Transporte: Transporte químico combina modais para cortar custos
Modal rodoviário ainda é o preferido, mas a exigência de cortar custos obriga a combiná-lo com ferrovias e navios, além de transferir operações logísticas para terceiros, atraindo empresas internacionais

O transporte de produtos químicos precisa mudar. A necessidade de transformação fica evidente quando se observa a elevada participação da atividade no preço de venda aos clientes, ponto fundamental considerando a crescente competitividade mundial no setor. Ao mesmo tempo, a atual matriz de transportes privilegia o modal rodoviário, responsável por mais de 60% (estimativas oficiosas) do volume químico produzido no Brasil, cujos operadores registram redução drástica dos preços pagos pelos fretes nos últimos cinco anos.
Transportadores rodoviários apontam o fechamento de várias empresas concorrentes, além da adoção cada vez mais freqüente da estratégia de atender a outros setores industriais, de modo a usar melhor a frota e reduzir a dependência em um único contratante e suas sazonalidades. Os empresários remanescentes dedicados exclusivamente a produtos químicos buscaram o caminho da especialização por segmentos de cargas.
Enquanto os caminhões padecem, as concessões de malhas ferroviárias e a alteração das leis sobre navegação de cabotagem e operações portuárias despontam como alternativas viáveis para escoar produtos, notadamente em grandes distâncias. Esses modais ainda apresentam importantes deficiências, como a inconstância dos embarques e a falta de ramais e depósitos estratégicos ao longo das vias férreas. Há intenção manifesta dos operadores de reduzir ao mínimo esses problemas, a médio e longo prazos. Mesmo assim, os pólos petroquímicos do Nordeste e do Sul já estão usando intensamente modais alternativos. Durante o ano 2000, o embarque de cargas do Pólo Petroquímico de Camaçari-BA por via marítima e ferroviária suplantou o rodoviário. Já a gaúcha Copesul transporta por via marítima quase todo o excedente de olefinas e aromáticos que produz.
A alternativa para conquistar melhores posições caminha no sentido de os transportadores assumirem mais operações e responsabilidades, tornando-se operadores logísticos. “O preço do frete caiu e vai cair ainda mais, porque a indústria química fornece matérias-primas e insumos para seus clientes, que exigem custos cada vez menores”, afirmou o consultor especializado em transportes e logística Nelson Bindi Filho. “O operador logístico precisa identificar todas as necessidades de seus mercados e entendê-las como oportunidades de negócio.”

Para ele, a expressão “logística” está sendo usada indiscriminadamente e, por isso, afastou-se do sentido original de “planejamento, implementação e controle eficiente do fluxo e armazenamento de bens, serviços e informações do ponto de origem ao ponto de consumo”. “Hoje em dia qualquer um que tenha um caminhão e um galpão se diz operador logístico; não é esse o conceito ideal para as necessidades do mercado”, afirmou. Como exemplo, ele citou o transporte de resinas termoplásticas a partir das petroquímicas. O operador logístico poderia contar com armazém adequado, localizado dentro de área geográfica bem delimitada, respondendo pelas entregas na linha just in time para os transformadores. E iria além, assumindo também o armazenamento e entrega de aditivos diversos e outros produtos consumidos pelos transformadores, e ainda levar os artigos transformados por estes para distribuidores ou pontos de venda. “Isso permitiria gerar um fluxo de carga constante e racionalizar a operação, reduzindo custos para todos os envolvidos”, afirmou. A adoção dessa estratégia levaria a trabalhar com menor número de clientes, para os quais seriam oferecidos mais e melhores serviços.
O próprio consultor considera essa situação como avançada demais para o Brasil. “O primeiro passo é o transportador virar agente logístico para as indústrias, regularizando o fluxo de cargas e reduzindo a contratação de fretes avulsos”, disse Bindi.
Atualmente está em curso uma revolução no segmento de encomendas de baixo peso (até 30 kg), no qual concorrem empresas como a empresa Brasileira de Correios (ECT), empresas nacionais especializadas e gigantes internacionais como FedEx e UPS. “Esse mercado representa de US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões por ano no Brasil”, estimou. Na sua opinião, quando esse segmento estiver saturado, as atenções devem se voltar para a logística de cargas industriais. “Isso foi deixado para mais tarde também por causa de problemas estruturais do País, como a péssima conservação das estradas, risco elevado de perdas (por acidentes ou roubo), custo elevado de seguros e ausência de pontos de apoio para reparo mecânico, por exemplo”, informou. Também o preço dos veículos de carga assustou as grandes companhias internacionais. “Ainda há espaço que pode ser ocupado por empresas nacionais de pequeno, médio e grande porte”, comentou.
“O Brasil está em pleno processo de mudança para adotar o conceito de logística terceirizada”, afirmou Francisco Uceda, gerente geral de carga aérea da Schenker do Brasil Transportes Internacionais Ltda. “Já estão no País empresas atuantes nos conceitos mais avançados de logística, ao lado das iniciativas mais retrógradas”, comentou. A Schenker foi fundada na Alemanha em 1872 e estatizada nos anos 30, assumindo as operações postais alemãs, sendo privatizada em 1991 e adquirida pelo grupo Veba/Stinnes. Com a incorporação da sueca BTL AB, em 1999, a empresa tornou-se a maior operadora logística e de transportes da Europa. Faz parte do grupo a Brenntag, uma das maiores distribuidoras de produtos químicos do mundo. A Schenker atua no Brasil desde 1973, mas intensificou atividade desde 1996, concentrando-se nas operações de comércio exterior nos modais aéreo e marítimo.

“Os produtos químicos representam cerca de 10% do nosso faturamento no Brasil”, avaliou Marcello Cabianca, representante de vendas para a área química, na qual pontificam clientes com contratos internacionais de cadeia de suprimentos. Entre eles, a Clariant, Rhodia, Avon, Bik, Merck e até a brasileira Petroquímica União, que usa os hubs (armazéns de trânsito) da Schenker em Roterdã como apoio para exportar resinas de petróleo.
Operações críticas – O transporte de produtos químicos é considerado um ponto crítico pelas indústrias produtoras em todo o mundo. Durante as operações esses materiais, muitas vezes perigosos, ficam muito próximos da população, ganhando grande visibilidade. Além disso, ficam mais sujeitos a acidentes do que se estivessem dentro dos sites produtores, equipados e projetados para tal atividade. Por isso, a exigência do setor químico quanto à qualidade do serviço contratado tende a ser muito rigorosa.
“Os fretes já estão no valor mínimo, não dá mais para baixar sem comprometer a qualidade e a segurança do transporte”, disse Rosa Polesello, chefe do departamento de atendimento ao cliente da Ipiranga Petroquímica (IPQ). “A indústria química precisa trabalhar junto com o transportador para resolver a questão, sem se limitar a negociar o preço do frete.”
No mesmo sentido, César Francisco Garcia, coordenador da comissão de transportes da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), entende que fretes aviltados hoje resultarão em frota inadequada de veículos de transporte para produtos químicos no futuro. “O frete não pode ser extorsivo, mas também não pode ser tão baixo que comprometa a qualidade da operação”, afirmou. A Abiquim lançará nos próximos meses um sistema de avaliação de saúde, segurança, meio ambiente e qualidade dos prestadores de serviços de transporte rodoviário e terminais marítimos, de modo a gerar um banco de dados com as empresas qualificadas, com a finalidade de padronizar exigências do setor e reduzir o custo na seleção de transportadoras. Aliás, essas qualificações constam do programa Atuação Responsável.
Para Garcia, a baixa nos fretes reflete a situação de oferta abundante e demanda reduzida em todos os ramos de atividade, a partir do desenvolvimento dos modais ferroviário, marítimo e de dutos. “Grãos, minérios e combustíveis já estão usando mais essas alternativas, liberando caminhões, fato que gera concorrência predatória capaz de prejudicar a rentabilidade de empresas qualificadas”, comentou Garcia.
No opinião do coordenador, a cadeia de suprimentos da indústria química precisa ser eficiente. Para isso, é preciso firmar parceria com transportadoras ou operadores logísticos, de modo a identificar gargalos ou ineficiências operacionais e propor alternativas. “Trabalhando com poucos, porém bons parceiros, fica mais fácil mapear os problemas, principalmente quando eles estão dentro das fábricas, como as longas esperas para carregar e descarregar”, disse. Os passos futuros contemplam a transferência de serviços adicionais para os parceiros. “Antigamente, os custos logísticos eram irrelevantes quando comparados ao preço dos produtos e às margens de lucro, mas isso mudou e hoje se tornaram pontos vitais para o negócio”, comentou.
