Têxtil: Tecnologia confere propriedades avançadas aos produtos têxteis

Química e Derivados, Cortina com células fotovoltaicas recolhe energia solar para emitir luz à noite
Cortina com células fotovoltaicas recolhe energia solar para emitir luz à noite

Marcia Mariano

É impossível pensar a evolução dos produtos têxteis sem a participação da Química. Atualmente, o beneficiamento têxtil é composto por várias etapas (purga, alvejamento, mercerização, tingimento, acabamento) e certamente, em cada uma delas, há uma gama de produtos auxiliares químicos indispensáveis. Com o surgimento da nanotecnologia, na metade final do século XX, e o advento da tecnologia digital que impulsionou o design e a criação, uma janela de oportunidades se abriu para a indústria têxtil, uma das mais antigas do mundo, mas que de tempos em tempos se renova sem fazer alarde.

Para discutir as oportunidades presentes e as tendências do futuro dos têxteis realizou-se nos dias 08 e 09 de abril, no Senai-Cetiqt do Rio de Janeiro, o I Fórum Internacional de Inovação Têxtil. Nele se revelou que áreas como nanotecnologia, química orgânica e termelétrica estão trabalhando juntas para o desenvolvimento de tecidos, não tecidos e roupas “inteligentes” que já estão ou deverão chegar ao mercado em breve.

Química e Derivados, Tecidos inteligentes oferecem vantagens para roupa esportiva
Tecidos inteligentes oferecem vantagens para roupa esportiva

Têxtil não é só moda – Organizado pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), em parceria com a Apex-Brasil; Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas (Abrafas); Senai-Cetiqt e Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e de Vestuário de Portugal (Citeve), juntamente com a Associação Selectiva Moda (ASM) e a Associação Têxtil de Portugal (ATP), o evento contou com a participação de especialistas internacionais e de empresas nacionais e internacionais que já produzem materiais inovadores, alguns já em escala industrial e outros como experimentos. Também foi anunciada a assinatura de um Acordo de Parceria para a transferência de tecnologia têxtil de Portugal – país que se destaca em pesquisas na área têxtil– para o Brasil, com várias ações previstas ao longo dos próximos anos. “O setor têxtil e de vestuário no Brasil não se limita à moda. Temos empresas que produzem têxteis técnicos, com aplicações na medicina, segurança, agronegócio entre outros. Há também alguns centros de pesquisa e universidades desenvolvendo têxteis que ainda não estão no mercado. Tenho certeza de que esta parceria com o Citeve, que tem experiência na área de tecidos inteligente, vai alterar o nível do Brasil neste setor dentro de alguns anos”, comentou Rafael Cervone Netto, presidente da Abit.

O Brasil é o maior produtor e consumidor de tecidos técnicos e não tecidos na América do Sul, com produção anual estimada em 600 mil toneladas e consumo aparente de 690 mil t/ano. Ao longo dos últimos cinco anos, o número de empresas que operam na área de não tecidos cresceu de 82 em 2008 para 88 em 2012; enquanto as indústrias de têxteis técnicos passarm de 194 para 210 no mesmo período, atesta pesquisa do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi), especializada em dados da cadeia setorial. Com faturamento da ordem de US$ 56 bilhões em 2013, a indústria têxtil e de confecção representa 5% do faturamento da indústria de transformação no Brasil. O país atualmente se situa como 4º produtor mundial de têxteis. Segundo dados da Abit, o setor possui 33 mil empresas (com mais 5 mil empregados), gera 1.6 milhão de empregos diretos e investiu cerca de US$ 1,6 bilhão no ano passado. Mas a balança comercial continua deficitária. Em 2013 fechou com déficit de US$ 5.5 bilhões, com exportações de US$ 1.3 bilhões contra US$ 6.8 bilhões de importações.

Para tentar reverter este quadro e se firmar como uma indústria competitiva e inovadora, a indústria têxtil brasileira tem buscado não só desenvolver produtos diferenciados, como também processos mais econômicos e sustentáveis. Entre as propostas apresentadas no Fórum do Rio de Janeiro, destacamos a do engenheiro químico Antonio Souto, da Universidade do Minho de Portugal, que falou sobre tingimento de tecidos de poliamida 6.6 funcionalizado por descarga plasmática DBD. O estudo, iniciado em 2012, passou por uma série de testes no laboratório da universidade, tendo revelado resultados satisfatórios. Segundo ele, na Europa, já há indústrias têxteis experimentando este processo.

