Transgênicos: Análises detectam alteração em alimentos
O laboratório de análises em tecnologia ambiental Tecam está lançando o serviço de detecção de organismos geneticamente modificados (OGMs) em alimentos e será o primeiro laboratório nacional de capital privado a realizar o teste no país. Até então, somente empresas estrangeiras ou universidades realizavam a análise (ver QD-385, de agosto de 2000).
Fundado por três biólogas formadas pela Universidade de São Paulo, o Tecam iniciou as atividades com foco em testes biológicos. A empresa comemorou dez anos de fundação em junho e aproveitou a festa de aniversário para inaugurar sua nova sede em São Paulo, que abrigará os laboratórios de físico-química, ecotoxicologia, microbiologia e os departamentos administrativo e comercial. A área de cerca de 1.000 m2 também inclui o recém-montado laboratório de Biologia Molecular, que desde março deste ano oferece o novo serviço de detecção de OGMs.
O Tecam entrou em operação para suprir a demanda provocada pela mudança na legislação para registro de defensivos agrícolas, proposta pelo Ibama em meados de 1990. Algum tempo depois, o laboratório passou a oferecer também análises microbiológicas e físico-químicas de água e, em 1996, pesquisadores aposentados do Instituto Adolpho Lutz, de São Paulo, uniram-se à equipe do Tecam para a montagem do laboratório de alimentos, responsável por análises microscópicas, microbiológicas e físico-químicas.
Após estabelecer testes de ecotoxicologia em animais bentônicos, por volta de 1997, o Tecam ampliou o portfólio com testes para toxicologia em mamíferos, em parceria com a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.

Janete Walter Moura, uma das sócias fundadoras e diretora do Tecam, afirma que os últimos dois anos foram marcados por pesados investimentos nas instalações da nova sede, na montagem do laboratório de biologia molecular e na transferência do trabalho desenvolvido em conjunto com a Faculdade de Veterinária da USP para instalações próprias do Tecam em São Roque-SP.
Segundo a bióloga, o investimento total para o desenvolvimento do serviço de detecção de OGMs consumiu cerca de R$ 450 mil. Desse montante, R$ 100 mil em recursos próprios destinaram-se à construção das instalações e mobiliário, e R$ 50 mil foram gastos com a aquisição de equipamentos e contratação de pessoal. Os outros R$ 300 mil foram financiados a fundo perdido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O investimento conta com o apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp, criado em 1997. O programa contempla empresas com até cem empregados, dispostas a investir em pesquisa de produtos de alto conteúdo tecnológico ou de processos produtivos inovadores, que proporcionem aumento da competitividade da empresa e de sua contribuição sócio-econômica para o País. Janete Moura diz que “a empresa tinha o perfil adequado para participar do programa”. Além de ser empresa de pequeno porte, “o Tecam já estava há um longo tempo no mercado, e as sócias possuem formação consistente e experiência na área acadêmica”, diz. Janete é doutora na área de genética, e as outras sócias, Regina Sawaia Sáfadi e Cynthia Bomfim Pestana, possuem doutorado nas áreas de ecologia e biologia celular, respectivamente.
O projeto desenvolveu-se em duas fases. Na primeira, entre março e agosto de 2000, o Tecam demonstrou capacidade para executar o teste de detecção de OGMs. O laboratório reproduziu o trabalho interlaboratorial coordenado pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac, na sigla em inglês), feito com amostras de referência e padrões pré-determinados que possibilitam padronizar o método de detecção, além de auferir a sensibilidade e a especificidade da técnica. Os resultados obtidos foram semelhantes aos obtidos por congêneres internacionais.
A segunda fase, que começou em agosto de 2002 e se estende até o final de outubro deste ano, compreende a montagem do laboratório de biologia molecular e a padronização do teste de detecção de OGMs em soja e milho.
Existem diversos tipos de métodos de detecção de OGMs, que se podem basear na análise do DNA alterado ou da proteína expressa. Prefere-se o teste do DNA, pois o gene introduzido está presente em todas as células do organismo modificado, enquanto a proteína pode ou não ser expressa em todas as partes do organismo, ou ao longo de todo o seu desenvolvimento.
O Tecam adotou a técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) para realizar o novo teste. O método foi criado em 1983 por Karry Mullis e provocou grande impacto no desenvolvimento da biologia molecular desde então. O teste é bastante conhecido e difundido atualmente, e entre suas vantagens figuram a alta sensibilidade e especificidade. O método ainda possui outro diferencial: permite a detecção de OGMs em alimentos processados, o que não é possível com outras técnicas.