O maior e mais exigente embarcador de produtos químicos do Brasil, a Rhodia, contratou 42 mil viagens rodoviárias em 2000, as quais teriam percorrido aproximadamente 14 milhões de km, distância suficiente para dar 350 voltas ao redor da Terra, carregando um milhão de toneladas de itens diversos, produzidos ou consumidos nas várias unidades da companhia na América Latina. Desde os anos 80 a empresa qualifica as transportadoras que lhe prestam serviços, fiscalizando o cumprimento dos requisitos legais vigentes. A partir de 1998, a Rhodia instituiu um processo de medição de desempenho dos transportadores rodoviários, atribuindo-lhes notas para seis quesitos, como pontualidade, reclamações dos clientes e terceiros, qualificação dos motoristas, condição dos veículos, acidentes e cumprimento da programação, permitindo gerar um ranking, cujo primeiro colocado em âmbito anual recebe um prêmio. “No ano passado conseguimos um índice de desempenho de 99,4%, o que significa que a cada 200 viagens temos apenas uma não-conformidade”, explicou o gerente de logística da Rhodia Brasil América Latina, José Eduardo Sartor.
Apesar de exigente, a companhia não é reconhecida no mercado por pagar fretes mais caros. “Somos altamente competitivos em custo de transportes”, admitiu Sartor, apontando a necessidade de enfrentar produtos importados de várias origens. “Nossa experiência atesta que quanto mais a transportadora investe, mais caem seus custos”, afirmou. Para atender a todas as suas unidades produtivas (exceto a RhodiaSter) e à ampla linha de produtos, com graus variados de periculosidade, a companhia conta com 33 transportadoras qualificadas, das quais oito são as mais solicitadas. “O transportador sai ganhando porque o volume transportado é muito grande e, como somos muito exigentes, trabalhar com a Rhodia serve como um atestado de qualidade do serviço”, afirmou.

Quase 99% do volume transportado pela Rhodia segue por rodovias, embora existam operações de cabotagem e ferroviárias já ativas, além de alguns testes-piloto para ampliar o uso desses modais. “Para distâncias maiores a ferrovia pode ganhar espaço, ou mesmo a cabotagem”, disse Sartor. “Se esses modais oferecerem qualidade e preço mais atraentes haverá a migração.” No entanto, para ele, todos os modais terão campo de trabalho, apenas admitindo uma reestruturação na matriz. “O trem e o navio não dispensam o caminhão para os percursos nas pontas inicial e final, porque é raro encontrar clientes com ramais ou cais dentro de suas instalações”, comentou. Apesar da disposição, o gerente de logística ainda entende mais econômica a operação rodoviária, mesmo a longas distâncias.
José Roberto Torres, consultor da área comercial da Hiper Transportes, exemplifica, comparando os custos de levar um contêiner de 40 pés de São Paulo para Buenos Aires. “De navio são US$ 550, que devem acrescidas das pontas rodoviárias, operações de carga e descarga, taxas portuárias, burocráticas e alfandegárias, perfazendo US$ 1.800”, calculou.
“De caminhão, esse contêiner faz a viagem por US$ 2.500, só que em quatro dias, enquanto o navio leva mais de dez dias.” Para ele, as ferrovias estão em fase de desenvolvimento, mas o alvo prioritário delas são as cargas hoje transportadas pela navegação de cabotagem.
Torres também verifica que a cabotagem já está dando sinais de melhoria, a partir dos esforços federais para modernização dos portos, sendo o modal mais indicado para trajetos acima de 2 mil km. “Já existe freqüência semanal de navio de carga de Rio Grande-RS para Manaus-AM, mas ele recomenda verificar antes qual será a perda de tempo nas atracações e as taxas portuárias. Por enquanto, esses modais têm atraído embarques de grãos, minérios e aço, produtos de baixo valor unitário e transportados em alto volume. Operações de granel líquido seriam adequadas para as ferrovias, mas estas deveriam investir em terminais para absorver os produtos no destino. “Com navios, a situação é pior, por demandar grande número de operações intermediárias, como o transporte da fábrica para o porto, onde haverá descarga de caminhão para tanque ou para o navio, depois, no destino, nova descarga para tanque portuário, depois carregamento de caminhões”, disse, lembrando que cada operação representa um custo e um risco de acidente. Além disso, segundo Torres, são poucos os terminais portuários realmente aptos para receber produtos químicos perigosos e, quase sempre, cobram preços muito altos.

Agruras da cabotagem – A navegação costeira seria o modal mais indicado para distâncias muito longas, freqüentes no território nacional. Seria, porque ainda há empecilhos poderosos que inviabilizam essas operações com cargas químicas. Desde o ano passado, o modal está sendo bem aceito na ligação entre Salvador-BA e Santos-SP, mas sobram críticas.
“Devo meus cabelos brancos às tentativas de operar na cabotagem com o sistema roll on-roll off nos anos de 78, 79 e 80”, criticou Paulo de Tarso Martins Gomes, diretor da Ultracargo Logística, empresa que engloba as atividades da Transultra e Tequimar. O fracasso da iniciativa pode ser atribuído à regulamentação deficiente da época, que estabelecia um cartel insuperável na cabotagem.
“A lei mudou recentemente, mas ainda falta negociar a sua aplicação com sindicatos portuários, que são muito fortes”, comentou. Além disso, na época os custos portuários eram exagerados, situação pouco alterada até hoje. “Em Salvador se paga R$ 2 por tonelada, enquanto em Santos são R$ 8/t só para usar o porto. É demais”, afirmou. A Transultra atua como parceira de empresas de navegação, compondo pacotes de fretes para interessados.
Gomes participou do grupo de trabalho da Abiquim para estudar a situação dos portos brasileiros, que apontou custos no Brasil maiores que operações portuárias em Roterdã. Apesar disso, ele gostaria de ver melhorias no modal, tendo em vista a sua adequação para cargas de grande volume e longo percurso. “Sempre há um modal ideal para cada situação de transporte”, explicou. “É preciso estudar cada caso para ver como equacionar o problema”, disse, apontando formas mais eficientes de transportar produtos combinando modais e armazéns intermediários.
As operações multimodais ainda sofrem com entraves legais e burocráticos. “A lei do transporte multimodal surgiu no Ministério da Indústria e Comércio, mas a aduana está nas mãos da Fazenda”, criticou Francsico Uceda, da Schenker do Brasil. Ele aponta a desarmonia de normas entre os vários ministérios, que estabelecem diferentes exigências para a mesma carga. “Com isso, cada porto funciona de um jeito, parece bagunça”, criticou. Além disso, a regulamentação do transporte multimodal, que permitiria que um navio viesse do exterior e percorresse a costa brasileira, descarregando lotes em vários portos para posterior movimentação, porém usando documentação mais simplificada, está travada no Confaz, órgão que reúne os secretários da fazenda dos estados. “Eles ainda não resolveram se o ICMS sobre o serviço de transporte vai ser cobrado na origem ou no destino, e quem se responsabiliza pela carga na perna doméstica”, explicou. As normas locais criaram um documento para funcionar como conhecimento de transporte apenas na etapa costeira do Brasil. “Por que eles não aceitam o conhecimento original, como é feito na maioria dos países do mundo?”, questionou.
A criatividade da burocracia nacional gera a emissão de documentos variados, que tornam as operações de comércio exterior extremamente complexas. “Não é um bicho de sete cabeças, talvez de cinco”, brincou Uceda. “O maior problema é que as empresas brasileiras têm pouca experiência com essas operações.” A título de comparação, o gerente geral cita o exemplo dos Estados Unidos, onde a mesma fatura usada nas vendas dentro do país é usada para exportação, sem a necessidade de emitir outro documento. “O Brasil precisa simplificar seus procedimentos e popularizar os mecanismos de exportação, até para reduzir o déficit comercial”, recomendou.
Nas operações internacionais, a Schenker aproveita o poder de compra junto às empresas mundiais de navegação, conseguindo fretes competitivos. “Os produtos químicos apresentam uma dificuldade adicional por exigirem condições especiais de transporte, estabelecidas em normas internacionais de segurança”, disse Marcello Cabianca. Por isso, cada consulta feita pelos clientes precisa ser estudada meticulosamente. A empresa está desenvolvendo sua política de atuação logística com produtos químicos no Brasil. “Queremos participar da cadeia de suprimentos dos clientes, cuidando do transporte, armazenamento e distribuição”, comentou. Segundo Cabianca, embora altamente rentáveis, os fretes de materiais explosivos militares não são aceitos pela empresa.

Uma das apostas da Schenker é o fortalecimento das importações de fármacos a partir da evolução do consumo de medicamentos genéricos. Como se trata de produtos de alto valor e baixo volume, pode ser viável usar o modal aeronáutico, uma especialidade da empresa, classificada no grau “A” da Iata, tendo realizado 70 mil embarques via aérea em 1999.
Rosa Polesello, da Ipiranga Petroquímica, vê na cabotagem a melhor alternativa para atender clientes muito distantes do Pólo Petroquímico de Triunfo-RS. “Esse modal tornou viável atender um cliente estratégico que temos em Fortaleza-CE, apesar da competição com resinas fabricadas na Bahia”, afirmou.
