Ashland se chama PBC (Performance Based Control, ou controle baseado em performance), que se funda no uso de um equipamento automatizado de controle de linhas críticas de resfriamento de grande porte, com grande consumo de água e com problemas de contaminantes, segundo explicou José Armando Píñon Aguirre, diretor da Ashland. “Ele é conectado ao trocador de calor mais crítico e pode ter múltiplos pontos de leitura, analisando on-line as taxas de corrosão, de incrustação e de contaminação microbiológica”, disse. “Se por um acaso o sistema detecta que uma das taxas de controle está acima do considerado como indicador-chave de desempenho, a dosagem do produto, seja o inibidor de corrosão, o dispersante ou o biocida, é aumentada. Da mesma forma, se a taxa está abaixo do determinado como indicador, a dosagem é diminuída”, completou.
Sistema de controle baseado nas taxas dos parâmetros torna a operação mais racional e econômica, na opinião de Magno Meliauskas, o gerente regional de vendas da Ashland. Isso porque a dosagem dos produtos é regulada conforme a necessidade. “Quando as taxas caem, em determinada fase do tratamento, os produtos são menos dosados, evitando desperdício”, disse. Essa tendência no mercado vem no contraponto do que até pouco tempo era divulgado como o mais avançado para controlar as dosagens: a tecnologia de traçantes fluorescentes, que são agregados em percentuais pequenos aos químicos empregados, para assim um equipamento de medição atestar que a “receita” se mantém contínua, conforme o determinado para a operação.
“Os traçantes apenas medem e garantem que os produtos estejam sendo dosados como proposto, não controlando o desempenho de acordo com as variações da água. Isso não só pode causar desperdício, quando se dosa a mais, mas principalmente pode deixar o sistema desprotegido quando há a necessidade de aumentar a dosagem, hipótese perigosa para um grande sistema”, explicou Aguirre. “A tecnologia por traçantes não muda o tratamento quando necessário”, disse.

Embora a Ashland tenha sua própria versão do traçante (tendo em vista que a patente da Nalco, proprietária da tecnologia Trasar, já expirou), a empresa não coloca a tecnologia como foco. “Usamos os traçantes em alguns casos não muito críticos, sem variações e com ciclos baixos de concentração. Mas toda a nossa pesquisa e a estratégia comercial estão voltadas para difundir o uso do PBC e, em breve, para um aperfeiçoamento da tecnologia, o KBC (Knowledge Based Control, ou controle baseado em conhecimento)”, revelou o gerente de aplicações e desenvolvimento da matriz norte-americana da Ashland, Norris Johnston.
O KBC consegue confrontar as diversas informações coletadas pelo monitoramento on-line para provocar alterações nas dosagens para melhorar o desempenho. Isso é possível não só por causa do controle on-line das taxas de corrosão, incrustação e de lama biológica, mas também porque o conhecimento acumulado do sistema em tratamento foi incorporado à lógica de controle. Isso significa, por exemplo, que, ao detectar aumento da taxa de corrosão e de incrustação em um sistema de resfriamento, o equipamento tem condições de compreender que o problema está na verdade no controle biológico, cuja dosagem do biocida pode estar sendo feita em demasia. Um ajuste na aplicação do produto, e não do anti-incrustante ou do inibidor de corrosão, solucionaria a questão. Segundo Johnston, somente incorporando os dados de conhecimento adquirido do sistema, por meio de novos algoritmos da automação do controle, é que se tornam possíveis manobras desse tipo no tratamento. Bom ressaltar que ainda os dois sistemas não foram introduzidos no Brasil (o KBC está em fase final de patente internacional), mas em breve serão adotados em grandes contas da Ashland, hoje muito forte em clientes da indústria de celulose e papel e com planos e em início de disputa de contas na petroquímica.
