Tecnologia: Pesquisa nacional desenvolve medicamento nanoencapsulado
Em setembro, na cidade de Porto Alegre, a doutora em farmácia Sílvia Guterres, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apresentou a linha de pesquisa na qual atua como orientadora para a produção de medicamentos nanoencapsulados em polímeros biodegradáveis microparticulados. Em palestra organizada pela Associação Brasileira de Engenharia Química, ela explicou como funcionam essas substâncias para tratamento específico e seletivo de infecções, em condições delaboratório e em escala piloto.
Segundo Sílvia, doenças que estão localizadas em alguns órgãos, como o fígado, futuramente serão tratadas com nanopartículas. Ela atua justamente em estudos com a finalidade de desenvolver sistemas com viabilidade tecnológica e econômica para a produção de comprimidos a partir de polímeros contendo hormônios e antiinflamatórios, em nanocápsulas, nanoesferas e nanoemulsões. Um desses trabalhos tem a parceria da empresa de cosméticos O Boticário.
“A nanotecnologia é uma área emergente de cruzamento disciplinar da química, física e da biologia, para obter produtos em escala bilionésima do metro”, assinalou a especialista. No caso específico dos fármacos, há uma sinergia também com a química industrial e a medicina.
Conforme explicou, a nanotecnologia aplicada à indústria farmacêutica busca construir vetores capazes de atingir exclusivamente o tecido enfermo, maximizar as ações e minimizar os efeitos indesejados, como a quimioterapia contra o câncer. Atualmente, os medicamentos atuam sobre os tumores, mas intoxicam as células saudáveis do organismo. O objetivo principal da nanotecnologia aplicada à farmacologia é carrear a substância diretamente no local da ação do medicamento e manter a parte saudável intacta.
A pesquisa na UFRGS partiu da caracterização, tamanho das partículas, análise morfológica, medidas de pH em microscópio eletrônico de varredura e de transmissão. Os cientistas verificaram o potencial zeta, a quantificação e o comportamento do produto no organismo de ratos. “Todas as questões éticas foram levadas em consideração e aprovadas nas instâncias competentes da universidade”, salientou Sílvia, ao explicar os estudos com cobaias.
O método utilizado pela equipe de Sílvia Guterres é denominado precipitação de polímeros préformados, disponíveis no mercado em poliéster (estado sólido) e obtidos a partir de um monômero proveniente do ácido lático. A partir do desenvolvimento do procedimento analítico dessas pesquisas, foram determinados os modelos para as nanopartículas e o diâmetro fundamental para saber se é um nanossistema. São consideradas nanopartículas as moléculas a partir de 0,05 µm a 1µm com suspensões coloidais para administração intravenosa, oral ou ocular. “Posteriormente chegamos à produção piloto das nanocápsulas, em que alcançamos a estabilidade das suspensões de nanopartículas poliméricas e finalmente chegamos à forma farmacêutica final em suspensão aquosa dos antiinflamatórios. A polimerização ocorre por meio de surfactantes e solventes orgânicos, posteriormente removidos por evaporação a vácuo”, explicou.
Com isso, os cientistas gaúchos já conseguiram produzir nanofármacos em grãos e pó, e colocálos em cápsulas de dimensões normais em escala piloto e projetam o futuro de alguns tratamentos médicos à luz da nova ciência. O diclofenaco (comercialmente, Voltaren) aplicado com a nanofarmacologia evitará seu efeito deletério causador de úlcera. No caso da melatonina, o hormônio regulador do sono, a pesquisa com micropartículas microrrevestidas, tenta produzir um medicamento capaz de resolver os distúrbios provocados no organismo humano pelas mudanças constantes de fuso horário.
Mais um exemplo de nanotecnologia aplicada à farmácia, também em fase de pesquisa, é a etionamida usada no tratamento da tuberculose. “São efeitos positivos dos mais variados como a possibilidade de vencermos a barreira hematoencefálica”, acrescentou. Outra área de interesse são os produtos de aplicação cutânea, emulsões de filtros solares e fotoproteção. A Lancome já fabrica comercialmente um creme para a pele contendo nanocápsulas de vitamina E. Nesse caso, as nanopartículas são geradas por adsorção.
As primeiras tentativas de obter moléculas nano ocorreram de 1904 a 1914, nos laboratórios coordenados por Paul Erlich sob o conceito “a bala mágica do organismo”. Nos anos 60, foram iniciados os estudos fundamentais sobre a aplicação nanotecnológica nos fármacos. Primeiramente foram utilizadas as estruturas em lipossomas ou vesículas fosfolipídicas, como carreadores de fármacos hidrofílicos ou lipofílicos.

Em 1980 apareceram as nanopartículas com carreadores de forma lipofílicas e as nanocápsulas com paredes poliméricas e núcleo oleoso. Essas nanopartículas poliméricas foram estruturadas em cianoacrilato de alquila. O método de obtenção foi o de polimerização in situ por emulsão interfacial. Eram obtidas em formato esférico ou capsular com uma parede de polímero biodegradável e um núcleo com um óleo, usando um surfactante. Igualmente, como ocorre no sistema atual, foram utilizados solventes orgânicos, posteriormente retirados do processo a vácuo. Já existem várias fórmulas no mercado com os recursos nanotecnológicos, entre as quais Sílvia destacou o ambisome, com pelo menos 20 anos de mercado, usado com sucesso no tratamento da leishmaniose, conforme relatório publicado na revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (edição de abril de 1997).
Nos EUA, as pesquisas em nanotecnologia, de maneira geral, consumiram US$ 130 bilhões no biênio 19992001. Saltaram para US$ 200 bilhões nos dois anos seguintes. No Brasil, a ausência de uma política oficial bem definida resulta em cifras incomparavelmente modestas: R$ 3,2 milhões (2001/2002) e R$ 4,5 milhões (2003/2004). Apesar disso, garante Sílvia Guterres, a produção científica em nanotecnologia é consistente e objetiva. Mesmo assim, ela adverte: “Não tem como crescer sem as parcerias com a iniciativa privada”. Muito dinheiro para pesquisa e pouco faturamento. Por enquanto o mercado mundial de nanotecnologia é de US$ 3 bilhões em volume de vendas. Desse total 65% são movimentados nos EUA, 20% na Europa e Japão 10%. Mas o crescimento projetado é geométrico: para a União Européia a previsão é de US$ 150 bi em vendas dentro de seis anos.