No entanto, a navegação costeira é uma preocupação constante para a companhia. “Falta comprometimento da empresa de navegação com os clientes”, criticou. Como exemplo, citou o comportamento da América Latina Logística (ALL), operadora ferroviária da malha do Sul do Brasil. “Quando o trem não chega na hora para o carregamento, nós embarcamos as resinas de caminhão e a ferrovia paga o frete”, disse a chefe do departamento de atendimento ao cliente. Já nos navios, os atrasos e os problemas de movimentação de cargas nos portos não são compensados.
Apesar da preocupação, o uso da cabotagem permite transportar resinas do Sul para Fortaleza a custo 29% abaixo do frete rodoviário entre Salvador e a capital cearense. “Talvez seja preciso ter um armazém para estocar resinas no destino, de modo a absorver as falhas operacionais do modal, mas isso implica carregar custos”, avaliou. Ela ponderou que a IPQ poderia atender clientes em outros portos, como Santos, Rio de Janeiro e capitais do Norte e Nordeste, de forma econômica, fosse mais eficiente e confiável a cabotagem. “Não vale a pena ganhar 29% e perder o cliente por falta de qualidade na entrega”, disse.

Ferrovia sai das trevas – Embora ainda estejam longe da condição ideal apara atrair mais clientes de cargas químicas, as ferrovias brasileiras pós-privatização (na verdade, contratos de concessão com duração de vinte anos) já conquistaram adeptos e devem manter o ritmo de crescimento de negócios nos próximos anos. “Alguns investimentos precisam ser feitos, a começar pela recuperação das linhas férreas, que ficaram abandonadas por muitos anos”, comentou Paulo de Tarso Martins Gomes, da Ultracargo Logística. A estrutura precária limita a velocidade das composições e a sua capacidade de carga. “As pontes mais velhas podem não suportar o peso”, comentou. A situação já foi pior. “Pelos menos hoje os vagões contam com localizadores do tipo GPS e não desaparecem mais, como acontecia no passado”, comentou.
A Ultracargo estudou a viabilidade de operar mais com as ferrovias, a despeito dessas limitações, mas encontrou outro obstáculo: “Faltam armazéns e terminais adequados nas pontas, de modo a regularizar as cargas e racionalizar as transferências para caminhões”, comentou, mencionando que o mesmo se dá quanto à cabotagem.
Consultada por um cliente para receber resina termoplástica por trem, a Ultracargo só conseguiu tornar viável a operação construindo unidade de estocagem com silos modernos em Paulínia-SP, situada ao lado de ramal ferroviário. Os silos enchem carretas graneleiras especiais, dotadas de um pistão que as inclina, de modo a gerar uma pressão interna e auxiliar a descarga nas instalações dos clientes. O problema é a falta de vagões para granéis sólidos desse tipo, que obriga a introduzir operações contraditórias de enchimento de sacos, para depois “granelizar” o produto nos silos. O cliente da Ultracargo envia as resinas em contêineres especiais, os sea-bulks. “Os grandes clientes preferem receber resinas a granel ou em big bags”, comentou.
Nas cargas líquidas, a empresa também opera terminal para receber em Paulínia o paraxileno obtido em Camaçari, zelando pela sua entrega regular ao comprador. “Os contratos com a ferrovia são feitos em forma de parceria, em que nos cabe a armazenagem para determinados clientes e não a contratação do frete”, comentou Gomes. A explicação reside na confusa estrutura tributária nacional. Se a Ultracargo contratasse o frete e o embarcasse em vagões da ferrovia, a tributação incidente seria maior do que no esquema atual. Quanto menor o número de transferências, menor o imposto.
Entre os avanços havidos na concessão, Gomes menciona a adoção do sistema de track rights, pelo qual as locomotivas (elementos de tração) de uma operadora podem usar os trilhos de outra, bastando pagar uma taxa. “É melhor que fazer a troca de máquinas, como era feito no tempo do monopólio da tração, resultando em perda de tempo”, afirmou. No Estado de São Paulo, a operadora é a Ferroban, mas quem oferece apoio técnico e leva as composições que saem de Camaçari para Paulínia é a Ferrovia Centro Atlântico (FCA). “Temos projetos para usar mais as malhas ferroviárias do Brasil, mas dependemos da construção de ramais privativos nos clientes e da disponibilidade de armazéns”, explicou.
Além dos problemas operacionais, Gomes aponta a exigência das ferrovias em fechar contratos firmes de carga, do tipo take or pay (o contratante paga pelo transporte, mesmo que não o use), como fator limitante. A explicação reside na sazonalidade das vendas dos produtos petroquímicos, mais concentrada no segundo semestre de cada ano.
Atuante nos três pólos petroquímicos brasileiros, a Ultracargo obtém 70% de seu faturamento no setor, sendo os 30% restantes ligados à gasolina e combustíveis diversos. Esse segmento sofre com a concorrência das dutovias da Petrobrás, modal que poderia ser ainda mais usado. “O uso dos dutos ainda é muito caro, estipulado em 70% do preço do modal concorrente”, disse Gomes, ressaltando a intenção da Agência Nacional do Petróleo de estabelecer nova regulamentação para a atividade.
Rosa Polesello, da IPQ, discorda de Gomes quanto aos contratos firmes com as ferrovias, entendendo a prática como necessária para tornar viável o investimento ferroviário. “Trabalhamos com uma programação mensal de carga para a ferrovia e temos uma data-limite para alterar o pedido”, explicou. “Depois dessa data, os vagões estarão disponíveis, havendo produto para transportar ou não, e o frete é devido.” Mas a ferrovia oferece a contrapartida. No caso de o trem não aparecer para buscar a mercadoria, a IPQ pode embarcá-la por caminhão e cobrar da ferrovia.
Apesar da defesa, Rosa reserva algumas críticas para a operação, sob os cuidados da ALL. “Falta investir mais na recuperação da malha e também na renovação dos vagões”, afirmou. A partir de 1º de março a ferrovia se comprometeu a só mandar para a IPQ vagões do tipo GTS, com tampa baixa, permitindo carregamento por cima. Vagões fechados precisam ser carregados com sacos convencionais, carregado com paletes, mas que exigem estiva para encher espaços vazios com sacos soltos. O carregamento pelo topo permite fazer a carga só com equipamentos. “Se usássemos apenas sacos soltos seria possível levar mais resina por viagem, mas o custo da estiva não compensa a diferença”, explicou. Cada vagão leva o equivalente a uma carreta rodoviária com carga paletizada (24 t) e mais duas toneladas de big bags na parte superior.
Na qualidade de maior embarcador químico do Brasil, a Rhodia usa pouco as ferrovias para escoar seus produtos e receber insumos. “Falta confiança na operação, a malha de trilhos é precária e vai demorar para consertar”, afirmou José Eduardo Sartor. Atualmente, a empresa está usando a ALL para entregar sílica precipitada para clientes na região Sul. A carga sai de Paulínia acondicionada em road raillers, equipamentos que são transferidos do caminhão para vagões-plataforma, sem a necessidade de manipular o conteúdo. “A ALL construiu um terminal de carga em Tatuí-SP que está funcionando bem, alimentando a linha que vai para o Sul do Brasil e até para a Argentina”, explicou.

Ponto crítico considerado por Sartor é a falta de qualificação das ferrovias para transportar produtos perigosos, embora já o esteja fazendo. “Por enquanto só transportamos a sílica, produto absolutamente seguro, incapaz de produzir dano ambiental”, afirmou. Para ele, a probabilidade de acidentes na ferrovia é muito menor que no transporte rodoviário, mas a gravidade de um evento desses é ampliada na ferrovia pelo volume transportado. “Vai ser preciso instituir um processo de qualificação, como temos para os transportadores rodoviários”, afirmou. Sartor mencionou que a RhodiaSter, empresa operada de forma independente da Rhodia, substituiu a cabotagem com perna rodoviária de Santos para Paulínia pela ligação ferroviária entre Camaçari-BA e Paulínia, com apoio logístico da Ultracargo, para o transporte de paraxileno.
Walter Lopes de Almeida, diretor da Tquim Transportes Químicos Especializados, reconhece que o uso de trens está crescendo na carga química, mas entende ser necessário investir mais no modal. “Por enquanto, as ferrovias estão atuando mais com cargas típicas, como grãos e minérios, até para consolidar a atividade”, comentou. “Depois elas vão atacar para valer o setor químico.” Para ele, a ligação ferroviária Camaçari-Paulínia é motivo de comemoração, pelo problema operacional que representa para a companhia.
“Só fazemos viagens para lá quando o cliente exige”, comentou, explicando a situação pela falta de carga química compatível para o retorno, a duração muito longa da viagem e a baixa remuneração.
Almeida acredita na evolução do sistema intermodal trem/caminhão, que ainda não é mais usado pela falta de armazéns. “Quem vai investir nisso, a ferrovia ou os embarcadores, ou as transportadoras?”, indagou. Para ele, o Brasil desaprendeu a usar o trem, depois de quase cinqüenta anos de prioridade concedida para as rodovias. A possibilidade de compor pacotes de frete com as ferrovias é descartada pelo diretor. “Elas oferecem fretes baixos demais para as pernas rodoviárias, nem sempre compensa”, explicou.