All-in-one – A Kurita também está para introduzir no mercado brasileiro um sistema semelhante de gerenciamento de tratamento: o S. Sensing AIO (all-in-one). Trata-se de modelo também para grandes unidades de resfriamento. De acordo com o superintendente da Kurita, José Aguiar Jr., o sistema mede todas as variáveis da água, desde pH, condutividade elétrica, cloro e a dosagem de polímeros, dispersantes e inibidores de corrosão. E o melhor: ele verifica as taxas de corrosão e de incrustação de lama biológica. “Automaticamente ele corrige on-line qualquer alteração e pode, por telemetria, avisar os engenheiros por celular sobre as variáveis alteradas”, explicou.

O sistema inclui sensores de controle da Kurita com linhas colorimétricas, pré-tratamento por filtragem das amostras e uso de um reagente só. “Isso permite que os instrumentos fiquem até seis meses sem calibrar, o que é necessário apenas quando há troca de equipamentos”, explicou. Segundo Aguiar, o AIO é o único sistema do mercado cujos equipamentos são totalmente integrados. Além disso, uma webcam permite a visualização remota no tubo de amostra. O equipamento normalmente é instalado no local de retorno da água para a torre, onde há consumo elevado de água.
Já bastante empregado no Japão, onde tem obtido resultados satisfatórios, as demais subsidiárias, como na Alemanha, Estados Unidos e Brasil, foram notificadas a introduzir nos respectivos países as tecnologias. No Brasil, a intenção é até outubro colocar um sistema para operar em um grande cliente, para servir de primeira experiência local. “Sabemos que para fazer o investimento precisa ter retorno, não dá para colocar em todos os clientes. Operações críticas, que demandam controle mais apurado, com grande consumo de água, serão os alvos”, disse.
Mas o fato de o foco do S. Sensing AIO ser mais para grandes clientes (não custa lembrar que a Kurita é muito forte no tratamento de torres de resfriamento de refinarias de petróleo, siderurgia e petroquímica em geral) não significa que a empresa não esteja preparando novidades para o mercado de indústrias médias. Uma tecnologia recentemente comunicada pela matriz japonesa, com propósito de globalização, é o Sun Catch. Trata-se de inovador sistema baseado em coletor solar para acionar dosadores em torres médias e pequenas. “A célula solar fica no topo da torre conectada aos dosadores. O sistema é projetado para continuar a funcionar por até 15 dias sem sol. O equipamento é pequeno (21 cm X 30 cm X 26 cm), fácil de instalar, econômico e, principalmente, não demanda o emaranhado de fios para funcionar”, explicou. Nesse caso, o ideal é agregar o Sun Catch com o produto multipropósito Tower Clean NT, que age com uma única formulação contra os três parâmetros principais de controle (corrosão, incrustação e microbiologia). Indústrias como a de alimentos e bebidas, por exemplo, seriam ótimas clientes da tecnologia.
De olho no residual – A outra norte-americana também confiante na ascensão dos sistemas de controle, a GE Water and Process, divulga o equipamento medidor de residual de produtos denominado True Sense, que, segundo o diretor comercial da subsidiária brasileira, Fernando Uebel, é ofertado para tratar torres de resfriamento como uma plataforma que inclui ainda produtos da linha GenGard, uma molécula de polímero dispersante tolerante ao stress, e ainda biocidas (bromo ou cloro) e inibidores de corrosão de ortopolifosfato. “Nós medimos o residual dos produtos on-line, o que significa que podemos saber se eles estão sendo dosados suficientemente para combater os efeitos nocivos da água ao sistema. Caso haja descompasso, e tenha residual a mais ou a menos, ele regula o tratamento”, disse Uebel.
“Se houver uma contaminação por alumínio, por exemplo, o analisador de residual do polímero vai sinalizar que houve queda do produto para combatê-lo. Automaticamente o sistema vai regularizar e ajustar a dosagem do dispersante”, disse. O mesmo ocorrerá se houver ferro ou cálcio na água, haverá a precipitação com o fosfato do inibidor de corrosão, gerando os agentes incrustantes. O sistema tem condições de regularizar todas essas hipóteses comuns no dia a dia do tratamento medindo o residual dos produtos.