Tingimento ecológico – Antonio Souto explicou que o tingimento de fibras de poliamida é usualmente feito com corantes ácidos; entretanto o uso de outras classes de corantes como reativos e diretos “podem oferecer grandes oportunidades para o desenvolvimento de novos produtos com melhores propriedades como esgotamento, fixação, níveis de solidez, brilho, uma maior gama de cores, podendo gerar soluções ambientalmente mais sustentadas”. Souto garante que os efeitos químicos e físicos da descarga plasmática contribuíram para os excelentes resultados obtidos na solidez do corante sobre a fibra e no rendimento do tingimento. “Estes promissores resultados significam menos corantes nos efluentes, menos tempo para realização do processo e a possibilidade de tingir poliamida com temperaturas mais baixas”.

Química e Derivados,Produção por tipo de fibrasO plasma é um gás ionizado quase neutro. Quimicamente reativo, é considerado um estado mais ativado que o sólido, líquido ou o gasoso. Desta forma, o plasma é frequentemente apelidado de quarto estado da matéria. Antonio Souto acrescenta que a Descarga Plasmática de Dupla Barreira Dielétrica (DBD), obtida em condições atmosféricas, é a técnica mais utilizada, dentre outras alternativas não térmicas de plasmas, para modificar as propriedades físicas e químicas de diferentes polímeros têxteis. Segundo ele, todas as fibras, das naturais às sintéticas, podem ser submetidas ao tratamento. O especialista garante que o interesse despertado pela aplicação da descarga plasmática para a modificação da superfície dos materiais têxteis, a fim de lhes conferir novas propriedades, tem sido muito grande no mercado. “Atualmente são desenvolvidos numerosos trabalhos, tanto científicos como de aplicação industrial, na área do pré-tratamento têxtil, utilizando plasma frio”, e concluiu: “Fizemos vários estudos e constatamos que o tecido de poliamida sem tratamento de plasma consumiu o dobro de corante para o mesmo tingimento. Resultado: houve saturação da cor. Já com o tratamento plasmático, a água do banho ficou quase incolor podendo ser reaproveitada, ou seja, sem o tratamento, descartamos a água do banho no efluente. Com o tratamento, fizemos quatro tingimentos com a mesma água”.

De fato, os principais impactos ambientais gerados pela atividade têxtil estão justamente nos processos de beneficiamento. Levando em consideração a poluição ambiental e diante da ameaça cada vez maior de escassez de água para consumo, é imperativo que as indústrias encontrem meios de otimizar seus processos industriais.

Ciclodextrinas – Na busca por processos inovadores na área têxtil, as ciclodextrinas (CDs) também têm despertado o interesse das indústrias do setor têxtil. Por seu tamanho nanométrico e suas propriedades de interagir com diversas moléculas químicas, as CDs podem ser utilizadas como auxiliares nos processos de lavagem e de tingimento. No beneficiamento têxtil, resíduos de produtos químicos (óleos e gomas) gerados na engomagem do fio de urdume, e na lavação de artigos têxteis (tensoativos), são de difícil remoção. O emprego das CDs nas formulações pode aumentar a solubilidade das substâncias nestes resíduos. As ciclodextrinas também podem ser aplicadas nos acabamentos de superfície, modificando as propriedades das fibras. Por exemplo, fibras funcionalizadas com CDs e carregadas com reagentes adequados, podem ganhar propriedades bactericidas, proteção UV ou terapêuticas.

Há também os acabamentos químicos que oferecem repelência à água, óleos, ácidos, álcalis e retardantes a chama que já são, inclusive, produzidos no Brasil. A Cia. Cedro, em parceria com a Rhodia (grupo Solvay), desenvolveu a linha Cedro Tech FR, um tecido com peso máximo de 250 g/m², mais leve que os similares, destinado à confecção de uniformes profissionais, que além de retardar a chama também protege contra o arco elétrico. Uma peça feita com Tecido FR foi apresentada na exposição organizada no hall de entrada do Senai-Cetiqt, ao lado de outros produtos de performance nacionais e internacionais que ilustraram o Fórum no Rio de Janeiro.

Química e Derivados, Materiais Têxteis ImplantáveisTêxteis médicos – Os têxteis, originalmente criados para proteger a pele dos humanos, já estão sendo utilizados como produtos médicos, ou seja, como materiais implantáveis. Esses produtos incluem tecidos elásticos para terapia de compressão, sistemas rígidos como gesso sintético, pele artificial e suturas cirúrgicas internas. Os biotêxteis certamente são a nova fronteira dos chamados “tecidos inteligentes”.

Os não tecidos, por exemplo, já ocupam lugar de destaque em roupas e artigos médicos e de higiene como toucas, máscaras, lençóis além de lenços e fraldas higiênicas. Mas as estruturas tecidas e malhas, incorporando fibras sintéticas, também estão se mostrando eficazes na medicina. Um longo trabalho realizado pela Universidade do Minho, em Portugal, mostra algumas das principais aplicações em materiais implantáveis, do qual destacamos a Tabela.

De acordo com os organizadores, o Fórum Internacional de Inovação Têxtil foi tão produtivo que uma nova edição está prevista para 2015, provavelmente em São Paulo.

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