Frete em baixa – As exigências de qualidade e segurança feitas pelo setor químico são consideradas positivas pelo presidente da Associação Brasileira de Transportadores de Cargas Líquidas e Produtos Perigosos (ABTLP), José Tardivo, pois estimulam os empresários do setor a empreender esforços de melhoria, além de impedir a entrada de aventureiros no negócio e exigir planejamento por parte dos empresários, inclusive para renovação da frota.
“Antes do Plano Real todas as empresas tinham muita receita não-operacional no overnight e no open market e isso encobria as ineficiências operacionais”, afirmou. “Hoje as transportadoras precisam operar bem para dar lucro, o que só se consegue com um bom planejamento.” Tardivo cita como exemplo o percurso São Paulo a Camaçari, com retorno à origem, perfazendo 4 mil km rodados. “Uma carreta tem 18 pneus, portanto terá rodado 78 mil km na viagem, o que equivale à primeira vida de um pneu, ou seja aproximadamente R$ 600”, calculou. “Em 18 viagens dessas acabam-se os pneus, mas nem sempre o frete prevê a reposição e os juros para financiar a troca são muito caros.” O ideal, para ele, seria negociar fretes com os contratadores tendo por base planilhas de custos, em vez da oferta/demanda de caminhões.
Como fato positivo, ele mencionou o aumento do volume de carga química nos últimos anos, permitindo o melhor aproveitamento dos veículos, além de reduzir as variações sazonais de oferta de fretes. Apesar disso, os valores de frete pagos pelo setor são classificados como baixos para o diretor. “Não há como agregar valor ao serviço, só há alternativas para baixar custos e esforços para especialização por ramos de atividade”, comentou.
Almeida, diretor da Tquim, aponta para o crescimento dos custos. “Só em 2000, o óleo diesel subiu quase 30%, sem falar nos pneus”, comentou. Nas suas contas, o valor dos fretes deveria ser aumentado de 20% a 25% em relação aos preços atuais, condição pouco provável em face das características de mercado. “Atualmente, os dias parados constituem a diferença entre ganhar e perder dinheiro”, disse. Nessa ótica, as filas para carga e descarga nas empresas são piores que o valor baixo dos fretes, situação piorada pelas restrições de horário de circulação e operação. “Em alguns casos, a tancagem do cliente é pequena e o caminhão é descarregado em tambores, acarretando enorme tempo parado”, criticou. O hábito criado no tempo da inflação alta, de concentrar compras no final do mês, gera concentração de entregas, que poderiam ser melhor distribuídas no período.
A estratégia da Tquim para oferecer serviço de qualidade com o valor atual dos fretes é diluir o custo fixo da frota com o uso ao máximo dos veículos e equipamentos. “Por isso trabalhamos com os embarcadores mais exigentes, que oferecem os maiores volumes de carga, embora os valores negociados não sejam os melhores”, explicou. A atuação restrita às cargas químicas ainda é viável, segundo Almeida, com vantagem para os granéis líquidos. “Carga seca tem pouca fiscalização e acaba sendo mais disputada, inclusive por empresas de baixa qualificação, cortando o valor do frete e aumentando o risco de acidentes”, disse.
Consciente do quanto representa a hora parada para os transportadores e interessada, por razões de segurança, em reduzir o número de caminhões dentro de suas instalações, a Rhodia implantou há três anos o programa Primavera. Trata-se de um software que elabora uma programação de carga e descarga de granéis líquidos nas instalações da empresa, a partir das solicitações dos departamentos de compras e de vendas. “As transportadoras são informadas até às 17 horas do dia anterior sobre o número de caminhões que serão necessários para as operações do dia seguinte, com a indicação dos horários de apresentação”, explicou Sartor. Os caminhões programados não podem chegar mais de 30 minutos antes e nem mais de 15 minutos depois do previsto, sob pena de, em vez de iniciar imediatamente a operação, serem colocados no final da fila de espera. Além da perda de tempo, a nota de avaliação da transportadora é diminuída. Segundo Sartor, as vendas da Rhodia são feitas em regime CIF, incluindo frete e seguro, sendo apenas 5% das operações contratadas diretamente pelos clientes. “Os caminhões enviados por eles só são autorizados a entrar na base se atenderem aos requisitos de segurança da companhia”, explicou.
Outra frente de atuação da Tquim consiste em oferecer serviço de armazenagem de produtos para os clientes, garantindo entregas conforme a necessidade do cliente. “Temos capacidade para armazenar sólidos e líquidos com alta qualidade e segurança, nas nossas instalações e nas da Cosmoquímica, em Barueri-SP”, informou. Aliás a Tquim nasceu como divisão dessa distribuidora de produtos químicos, que investiu há alguns anos na construção de moderna tancagem. “Já temos clientes que não têm mais estoques nas fábricas”, comentou, ao mencionar que esse tipo de serviço logístico é prestado desde 1997. Outro serviço oferecido aos clientes é realizar as operações de carga e descarga de líquidos, executadas diretamente pelos motoristas que recebem treinamento específico para conduzi-las. A empresa é certificada na norma ISO 9002.
Além das dificuldades operacionais, Almeida cita um problema crescente para o setor: o roubo de cargas e de veículos. “Isso eleva muito nossos custos de seguro e também operacionais, porque precisamos contratar serviços de rastreamento e até carros de escolta”, disse. As resinas termoplásticas são citadas como alvo preferencial dos bandidos, em especial os polietilenos, pois são vendidos com grande facilidade, mesmo sem nota fiscal. Entre Camaçari e São Paulo, por exemplo, há vários pontos de checagem onde os motoristas precisam informar posição, enquanto na Grande São Paulo, essas cargas só trafegam com escolta armada.
Uma alternativa citada pelo diretor para coibir o roubo de cargas seria abandonar o transporte de resinas ensacadas, dando preferência para big bags ou carretas graneleiras. O problema consiste no fato de as resinas transportadas na rota citada constituírem frete de retorno de muitos veículos de carga, aos quais a sacaria se adapta melhor. Além disso, ele mesmo reconhece que o raio máximo de ação viável para os graneleiros vai até 300 km.
Atualmente, a Tquim investe na parceria com autônomos, oferecendo a eles todo o treinamento necessário para trabalhar no mesmo nível qualitativo da empresa. “Hoje 65% dos veículos de tração são de terceiros, mas os tanques são todos nossos”, explicou Almeida. Na sua opinião, os contratados administram melhor seus custos, em especial desgaste de pneus e consumo de combustível, mas exige controle de qualidade rigoroso. “Nós até financiamos a renovação dos seus veículos”, disse. “Eles são nossos parceiros.”
Na média, os custos medidos pela Tquim em frota própria revelam o peso dos custos fixos. No caso dos conjuntos (cavalo+carreta), 59% dos gastos se referem a custos fixos, como amortização de equipamentos (26%), mão-de-obra (20%) e diversos (13%, incluindo seguros, licenciamento, cursos etc.), contra 49% dos variáveis, como lubrificantes, combustível, manutenção, pneus e peças. Já nos caminhões (trucks), os custos variáveis representam apenas 35% do total, sendo os custos fixos de mão-de-obra mais elevados, chegando a 26%, próximos à amortização de investimentos (25%), sendo os 14% restantes atribuídos a itens diversos.
O consultor da Hiper Transportes, José Roberto Torres, identifica pressões semelhantes de elevação de custos e de redução dos valores dos fretes. A transportadora prefere atuar por meio de contratos anuais junto a clientes que tenham cargas mais complexas e exigências rígidas, especialmente no campo ambiental. “Os negócios avulsos praticamente morreram”, afirmou. Além disso, a Hiper está diversificando os ramos atendidos, sempre buscando nichos especializados, como cargas aéreas e cargas perigosas fracionadas via marítima (dentro de contêineres). “Nós não somos despachantes aduaneiros, mas atuamos como prepostos dos clientes, portanto podemos cuidar da parte burocrática para eles”, explicou Torres. A Hiper opera nos sistemas Mantra e Siscomex, interligando-se à Receita Federal, o que lhe permite iniciar os procedimentos de trânsito de mercadorias em comércio exterior, levando as mercadorias da área primária para a secundária no processo de importação. Nas exportações, pode levar mercadorias para as estações aduaneiras, dando início de trânsito.
Operação importante para a empresa reside no transporte de derivados fenólicos importados, que exigem elevada especialização. “Temos instalação para recolher os resíduos das carretas e descontaminá-las, tudo com as devidas licenças ambientais”, informou. Os resíduos fenólicos captados são enviados para incineração. Produtos de difícil operação, como esse, exigem estudo cauteloso de transporte. “Não há na região Norte e Nordeste, exceto em Camaçari, instalações para descontaminar adequadamente um tanque com produtos químicos dentro dos rigores das leis ambientais”, comentou. “Mas temos enfrentado concorrentes sem nenhuma qualificação, que aceitam qualquer valor de frete”, criticou. “Existem até operadores logísticos virtuais, que poderiam ser, quando muito, agentes de transporte, operando pela Internet e depois repassando o contrato para transportadores, oferecendo remuneração irrisória.” Para ele, as exigências legais sobre o transporte de produtos químicos deveriam ser ainda mais rígidas, inclusive estabelecendo capital mínimo da transportadora e a aplicação de equipamentos adequados para realizar as operações.