Para Uebel, um grande trunfo para operar com o True Sense de forma mais efetivamente complexa, também levando em conta os insumos químicos, é conjugar o tratamento com os dispersantes resistentes aos halogênios, em específico o cloro, o mais barato e ainda o mais eficaz na sua opinião para o controle microbiocida. “Toda a linha do GenGard é resistente, acabando com um grande problema do tratamento de torres: o ataque do oxidante aos outros produtos utilizados para condicionar a água no sistema de resfriamento”, disse. “O cloro oxida tudo, não só os microrganismos, mas os dispersantes e os inibidores de corrosão, o que foi sempre um desafio para os tratadores”, disse. Na sua opinião, além da solução tecnológica ter evitado que a GE partisse para o uso de oxidantes mais caros, também garantiu aos clientes a proteção à formação da Legionella, evitada com mais de 0,5 ppm de cloro livre na água. Quanto ao fato de o cloro deixar o nível de cloretos alto, prejudicial corrosivamente em aços inox, Uebel afirma que esse problema pode ser evitado mantendo o sistema limpo, sem depósitos.
BAC – Se a saída para a GE continuar a usar o cloro como biocida oxidante nas torres de resfriamento foi tornar seus insumos resistentes ao halogênio, a Ashland pretende divulgar com mais força no Brasil uma nova alternativa de oxidante. Trata-se da cloramina ativada por brometo (BAC), formada pela reação controlada da solução de brometo de amônio (NH4Br) com um hipoclorito de sódio, em um processo patenteado pela empresa. A reação é: NH4 + NaOCl ? [NH2Cl] Br + Na+ + H2O.
O oxidante é gerado in-situ com equipamento próprio. Seu principal diferencial, segundo explica o diretor José Armando Píñon Aguirre, é o alto poder biocida aliado ao baixo poder de oxidação, o que em outras palavras significa que o produto debela com eficiência a matéria orgânica com uma taxa de corrosão muito baixa. Por ser um oxidante moderado, que não participa das reações colaterais indesejadas (sem ser consumido pela demanda tradicional no sistema), ele não precisa de uma alimentação constante e elevada. “Além disso, ao contrário de oxidantes fortes do mercado, o BAC não reage prontamente com os contaminantes de processo na água de resfriamento”, completou Aguirre.

Mais tecnicamente, o controle microbiológico do BAC é atingido em um ORP (potencial de oxidação e redução) menor; e assim o controle corrosivo também é melhorado. Para sistemas de recirculação de torres de resfriamento, o ORP menor, de até 275 mV, contra mais de 500 mV de oxidantes fortes, minimiza a corrosão. “Os oxidantes tradicionais são ineficazes no ORP do sistema menor do que 400 mV para valores de pH neutro ou alcalino”, acrescentou Meliauskas. A cloramina ativada com brometo demonstrou ser eficaz para algas e para bactérias sésseis como as planctônicas (incluindo a espécie Legionella) no ORP inferior. Além disso, a faixa de pH para o BAC pode ser mais abrangente, de ácida a alcalina.
A Ashland já instalou uma unidade com BAC na produtora de metanol GPC Química, no Rio de Janeiro, onde se utiliza água de alimentação de torre com muita contaminação orgânica, proveniente de reúso. “Eles dosavam muito hipoclorito e isso ocasionava uma alta corrosividade aos equipamentos”, relatou Aguirre. Biodegradável, o produto deve ser especialmente indicado para torres com ciclos altos de concentração de sais. Mais caro do que produtos concorrentes, sobretudo o cloro, sua relação custo/benefício nesses casos pesará a seu favor, na opinião do diretor.
