Têxtil: Cadeia produtiva precisará se reinventar para sobreviver
Texto: Marcia Mariano
Quais as estratégias da indústria têxtil e confecção (T&C) para continuar existindo no Brasil nas próximas décadas? Responder essa pergunta foi o principal desafio do primeiro Congresso Internacional Abit 2016, promovido pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção no mês de junho, em São Paulo. O encontro reuniu cerca de 400 empresários e especialistas do setor, e destacou como pontos chave a inovação, a sustentabilidade e a internacionalização como objetivos a alcançar no curto e médio prazo.
Oito mudanças estão em curso no mundo e impactarão diretamente o setor, desde a produção de fios e tecidos, passando pelo vestuário até o varejo. A estagnação do algodão; o crescimento dos filamentos sintéticos; aumento das misturas de fibras têxteis; evolução dos não tecidos; funcionalização no vestuário (tecidos inteligentes); mudança de hábito dos consumidores; transformações no varejo com o comércio eletrônico; e a expansão dos Tratados de Livre Comércio foram apontados como determinantes para a cadeia de valor têxtil do século 21. E quem não se adaptar rapidamente, não terá chances de sobreviver no mercado, alertam os especialistas.
Além destas tendências, a tecnologia também terá um papel fundamental na transformação dessa indústria que se consolidou a partir da cultura do algodão. “Fibras, fios, tecidos e novos substratos serão insumos de alta tecnologia incorporada aos diversos tipos de vestuário, ampliando suas funções e transformando, progressivamente, o conceito tradicional de produto confeccionado”, prevê o pesquisador Flávio da Silveira Bruno, autor do livro “A quarta revolução industrial do setor têxtil e de confecção: a visão de futuro para 2030”, lançado durante o evento.
Com temas divididos em seis painéis, os palestrantes abordaram a importância do investimento em tecnologias como impressão 3D, RFID (identificação por radiofrequência), IoT (internet das coisas) e até minifábricas, um protótipo automatizado e integrado de instalação que permite ao fabricante integrar os processos de pedidos, design, modelagem, tingimento por lotes, rotulagem, corte a laser, costura automática, acabamento e embalagem. Com esse sistema, eliminam-se estoques, reduzem-se os custos de produção e impactos ambientais.
Como bem enfatizou o italiano Giuseppe Gherzi, sócio da Gherzi consultoria internacional, que abordou o tema Panorama Brasil & Mundo: “o futuro começa agora, não amanhã”. Todavia, ele mesmo reconhece que o País precisa superar barreiras para atingir tais metas. Entre os “pontos errados” considerados pelo consultor está o fato de o Brasil ser competitivo na produção de algodão e celulose, mas não exportar produtos de valor agregado feitos com essas matérias-primas, sendo destino preferencial de confeccionados da Ásia que, segundo ele, responde por cerca de 80% das importações têxteis. Ele também apontou como entraves os “obstáculos governamentais”, citando a carga tributária elevada, o alto custo da mão de obra, o custo da energia e o custo do capital de giro para modernização das fábricas. Giuseppe Gherzi ainda criticou a falta de incentivos em programas de pesquisa, design e desenvolvimento de tecnologia, a baixa produtividade e a falta de inovação dos processos e dos produtos ao longo da cadeia têxtil.
Outro palestrante que falou sobre os desafios da internacionalização das empresas brasileiras foi o executivo Mario Sette, vice-presidente comercial da Coteminas, controladora da Springs Global, com operações nas Américas do Norte e do Sul, e detentora das marcas Artex, Santista, Texmade, MMartan, entre outras.
Em sua apresentação destacou a carência de recursos humanos como um dos principais entraves para que uma companhia brasileira abra portas no exterior. De acordo Mario Sette, para uma empresa se internacionalizar, são imprescindíveis a capacidade de adaptação cultural, redução da dependência da matriz, reconhecimento das competências das subsidiárias e, principalmente, a padronização dos processos de produção. “Os fatores chaves da liderança são universais: transparência, coerência, foco na visão e nas metas e fortalecimento do trabalho em equipe”, ressaltou.
Realidade dos números – O admirável mundo da tecnologia e dos novos modelos de negócios, apresentados no Congresso Internacional da Abit, fez brilhar os olhos dos participantes e entusiasmar até os mais céticos. Todavia, a realidade da indústria brasileira têxtil e de confecção ainda está distante deste modelo. Uma das mais antigas manufaturas do País, com fábricas fundadas no final do século XIX, algumas operando com sucesso até hoje, como a Cedro Têxtil, em Minas Gerais (144 anos), e Cia. Hering, de Santa Catarina (134 anos), a indústria têxtil nacional tem sobrevivido a solavancos econômicos ao longo de décadas. Mas nos últimos dois anos, a situação se agravou. Milhares de postos de trabalhos foram perdidos, centenas de empresas reduziram a produção e algumas fecharam as portas.
Em 2015, a produção física do segmento têxtil teve queda de 14,5% (1,9 milhões de toneladas) e a do vestuário, de 10% (5,5 bilhões de peças). Em 2014, a queda foi de 3,2% (2,2 milhões de toneladas) e de 6,6% (6,15 bilhões de peças). Quando se observa o comércio exterior, as importações de têxteis e confeccionados tiveram queda de 17,4% (US$ 5,85 bilhões) e as exportações diminuíram 8,2% (US$ 1,08 bilhão). Já o déficit na balança comercial ficou em US$ 4,8 bilhões.
Para 2016, a perspectiva da Abit é que o déficit da balança comercial seja de US$ 3,4 bilhões, com uma queda de 22,4% (US$ 4,5 bilhões) nas importações e um aumento de 1,5% (US$ 1,1 bilhão) nas exportações. Quanto aos empregos, em 2015, o setor apresentou uma perda de 100 mil postos de trabalho, número 376% maior que o de 2014. Para este ano, espera-se uma estabilidade, com a maior parte da indústria mantendo seus empregados e até contratando mão de obra, no caso das confecções.

Ao falar na cerimônia de abertura do evento, o presidente da Abit, Rafael Cervone, procurou tranquilizar os participantes, destacando que não há crise que dure para sempre e esse momento deve ser visto como oportunidade. “Para um setor tão criativo, nenhuma ideia é perdida. Agora, ao lado de cada um de vocês, tem alguém que está se preparando, pensando em como inovar, para o novo Brasil que virá”.
Segundo ele, o setor voltará a crescer com o aumento das exportações e com a substituição dos importados por produtos da indústria nacional. De acordo com dados da Abit, as importações de vestuário declinaram em 60% entre abril de 2015 e abril de 2016, sendo os produtos chineses responsáveis por 50% do volume importado. Foi a maior queda desde 2000. Já nas exportações houve reação no aumento de volume em relação a 2015, favorecida, principalmente, pela desvalorização cambial, com aumento de 29% na exportação de tecidos; vestuário (11%), cama, mesa e banho (43%), filamentos (12,8%) e fios 137%.
“Acreditamos que em 2016, teremos uma substituição de importações de produtos têxteis de aproximadamente 200 mil toneladas e de 200 milhões de peças de vestuário”, previu Cervone, anunciando que a Abit dará mais ênfase a iniciativas que fazem parte do Projeto Têxtil 2030, que preconiza uma indústria mais competitiva, com altos índices de produtividade e inserida na cadeia global de valor. Para isso, as mais de 33 mil empresas formais do setor T&C em todo o País deverão estar atentas às macrotendências mundiais, às novas tecnologias e modelos de negócio e, principalmente, ao perfil dos consumidores.
Excelente matéria. Parabéns!