Operando com frota própria de 80 cavalos mecânicos e equipamentos variados, capazes até de receber contêineres especiais, que exigem suportes rebaixados para minimizar o risco de tombamento, a Hiper conta com instalações igualmente próprias em Guarulhos-SP, Santos-SP (onde pode entamborar produtos) e no Rio de Janeiro. Todas as operações estão cobertas por seguro total, inclusive contra responsabilidade civil por danos ambientais. Entre as rotas operadas está a Argentina, contando com os acessórios adequados às normas daquele país.
Na opinião de Torres, a indústria química mudou o perfil de necessidade de transporte após a abertura comercial de 1990. Hoje é freqüente a importação de produtos em isotanques, minitêineres ou outras formas. “Esses materiais vão para armazéns alfandegados e, depois de liberados, precisam de transporte especializado”, comentou. Além disso, ele criticou a qualidade dos armazéns alfandegados para cargas químicas, embora seu custo seja elevado.
Na opinião do consultor Nelson Bindi Filho, muitas transportadoras ainda falham no planejamento interno de atividades. “Em geral, essas empresas possuem departamentos de manutenção e de operação que não conversam entre si, são até antagônicos”, explicou. O ideal é conjugar as atividades, de modo a contar com manutenção excelente aliada à ocupação máxima da frota. “O planejamento integrado precisa envolver também o treinamento dos motoristas, prevendo os dias nos quais eles precisam parar para reciclagem e atualização de conhecimentos, hoje uma necessidade para quem opera com cargas químicas”, informou.
No campo da segurança, o consultor recomenda investir em infra-estrutura de apoio nas principais rotas de tráfego, dividindo percursos em trechos com pontos de checagem pré-establecidos. “Dessa forma é possível atuar com rapidez no controle de emergências, como acidentes, e também prestar socorro mecânico de qualidade, uma das deficiências das estradas brasileiras”, disse.
Abiquim padroniza processo de seleção
Aguarda definição de data para lançamento o Sistema de Avaliação em Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Qualidade em Prestadores de Serviços de Logística (Sassmaq), nos módulos de transporte rodoviário e terminal marítimo, elaborados pela comissão de transportes da Abiquim. O trabalho reflete o esforço da associação para prestar serviços a seus membros e também complementar atividades previstas no programa de Atuação Responsável, sob a rubrica de Código de Transporte e Distribuição.
“As empresas precisam qualificar cuidadosamente as transportadoras para reduzir riscos e tornar mínimos os efeitos em caso de acidente”, afirmou o coordenador da comissão César Francisco Garcia. Cada empresa química, em geral as de grande porte, possui padrões próprios de seleção e avaliação de prestadores de serviços. No entanto existe um núcleo comum de dados que pode e deve ser compartilhado, a fim de agilizar os procedimentos seletivos e reduzir custos, tanto para a indústria química, quanto para as transportadoras, que ficariam dispensadas de apresentar a cada cliente os mesmos relatórios básicos. “O sistema não elimina os padrões específicos de segurança de cada empresa ou produto, mas permitirá gerar uma base de dados geral, além de homogeneizar os procedimentos de avaliação”, explicou.
A Abiquim cotejou vários sistemas internacionais e adotou como modelo de partida o elaborado pelo Conselho Europeu da Indústria Química (Céfic), adaptando-o às condições brasileiras. Em linhas gerais, o sistema foi dividido em módulos, sendo o primeiro voltado para o transporte rodoviário, o mais usado no País. Esse módulo constitui-se de dois questionários de preenchimento obrigatório, o primeiro versando sobre aspectos gerenciais da empresa de transportes, e o segundo sobre as operações rodoviárias propriamente ditas. “São mais de 500 perguntas com respostas padronizadas”, comentou Mirtes Suda, assessora técnica da Abiquim, participante do projeto.
As perguntas compreendem itens mandatórios que, se não atendidos, bloqueiam o andamento do processo, impedindo a inclusão da transportadora no banco de dados até auditoria futura, realizada com intervalo mínimo de seis meses; indicações gerais da indústria, compreendendo aspectos geralmente adotados pelas companhias brasileiras; e os itens desejáveis pelo setor.
Uma vez lançado o programa, as transportadoras interessadas em participar devem solicitar avaliação no Sassmaq. A entidade indicará entidades certificadoras já preparadas pela própria Abiquim para aplicar os questionários e verificar in loco a coerência com a realidade da empresa solicitante. Esse serviço será remunerado diretamente à certificadora escolhida, sem intervenção da Abiquim. Concluído o procedimento e, portanto, satisfeitos os itens mandatórios, a transportadora recebe o questionário auditado, enquanto à Abiquim é enviado o certificado de conclusão do trabalho. “Com isso, o nome da empresa fará parte de um banco de dados, aberto aos associados”, disse Garcia. Caso algum deles precise contratar uma transportadora, pode consultar os nomes no catálogo e solicitar às empresas escolhidas o envio do questionário, verificando se atendem às suas necessidades básicas, para depois verificar as exigências específicas.
Garcia acredita que mesmo as empresas de maior porte do setor usarão o sistema, porque os questionários de avaliação são até mais abrangentes que os procedimentos existentes. Já as empresas de pequeno e médio porte, para as quais o custo de manter sistemas próprios de auditoria é impeditivo, aparentemente têm mais a ganhar com o Sassmaq. “Quem atua com produtos de alto risco vai continuar exigindo mais dados, mas quem está no médio ou baixo riscos podem até dispensar providências adicionais”, afirmou. Ele salientou que o sistema não prevê a inclusão de transportadores autônomos independentes, mas apenas os vinculados a transportadoras.
Garcia informou que o sistema já passou por testes-piloto com a participação de duas transportadoras (Gafor e Luft), duas certificadoras (SGS e BVQi) e de técnicos da Abiquim. Isso permitiu ajustar os questionários e acertar os procedimentos.
Outro módulo do Sassmaq em desenvolvimento é de terminais marítimos. “Nesse caso, nós adotamos integralmente o modelo do Chemical Distribution Institute (CDI), ligado ao Céfic”, explicou o coordenador. As auditorias serão feitas por inspetores acreditados pelo CDI, dispensando a figura dos certificadores. Os relatórios de inspeção somente serão divulgados com anuência do terminal auditado e o banco de dados gerado será disponível apenas para os afiliados do CDI. (MF)
Lei exigente tira acidente da estrada
Nem o aspecto de superfície lunar das rodovias, nem a proliferação dos pedágios, nem os já rotineiros assaltos são suficientes para tirar do modal rodoviário a preferência do setor químico e petroquímico. Com isso, transitam pelas grandes cidades brasileiras grande número de veículos de carga contendo produtos, muitas vezes perigosos, criando situação de risco evidente, que exigiu a criação de leis e regulamentos rígidos para a atividade, além de normas municipais de restrição de vias e de horários para a circulação dessas mercadorias.
“O controle de horários e percursos de produtos perigosos nas cidades é válido, mas não pode ser tão restritivo a ponto de inviabilizar a atividade”, comentou José Tardivo, presidente da Associação Brasileira de Transportadores de Cargas Líquidas e Produtos Perigosos (ABTLP). Na capital paulista, por exemplo, a Cia. de Engenharia de Tráfego (CET) e a Secretaria Municipal de Transportes (SMT) exigem o cadastramento de transportadoras localizadas dentro de um raio de 100 km a partir do centro da cidade, apresentando toda a frota e os planos de emergência específicos para cada produto transportado. “Eles cobram uma taxa para cadastrar as frotas, mas a consideramos indevida porque não há prestação de serviço correspondente”, criticou Tardivo.
Na opinião do dirigente, a legislação brasileira sobre cargas perigosas é excelente e está sendo observada, fato comprovável pela verificação da queda no índice de acidentes. “Há dois anos não acontece acidente com vítima fatal envolvendo veículo com carga perigosa no sistema Anchieta/Imigrantes”, comemorou Tardivo. Trata-se da principal ligação com a Baixada Santista e com o principal porto do País, com elevado volume de tráfego.