A técnica de PCR baseia-se na identificação de elementos genéticos específicos que são introduzidos nos organismos que se pretende geneticamente modificar. Qualquer que seja o método de transformação do organismo, a introdução do DNA estranho na célula se faz pela estrutura conhecida como cassete gênico, usualmente composto por uma seqüência promotora, um gene estrutural e uma seqüência terminal. O promotor define a parte da planta em que o gene de interesse será expresso; a seqüência terminal, o fim do gene. A seqüência estrutural, também denominada transgene, contém a informação genética que codifica a produção de uma nova proteína que, expressa, conferirá ao organismo a característica fenotípica desejada.
O teste de PCR pode ser preparado para a detecção de qualquer uma das três sequências. Segundo Daniela Gazoto Contri, responsável pelo laboratório de biologia molecular do Tecam, a maioria das plantas geneticamente modificadas utiliza o promotor 35S do vírus do mosaico da couve-flor (presente em 22 das 28 espécies geneticamente modificadas conhecidas) ou a seqüência terminal NOS, derivada da Agrobacterium tumefaciens, presente em 16 das 28 plantas transformadas. Direcionando-se o teste de PCR para a detecção dessas seqüências, é possível a detecção de grande parte dos OGMs existentes atualmente.

O teste de PCR propriamente dito consiste de três etapas. A primeira envolve o preparo da amostra e a extração do DNA. A extração depende da natureza e do tipo da amostra, porém ainda não há um método consensual para a extração. Desse modo, protocolos diferentes de extração são utilizados em função das características do material de partida. Daniela afirma que a extração do DNA de alimentos processados representa uma dificuldade adicional, “pois não há protocolos estabelecidos nesses casos”.
Na segunda etapa do teste realiza-se a montagem da reação de PCR. É nessa fase do processo que se tenta encontrar o gene modificado, que pode estar presente no DNA extraído da amostra na etapa anterior. Uma seqüência de nucleotídeos conhecida é fornecida ao meio onde ocorre a reação, e caso haja uma seqüência homóloga à seqüência conhecida ocorre o emparelhamento das seqüências de nucleotídeos.
Como a seqüência, porém, é muito pequena, é necessário multiplicá-la para que seja possível a sua visualização. Esse é o objetivo da terceira etapa do teste.
A multiplicação da sequência de nucleotídeos ocorre segundo uma progressão exponencial. O primeiro ciclo de ampliação fornece duas cópias (21 cópias); o segundo, quatro cópias (22); o terceiro, oito (23). Assim, ao final de 35 ciclos de multiplicação, que são realizados em um aparelho denominado termociclador, obtêm-se 34 bilhões de cópias (235 = 34 bilhões), quantidade que torna possível a identificação da seqüência de nucleotídeos.
As seqüências então são coradas com brometo de etídio e inseridas em uma placa de gel de agarose, onde sofrerão processo de eletroforese. A eletroforese faz com que as partículas migrem no gel, e o padrão de migração obtido pode ser vizualisado sob radiação ulravioleta, pois o brometo de etídio fluoresce em presença dessa luz. A análise desse padrão determina a presença (ou não) do DNA modificado.
A iniciativa do Tecam deve ser bem recebida entre produtores e órgãos governamentais. Presentes à festa de inauguração da nova sede da empresa, alguns representantes desses setores reforçaram a importância da qualificação de um laboratório nacional para oferecer o teste. Germano José Frenzel Ottmann, superintendente industrial da Cooperativa Agropecuária Mourãoense (Coamo), a maior do País, ressaltou a importância de se ter um laboratório nacional capacitado para a detecção de OGMs: “Podemos confrontar os resultados dos testes feitos aqui com os resultados que são fornecidos pelos laboratórios europeus”, disse.
O gerente geral de Avaliação e Controle do Ibama Fernando Carvalho atentou para o fato de o Tecam ser um laboratório credenciado pelo Inmetro, e possuir um sistema de qualidade que garante resultados confiáveis para seus testes. O laboratório possui credenciameno junto ao Inmetro de acordo com o programa de “Boas Práticas de Laboratório” nas áreas de toxicologia, ecotoxicologia e mutagenicidade para agroquímicos. O Ibama só aceita laudos técnicos de laboratórios credenciados no Inmetro de acordo com as normas de boas práticas, e segundo Carvalho, a atuação do Tecam pode contribuir para a realização de avaliações ambientais mais confiáveis no País.