Dióxido de cloro – Um outro biocida oxidante que concorre em alguns casos com o cloro é o dióxido de cloro, introduzido há mais tempo no Brasil para sistemas de resfriamento, mas que na opinião dos próprios fornecedores da área ainda não deslanchou comercialmente nessa aplicação. É o que pensa o gerente da divisão Purate da Akzo Nobel, José Gobbi, que fornece a tecnologia pela rota do clorato de sódio com peróxido de hidrogênio em reação com ácido sulfúrico in-situ. Segundo explica, no Brasil, as indústrias ainda não foram totalmente convencidas daquilo que ele considera como as principais vantagens do dióxido de cloro como biocida oxidante de torres. Em primeiro lugar, a possibilidade de dosagem por períodos muito curtos, de três a quatro horas de dosagem, ao contrário do hipoclorito de sódio, que precisa ser dosado 24 horas.

“A ação oxidante forte do ClO2, além de proteger o sistema e melhorar a qualidade da água, diminui a necessidade de outros produtos, como biocidas não-oxidantes e inibidores de corrosão”, disse. Para ele, há um interesse muito forte dos fornecedores de todas as gamas de produtos usados para tratar a água de torres para não deixar a tecnologia se difundir, em detrimento do que ocorre na Europa, por exemplo. “O uso dele reduziria a venda desses produtos, o que pode não ser agradável para os tratadores”, disse. Gobbi ressalta ainda que a rota do clorato de sódio não gera cloretos – como ocorre com a rota do clorito de sódio com hipoclorito de sódio e ácido clorídrico, comercializada pela Clariant –, mas apenas pequenas quantidades, inofensivas ao sistema, de sulfato de sódio, ao contrário dos corrosivos cloretos.
Essa reticência do mercado de resfriamento industrial faz a Akzo Nobel ter mais esperanças em outros potenciais segmentos, como, por exemplo, o de potabilização de água. Isso porque no final de 2011 saiu nova portaria (2914), do Ministério da Saúde, que incentiva o uso de tecnologias como o dióxido de cloro, para principalmente evitar a formação de trihalometanos durante a pré-oxidação de água usada para potabilidade. “Ela está incentivando o estudo e o uso do ClO2 como pré-oxidante, já que, ao contrário do cloro, ele não forma com matéria orgânica os THMs”, disse. A alternativa aí inclui a chamada dupla barreira, onde na desinfecção o cloro gás complementa o tratamento da água potável. Segundo estimativas de Gobbi, há 40 geradores de dióxido de cloro da tecnologia Purate em operação no Brasil, dos quais poucos em torres de resfriamento, como é o caso da Refinaria de Capuava, em Mauá-SP, da Revap, em São José dos Campos-SP, ainda não instalado, e do Aquapolo, na ETE ABC.
Outras tecnologias – Apesar de os sistemas de automação e produtos para o mercado de resfriamento serem mais diversificados tecnologicamente, há algumas novidades em outras áreas. A Kurita, por exemplo, para a área de polieletrólitos para tratamento de efluentes, internalizará no mercado brasileiro em breve o sistema Kurisonic, uma espécie de sonar imerso dentro de decantadores. Com uma câmera, o sistema analisa e mostra em um computador como está a floculação. “O técnico vê as partículas se formando e percebe se há algo de errado, mudando a dosagem se for necessário”, explicou Aguiar. O sistema já está no Brasil e em breve será instalado em algum cliente para teste de campo.
Outro sistema interessante em lançamento é o Sonoxide, da Ashland. Trata-se de sistema por ultrassom e bolhas de ar com a capacidade de colapsar o metabolismo de bactérias, uma opção para controle microbiológico em torres pequenas e médias e outros processos. “Ele não desinfeta, é bom ressaltar, apenas impede o crescimento das colônias”, explicou Aguirre. Pode ser empregado em sistemas menores, sem contaminação, e apenas deve ser submetido depois de análise criteriosa com kits microbiológicos para se averiguar a possibilidade de uso.
Há 600 unidades instaladas no mundo, algumas delas em conjunto com biocidas e pelo menos uma delas no Brasil, na unidade de pneus da Bridgestone-Firestone, em Santo André-SP. “A borracha é sensível ao uso de biocidas; e com a tecnologia o processo melhorou muito”, complementa.