Esse indicador deve ser atribuído principalmente aos esforços da Comissão de Estudos para Prevenção de Acidentes com Produtos Perigosos, criada pela Secretaria Estadual de Transportes, atualmente presidida por Tardivo, que envolve a ABTLP, Polícia Rodoviária, Defesa Civil, Cetesb e outros órgãos. “A grande maioria dos acidentes estudados pode ser atribuída ao elemento humano, o que justifica a necessidade de investimentos no treinamento e conscientização dos motoristas”, afirmou. Cada acidente com carga perigosa é investigado pela comissão, que convoca embarcadores, transportadores e compradores para discutir as causas, explicá-las e “levar uma bronca das autoridades”, com propósito educativo. “Não adianta chamar o motorista para a reunião porque ele acaba assumindo toda a culpa sozinho, quando os outros envolvidos têm sua parcela de responsabilidade”, disse Tardivo. O sucesso da comissão, que infelizmente não atua na cidade de São Paulo, pode ser verificado pelo fato de só ter havido um caso de reincidência em acidentes nos cinco anos de atuação.
Embora seja notória a necessidade de aprimorar o treinamento de motoristas, Tardivo aponta para a importância de ampliar o procedimento, qualificando também os profissionais com cargo de nível gerencial nas áreas envolvidas com transportes. “Como os gerentes não estão qualificados, eles acabam dando ordens erradas para os motoristas, impotentes para recusá-las”, criticou. A associação pleiteia junto ao governo federal a concessão de uma verba, ínfima porcentagem sobre os US$ 500 milhões recebidos do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a recuperação de rodovias, para criar esse curso, já estruturado pelo Sest/Senat.
Além da falta de treinamento específico para gerentes, Tardivo cita o descaso do Poder Legislativo quanto à regulamentação de produtos perigosos, criada a partir da morte de trabalhadores que descarregaram um caminhão cheio do pó-da-China (pentaclorofenato de sódio) em 1983. “A origem dessa lei foi um congresso do IBP em 1976, que mostrou a inexistência de norma oficial sobre cargas perigosas no Brasil”, rememorou Paulo de Tarso Martins Gomes, diretor da Ultracargo, presente àquela reunião. Dela foi criado o comitê para movimentação de produtos especiais (Mope), que editou 18 manuais. Em seguida foram formadas comissões de estudos para cada modal, tendo sido instalada em primeiro lugar a rodoviária.
“Foi nessa altura que ocorreu o caso do pó-da-China, e o Ministro dos Transportes para dar uma satisfação à sociedade propôs uma lei [7.029] e a regulamentou a toque de caixa, com vários erros”, comentou Gomes. Tendo participado ativamente dos grupos de análise da norma, ele contribuiu, ao lado de outros especialistas, para a reforma do decreto regulamentador dessa lei, concluída em 1988, sob o número 99.044. “Em 1996 houve uma revisão normativa para harmonização legal dos países do Mercosul, mas mais de 90% da regulamentação adotada foi a brasileira, que era a mais adiantada nisso”, explicou. A parte revisada cobre transporte terrestre, incluindo orientações válidas também para as ferrovias. Gomes também salienta a lei de crimes ambientais (9.605), que prevê penas severas para casos de poluição química. Atualmente, o diretor participa da comissão que estuda a regulamentação da chamada Lei do Óleo (e de Produtos Nocivos ao Meio Ambiente), criada pela consolidação de 17 projetos de lei sobre o tema, que tramitou com celeridade depois de a Petrobrás ter inundado de petróleo a Baía da Guanabara. “Acho mais interessante oferecer subsídios técnicos na elaboração das normas do que me omitir e apenas criticá-las quando publicadas”, afirmou.
Apesar de evolução quanto à produção normativa, Tardivo aponta fatos que atestam a pouca importância dada pelos legisladores ao tema. “A lei das cargas perigosos de 1983 previa cursos para a formação e qualificação de motoristas, mas isso só foi regulamentado em 1985, embora seja esse o fator que mais acidentes causa”, criticou.
Além disso, até 1998 não era prevista em norma a necessidade desses motoristas passarem por cursos periódicos de reciclagem. “Até o novo Código de Trânsito falhou, pois não previa cursos de reciclagem e ainda admitia o treinamento de motoristas à distância, feito por videocassete”, comentou. Segundo ele, as entidades envolvidas com a atividade protestaram veementemente, e a reciclagem voltará a ser exigida, porém só depois de 2005, enquanto o treinamento por vídeo foi suspenso. Tardivo defende a reciclagem, até mesmo no retorno das férias dos profissionais, apesar de elogiar os cursos de formação de 40 horas ministrados pelo Sest/Senat. “O curso é bem elaborado, mas é difícil mudar hábitos e costumes das pessoas”, afirmou.
Frente à situação, Tardivo ressalta e elogia o esforço de programas de entidades como a Abiquim, com o Atuação Responsável, a Associquim, com Distribuição Responsável, e iniciativas isoladas de transportadoras e embarcadores em manter treinamento constante de seus funcionários e contratados. “Um empresário do setor me disse que investiu US$ 200 mil em treinamento e, com isso, evitou despesas de US$ 1 milhão em reparação de danos”, afirmou.
Interessante é a tendência de aumentar o comprometimento dos motoristas com a segurança da atividade, instituindo rotogramas. “São mapas do percurso, nos quais os motoristas anotam quais os pontos críticos, como trechos em obras ou de ocorrência de neblina, e sugerem as velocidades admissíveis em cada trecho”, explicou Tardivo.
Esporadicamente surgem normas específicas que complicam a vida dos transportadores, sem apresentar vantagens equivalentes para a sociedade. Tardivo comandou a luta contra a imposição de películas refletivas em várias partes dos caminhões, tendo conseguido suspender ou tornar opcional sua aposição. “Não somos contra a aplicação de refletivos, que tornam visíveis os caminhões mesmo nos casos de pane elétrica total, contribuindo para reduzir os acidentes”, explicou. “Somos contra imposições descabidas, que foram criadas para favorecer um único fornecedor, além da exigência de adoção em toda a frota nacional de modo imediato, quando mesmo nos Estados Unidos isso foi feito paulatinamente.” (MF)
Pólo de triunfo desafoga rodovia
O Pólo Petroquímico de Triunfo-RS, considerado o mais moderno do País, desenvolve alternativas para escoar seus produtos por modais diferentes do rodoviário, embora este ainda represente a fatia mais significativa dessas operações. Amparadas pela situação geográfica peculiar, que facilita tanto a navegação como o escoamento por ferrovia, as empresas do pólo elaboram modernas alternativas logísticas, acompanhando as necessidades de seus clientes.
“Um estudo feito durante a ampliação do pólo revelou que, mantida a antiga matriz de transporte, seria colocado um caminhão a cada dois minutos na rodovia Tabaí-Canoas para escoar produtos petroquímicos”, comentou Rosa Polesello, chefe de departamento de atendimento ao cliente da Ipiranga Petroquímica (IPQ). Mesmo duplicada, a rodovia não suportaria tamanho fluxo de veículos sem aumentar o tempo de percurso e multiplicar o risco de acidentes. Em 2000, a empresa enviou pelo modal rodoviário 70% de seus produtos, 25% por ferrovias e 5% por navios, tendo sido verificado significativo crescimentos dos dois últimos. “Eles só não crescem mais rápido pela falta de definição de quem será o operador logístico para integrar os modais”, comentou. Entre ferrovias, transportadoras e agentes marítimos, ela não identifica nenhum deles como capacitado para desempenhar a função. Ao mesmo tempo, os preços dos fretes rodoviários foram reduzidos, mantendo a competitividade. “As empresas de transportes não enxergam o serviço todo, como entrega, pós-venda, monitoramento; elas precisam aprender a fazer logística”, recomendou.
A previsão de esgotamento da rodovia e a necessidade de cortar custos para ser competitiva nas regiões Sul e Sudeste, seus principais mercados, fizeram a IPQ investir, já em 1997, na construção de ramal ferroviário cativo, interligando a fábrica à malha da ALL Logística. A ferrovia leva grande quantidade de resinas da IPQ para Araucária-PR, onde a transportadora Delara – uma das quatro que atuam com a empresa em todo o Brasil, selecionadas há cinco anos – construiu um armazém para 4 mil t sobre terreno cedido em comodato pela ALL, dotado de ramal, este construído pela ferrovia. “Temos em Araucária um contrato de cinco anos, suficiente para permitir o retorno dos investimentos”, comentou.
O armazém de Araucária alimenta carretas e caminhões para atender os clientes do Paraná e, principalmente, de todo o Estado de São Paulo. Com o desenvolvimento das operações do terminal de cargas da ALL em Tatuí-SP, é possível rever a estratégia de transporte, ampliando o uso do trem. “Entre Triunfo e Araucária, o frete ferroviário fica 30% mais barato que o rodoviário”, afirmou.
O modal rodoviário é usado para a entrega nos clientes, cada vez mais avessos a manter estoques de resinas. Por ter desenvolvido parceria com transportadoras, a IPQ se vale do modal inclusive para avaliar o grau de satisfação dos clientes com as rotinas de pós-venda da companhia. “Ainda fazemos uma checagem dos relatórios das transportadoras, mas esse é um serviço que pode ser feito por elas”, observou. Atualmente, a entrega com qualidade é um diferencial de mercado, pois os clientes exigem as resinas na quantidade, dia, hora e local combinados, sem falhas.
Para facilitar as operações, a IPQ incentiva seus clientes a adotar os silos, de modo a ampliar as entregas a granel, com a ressalva que o uso dos cinco graneleiros disponíveis só é viável em raio de 300 km de distância. A petroquímica gaúcha foi pioneira na paletização de sacaria, de modo a acelerar as operações de carga e descarga. Também foi incentivadora das entregas em bulks, ainda mais econômicas, Neste ano, a inovação da empresa é a aposição de etiquetas com código de barras em cada palete, contêiner ou carreta que sai de sua fábrica. “O código de barras facilita a movimentação interna de materiais, permite a identificação e caracterização das entregas, acelerando até a emissão de notas fiscais”, informou Rosa. Os clientes podem adotar o sistema, facilitando a recepção de resinas e os procedimentos de gerenciamento de materiais.

A inovação é coerente com os esforços da companhia de evitar tempos parados para os veículos de carga a seu serviço. “Na nossa base, um caminhão leva no máximo 20 minutos para carregar e enlonar o material, permanecendo na área de empresa no máximo por 40 minutos”, disse, escudada por levantamento estatístico. O alto grau de automatização de procedimentos oferece ganhos admiráveis, como a emissão de nota fiscal em apenas um minuto.
O uso da Cabotagem ainda é limitado pela falta de estrutura nos portos e das transportadoras, embora seja muito viável para longas distâncias, como o atendimento a um cliente da IPQ em Fortaleza-CE. A companhia está construindo ramal ferroviário próprio para levar as resinas da fábrica até um ponto situado a apenas 1 km do terminal de Santa Clara, ligação necessária com o Porto de Rio Grande, que opera tanto com a cabotagem, quanto com navegação de longo curso. “Nossas exportações para Europa e África são feitas em regime FOB a partir desse porto”, explicou. O atendimento a clientes no Mercosul pode usar navegação costeira, mas também os outros modais, sempre com vendas CIF. “Como ainda não há um operador logístico confiável, preferimos assumir a responsabilidade pela entrega e garantir a satisfação dos clientes”, comentou. Ela mencionou o aparecimento até de empresas internacionais iniciando atuação no Brasil, mas as classifica como inexperientes nos problemas locais.
Básicos vão de navio – A Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) escolheu o sistema de transporte por rio e mar como base principal de sua logística para o escoamento dos produtos não consumidos dentro do Pólo Petroquímico de Triunfo. No ano passado, a empresa assim exportou 98,5% das 425 mil toneladas excedentes de olefinas, o equivalente a 16% da matéria-prima processada na primeira geração petroquímica gaúcha. A grande parcela de aproximadamente 2,6 milhões de toneladas foi consumida pela segunda geração local, chegando à segunda geração gaúcha pela rede de tubovias instalada em Triunfo.
O ponto de partida da operação de exportação da Copesul é o terminal fluvial de Santa Clara, um miniporto de uso privativo da empresa, cuja construção demandou a criação de um lago artificial nas imediações da planta industrial, e um canal, interligando-o ao Jacuí, rio que deságua no estuário do Guaíba. Este, por sua vez, encontra-se com a Lagoa dos Patos, ganhando acesso ao mar.
A opção pelo transporte hidroviário fez com que a Copesul contratasse três navios de baixo calado (17 pés) denominados chemical tanks, dois por fretamento e um comprado em definitivo. As três embarcações fazem a rota entre o pólo e o terminal da companhia na cidade portuário de Rio Grande. Lá a carga é transferida para embarcações oceânicas de grande porte, que a transportam para os países compradores. Em 2000, 58% das olefinas exportadas pela Copesul foram desembarcadas em portos da América Latina, sendo que 12% tiveram ponto de consumo em solo europeu.
Eventualmente, as pequenas embarcações, que atravessam o estuário do Guaíba e a Lagoa dos Patos até Rio Grande, esticam a rota até o Rio da Prata para a entrega de encomendas em Montevidéu e Buenos Aires, descarregando propeno, eteno ou butadieno.
Diversos fatores influenciaram a opção da Copesul pelo uso praticamente absoluto de embarcações nas operações de exportação. Para Luciana Wolwacz, operadora da área de negócios da companhia – setor que também gerencia a logística – o transporte hidroviário é o modal que apresenta os resultados mais adequados em termos econômicos, de segurança e ambientais. Como os volumes transportados por navios são muito superiores à capacidade das carretas, o número de viagens torna-se menor, minorando os riscos de acidentes no escoamento de cargas. “Um navio carregado representa 120 carretas a menos circulando nas estradas”, explica. “Além disso, transportar produtos petroquímicos por navio é 2,3 vezes mais barato do que por caminhão.”
Toda operação logística da Copesul segue as normas internacionais para transporte de produtos químicos e petroquímicos, relativas à construção das embarcações e às rotinas de navegação, para garantir a segurança da tripulação, das comunidades, do meio ambiente e da carga transportada. Os navios contratados para as operações foram construídos com fundo e costado duplos e estão rigorosamente dentro dos padrões da Internacional Maritime Organization (IMO), agência da Organização das Nações Unidas, responsável pela observação da navegação internacional. Por exigência da Copesul, os contratos com empresas de navegação incorporam rigorosas cláusulas adicionais de segurança, saúde ocupacional e preservação ambiental. Nos dois terminais portuários e no percurso as embarcações são checadas quanto ao atendimento das normas de segurança operacional e de proteção ao meio ambiente.
Ainda assim, a preocupação com a segurança em transporte é constituída nos mínimos detalhes. A Copesul e as demais empresas do pólo mantêm equipes de plantão permanente para atender emergências com cargas petroquímicas, que possam ocorrer no transporte hidroviário. O sistema compreende ações específicas de controle para situações anormais e ao longo do trajeto. Neste caso a Copesul apóia as ações coordenadas pela capitania dos portos e corpo de bombeiros. A empresa realiza estudos capazes de identificar os riscos associados às operações de carga, descarga e transporte, com objetivo de prevenir possíveis acidentes. As equipes de controle dispõem de modernos equipamentos de comunicação, barreiras, contenção de produtos, captador de óleo (tipo skimmer), lanchas adequadas ao controle da poluição hídrica e canhões-monitores para aplicação de água e espuma. Os profissionais recebem treinamento específico periódico, incluindo a realização sistemática de situações simuladas.
Embora a quase totalidade de exportação da Copesul seja movimentada em hidrovias, aproximadamente 1,5% do material viajou em carretas em 2000. São líquidos, como o benzeno e solventes, comercializados no eixo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, ou em países do Mercosul. Para isso, a empresa construiu um terminal rodoviário dentro do pólo petroquímico, onde logística e normas de segurança atuam em sintonia. O local é o único do seu porte na América Latina equipado com uma unidade de captação e recuperação de vapores dos produtos químicos liberados durante a operação de carregamento dos caminhões-tanque.
O sistema reduz em mais de 99% a emissão de hidrocarbonetos na atmosfera, equivalente 300 litros/dia. A aquisição e instalação dos equipamentos dessa tecnologia mobilizou U$ 2 milhões em investimentos próprios da Copesul. Os vapores são recolhidos por uma tubulação conectada ao bocal superior e conduzido à unidade de recuperação, onde são adsorvidos por um sistema de carvão ativado, retornando para o processamento na unidade produtiva. O ar restante é liberado para a atmosfera com menos de 1 ppm de resíduo. No sistema tradicional, o ar é liberado diretamente pelo bocal superior da carreta para a atmosfera, contendo até 15% de hidrocarbonetos.
Além disso, a área de logística começou a estudar a viabilidade econômica do escoamento de gasolina que passou a produzir no ano passado, a partir da nova regulamentação criada pela ANP. A idéia é movimentar a carga no modal ferroviário. No entanto, a ALL ainda não reativou o ramal que atravessa o pólo petroquímico. Por enquanto o combustível viaja para as distribuidoras a bordo de carretas.
Tubovias – Para receber gás, nafta e condensados provenientes de refinarias do País e exterior, usados como matéria-prima em sua planta industrial, a Copesul opera 100% no mar. A rede de dutos tem como ponto de partida as monobóias estacionadas na costa da praia de Tramandaí, litoral Norte do Estado, a aproximadamente 200 km da área de produção industrial da empresa. Ali se descarrega a nafta armazenada nos navios, seguindo por dutos até a central. Há ainda uma tubovia, interligando a Copesul à Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas, afastadas de 50 km. Os dutos também ligam a central ao terminal de Santa Clara. (MF e Fernando de Castro)
Navio e trem batem caminhão na Bahia
Há quatro anos o caminhão deixou de ser o meio de transporte exclusivo e absoluto dos produtos químicos e petroquímicos procedentes da Grande Salvador e destinados ao Sul e Sudeste. Neste ano, pela primeira vez, mais da metade dessa produção deverá ser conduzida por navio ou trem, previsão embasada na crescente participação desses dois modais no volume total: no ano passado, das quase 2 milhões de t produzidas em Camaçari, apenas 55% seguiram de caminhão, 23% de trem e 22% de navio, proclama Paulo Villa, vice-presidente do comitê formado no âmbito da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) para estudar e propor soluções logísticas e redutoras de custos na atividade transportadora.
Limitar o transporte rodoviário de produtos químicos e petroquímicos, metalúrgicos e outros a destinos situados a menos de 600 km e, a partir dessa distância, recorrer, prioritariamente, pela ordem, aos “modais marítimo e ferroviário” é meta logística, confirma Villa. A Fieb parte do princípio de que no mundo globalizado a tarifa ferroviária tende a ser pelo menos um terço mais barata do que a rodoviária, e a marítima, metade da ferroviária. Para a Bahia, que produz principalmente semimanufaturados, produtos sensíveis ao custo relativo do frete por apresentar baixo valor agregado, uma estratégia logística passou a ser essencial depois da liberação do comércio.
A consolidação do sistema intermodal com sua tríplice possibilidade, ressalta Paulo Villa, nos últimos meses está atraindo para a Região Metropolitana de Salvador empresas de logística, que chegam com a proposta de cuidar de tudo: removem a carga da fábrica e a conduzem para suas próprias instalações, onde a preparam para o embarque. Também providenciam paletização, unitização, conteinerização, seguro, escolha do meio de transporte, contratatação de empresas transportadoras, transbordo para porto e aeroporto, etc. As instalações dessas empresas incluem pátios de contêineres, dutos, tancagem e até posto da Receita Federal, Alfândega e outras repartições do Fisco, operando 24 hs. O fabricante da mercadoria passa a tratar apenas com um interlocutor. É a terceirização completa.
A primeira dessas empresas a instalar-se, a Estação Aduaneira Interior (Eadi), já obteve licença das autoridades ambientais para movimentar carga química. A carteira de clientes já inclui Copene, Du Pont, Xerox, Cobafi, Monsanto, Nitrocarbono, Proppet e Engepack, revela o gestor César Meireles. Outras dessas empresas de logística, como se apresentam, estão se instalando, aponta Paulo Villa. “Constituem importante fator de racionalização e redução de custos”, afiança.
Dois acontecimentos respondem pelo fim do monopólio rodoviário: 1) a revolução deflagrada pela Lei 8.630, a chamada lei de modernização dos portos, que possibilitou em Salvador acentuada redução nos custos portuários, via redução de mão-de-obra; 2) a privatização de três malhas da então combalida Rede Ferroviária Federal e a conseqüente formação da Ferrovia Centro Atlântica (FCA), um conjunto de 7.080 quilômetros de linhas em Rio de Janeiro, Minas, Espírito Santo, Goiás, Bahia e Sergipe, cujo controle acionário, mais recentemente, foi transferido para a Cia. Vale do Rio Doce.
Já haveria bem menos caminhão nas estradas, acredita Paulo Villa, se o Porto de Santos-SP tivesse reduzido seus custos e tarifas na mesma proporção que fez o Porto de Salvador. “Uma andorinha só não faz verão, são necessárias duas, e a segunda seria Santos”, diz ele. Prevalece entre os empresários baianos a impressão de que, em Santos, “a gestão política precisa evoluir”. A concorrência desencadeada, pós lei de modernização dos portos, pelos terminais particulares, como o de Sepetiba e o da Cosipa, não é suficiente para enquadrar o Porto de Santos “nos paradigmas da globalização”.
Mesmo se queixando também das tarifas cobradas em Santos, Inge Tittel, a gerente comercial da empresa que representa uma das frotas de cabotagem, a Transroll, assegura que entre 1999 e 2000 os embarques nos navios dessa frota em Salvador aumentaram exatos e redondos 100% – passaram de 17 mil t para 34 mil t. Praticamente todo esse volume procede da Politeno, Trikem, Proppet, OPP, Polibrasil, Nitrocarbono e outras fábricas de resinas. Dez a doze navios de três frotas – Transroll, Aliança e Docenave – se apresentam em Salvador. Uma a duas vezes na semana há um navio zarpando.
Para São Paulo, o custo médio da carga acondicionada em contêineres, incluindo as duas pernadas rodoviárias, está em torno de R$ 90/t, valor que a depender da extensão da pernada entre o Porto de Santos e o destino final pode alcançar R$ 100. “Uma coisa é uma pernada de 70 quilômetros, outra, uma de 300.” Dos R$ 90 da tarifa, apenas R$ 40 a R$ 45 correspondem a parcela que representa exatamente o frete marítimo, explica. Quanto maior o percurso feito a bordo de navio, mais competitivo é o transporte marítimo em relação ao modal rodoviário, porque diminui a participação relativa das duas pernadas rodoviárias. “Para os estados do Sul, a cabotagem já é imbatível, as tarifas são 20% menores”, revela Inge Tittel. Faz parte da logística das empresas de navegação incluir as duas pernadas rodoviárias no serviço e cobrá-las na própria tarifa.
Acredita Inge que o transporte rodoviário ainda conserva elevada participação em Camaçari por causa de uma particularidade regional: a circunstância de o fluxo de mercadorias do Sul/Sudeste para o Nordeste ser acentuadamente mais volumoso do que o do sentido inverso, induzindo os rodoviários a praticar uma espécie de tarifa média, já adaptada ao mercado. Essa tarifa inclui um sobrepreço na subida e um subsídio na descida. Na subida para o Nordeste, a tarifa alcança R$ 100/t ou mais; na descida para o Sudeste fica em R$ 80/t a R$ 85/t. “No retorno, o importante para o caminhoneiro é não voltar vazio, ganhar o suficiente para salvar o diesel e cobrir despesas na estrada.”
Mais recentemente, admite Inge, a cabotagem está tirando partido da crescente atuação das quadrilhas de ladrões de carga que atacam nas estradas. A insegurança nas estradas contrasta com a imagem de segurança que o transporte marítimo transmite. “Quanto menor o percurso rodoviário, menor a probabilidade da carga ser assaltada”, ressalta. O seguro para transportar polietileno e outras resinas estaria sempre aumentando nos últimos dois anos.
A Ferrovia Centro-Atlântico (FCA) informa que no ano passado 400 mil t de carga, a maior parte granéis líquidos produzidos principalmente na Deten (alquibenzeno linear), Ciquine (butanol, isobutanol e octanol), Copene (paraxileno) e Fafen (amônia uréia), seguiram para Paulínia-SP em composições de 24 vagões puxados por três locomotivas diesel-elétricas. A soda cáustica da Dow Química segue para Belo Horizonte. São dois trens partindo diariamente. A amônia, procedente da fábrica da Fafen, de Laranjeiras-SE, ressalta a FCA, segue em vagões à prova de descarrilamentos e outras causas de vazamento em vagões superblindados que pesam tanto quanto transportam: vazios 32 t, cheios, 64 t.
A possibilidade de transportar lotes menores do que a cabotagem é apontada pela FCA como vantagem comparativa. Volumes de 250 t, que correspondem a cinco vagões, quantidade que já justifica escalar uma locomotiva para rebocá-los, são suficientes para viabilizar um embarque. Sobre valor de frete, a FCA alega que não pratica uma tarifa padrão, por isso prefere nada falar. “Cada cliente é um contrato único”.
Se o cliente, a exemplo da Deten, Ciquine, Fafen-BA e Caraíba Metais, for dono de uma estação alcançada por ramal cativo, os embarques podem ser diários. Para ter o seu ramal próprio, a Ciquine investiu R$ 700 mil, dos quais R$ 550 mil foram financiados, em cinco anos, pela própria FCA, com amortizações mensais de R$ 10 mil.
Os 2.862 quilômetros de bitola estreita, e em muitos trechos necessitando de obras, entre Camaçari e Paulínia, que há dois anos eram percorridos em dez a 12 dias (QD n° 378) , agora são percorridos em oito a dez, graças às obras que foram e estão sendo executadas, para melhorar as condições de tráfego. “A meta é chegarmos em seis dias, que corresponderão a uma velocidade comercial de 20 km/h”, revela o gerente regional Romero Justino. Desde o ano passado, R$ 67 milhões foram investidos na rota Camaçari-Paulínia, assegura a FCA.
O presidente da FCA, Thiers Barsotti, informa que até 2004 serão investidos R$ 389 milhões em vias permanentes, material rodante, novas tecnologias e outras realizações, com prioridade para o trajeto Camaçari-Paulínia. Um terminal intermodal para granéis sólidos, com capacidade para 400 mil t/ano, será construído em Camaçari, ainda neste ano; outro, para 200 mil t, no vizinho município de Candeias, também está prestes a iniciar construção para facilitar a distribuição às misturadoras de fertilizantes do cloreto de potássio procedente de Sergipe. Os dois terminais proporcionarão à FCA condições adequadas para transportar granéis secos, atualmente alternativamente carregados principalmente de trem. A FCA quer transportar, até 2005, um milhão de t/ano de produtos metalúrgicos, siderúrgicos, e principalmente químicos e petroquímicos, produzidos na Grande Salvador. (José Valverde)