Técnica: Microgrânulos põem liberação de ativos sob controle

É premente a necessidade de a indústria farmacêutica nacional inovar para sobreviver em um mercado cada vez mais competitivo, protegido por um número cada vez mais restritivo de patentes e inundado por matérias-primas e produtos asiáticos.

Nesse contexto, combinar bom preço e elevada qualidade, valorizando os produtos, é um desafio constante, que exige investimento em inovação tecnológica.

Uma das inovações possíveis é o desenvolvimento de fórmulas com base em pellets.

No mercado farmacêutico nacional não se pode afirmar que a administração de medicamentos na forma de pellets ou microgrânulos seja uma novidade, pois há vários desses produtos comercializados.

Porém, grande parte do que existe é importado.

Há, portanto, um enorme espaço ainda não explorado para o desenvolvimento nacional de medicamentos administrado por microgrânulos, especialmente quando se deseja uma liberação modificada.

As vantagens dos microgranulos em comparação aos comprimidos estao associadas ao fato de eles serem um sistema múltiplo e de geometria quase esférica.

Com uma áerea especifica maior para a difusao da droga, consegue-se melhor liberação e absorção do medicamento.

Com um sistema múltiplo, obtém-se uma distribuição maior no trato gastrointestinal, aumentando a biodisponibilidade e diminuindo as irritações locais.

Outro ponro que merece destaque é o fato de se garantir um determinado perfil de liberação do fármaco presente nos grânulos é geralmente conseguido com a utilização de polímeros especiais, que podem ser incorporados à massa dos pellets ou numa camada externa de recobrimento.

Essa segunda opçao, de recobrimento polimerico, é a mais utilizada.

De forma simplificada, pode-se separar a tecnologia de “peletização” em duas etapas: a primeira,  de obtenção dos grânulos com o principio ativo, e a segunda, de recobrimento, responsavel por conferir o perfil de liberação modificada à formula.

Neste artigo será apresentada uma discussão sobre essas duas fases, abordando tanto aspectos do produto como do processo.

Como são feitos os microgranulos – São basicamente duas as formas de se produzir microgranulos com principio ativo: por ganho de camada ou por extrusão-esferonização.

O processo por ganho de camada parte de um microgranulo inerte, geralmente com base em sacarose e/ou amido e celulose. Por um processo de recobrimento por atomização em leito fluidizado, o microgranulo recebe uma camada de principio ativo. Por cima dessa camada, pode-se aplica um recobrimento protetor para separar o ativo da camada seguinte, responsavel por modifica a liberaçao.

Esse processo está esquematizado na Figura 1.

Descrição mais detalhada sobre essas operações de recobrimento é apresentada mais adiante neste artigo.

Veja na Figura 2 um microgranulo cortado ao meio, no qual se percebe com clareza a camada externa que contém o principio ativo.

A presença  do ativo na camada externa do núcleo pode representar uma velocidade maior de dissoluçao, pois depende do processo de difusão do ativo através do grânulo. Por meio dessa técnica, porém, obter uniformidade no teor de ativo incorporado é um desafio. Por isso, o processo de extrusão-esferonizaçao, descrito em seguida, vem sendo cada vez mais utilizado.

Química e Derivados, Amostras de fármacos na forma de microgrânulos, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Amostras de fármacos na forma de microgrânulos

Extrusão-esferonização – O processo por extrusão-esferonização parte de uma  mistura mais complexa que já contém o fármaco incorporado à formula.

A massa franulada por via úmida em granulador convencional ou high-shear passa por uma extrusor (ver Figura 3), de onde são obtidos finos cordões, depois esferonizados num disco rotativo corrugado.

Após essa etapa, o material é seco e classificado.

Pelo fato de o ativo estar incorporado e distribuindo na massa do grânulo, deve-se estar atento a eventuais problemas de incompatibilidade entre os excipientes escolhidos e o ativo da fórmula.

Além dissom como a liberação do ativo depende de um processo de difusção, as propriedades físicas do nucleos – como geometria – interferem significativamente no processo e devem ser conhecidas e controladas (SANTOS, 2006; METHA, 1989).

Química e Derivados, Representação esquemática do processo de ganha de camada, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 1- Representação esquemática do processo de ganha de camada

A celulose microcristalina (MCC) é o expiciente mais comumento empregado na produçao de pellets por extrusão e esferonização. No entanto, é um material que não se desintefra com facilidade, o que dificulta a dissolução do principio ativo, controlada por um processo de difusão.

Quando se deseja uma dissolução mais rápida, procura-se combinar a MCC com outros diluentes, como amido e lactose.

Ligantes, tensoativos e antiderentes são também empregados na formulação dos pellets com boas características de friabilidade e dureza (HARRIS & GHEBRESELLASSIE, 1994; EERIKAINEN & LINDQVIST, 1991).

Além da formulação propriamente dita, as características do processo também são importantes para determinar as propriedades dos pellets. Importante citar o estudo de SANTOS et al. (2004), que apresenta uma revisão das principais variáveis tecnológicas relacionais com a fabricação de pellets.

Outra contribuição nesse sentido, mais voltada `operação de esferonização, é dada por BAERT er al. (1993).

Química e Derivados, Micrografia de seção transversal de um pellet produzido por ganho de camada, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 2: Micrografia de seção transversal de um pellet produzido por ganho de camada

O processo por extrusão-esferonização é mais reprodutível e com maior produtividade que o por ganho de camada. Consegue-se controlar melhor o tamanho dos pellets e o teor de ativo.

O ganho de camada, por sua vez, não necessita dos equipamentos de extrusão e esferonização, já que o processo é todo realizado em leito fluido, o que pode representar uma significativa redução de investimento, uma vez que o mesmo leito usado para revestimento polimérico dos pellets pode ser empregado para a incorporação da camada de ativo.

Química e Derivados, Massa sendo produzida por extrusão em equipamento de laboratório, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 3: Massa sendo produzida por extrusão em equipamento de laboratório

Recobrimentos – Os sistemas múltiplos ficam ainda mais interessantes quando recebem uma camada de revestimento polimérico.

Nas formas farmacêuticas  a funcionalidade do recobrimento está geralmente relacionada com a introdução de uma barreira ao transporte de massa, visando, portando, a uma liberação modificada do composto ativo do medicamento.

A operação pode, ainda, ter o objetivo de mascarar sabor, melhorar a aparência do medicamento ou protegê-lo de agentes físicos, químicos ou microbiológicos.

SAKS & GARDNER (1997), em seu trabalho sobre o valor farmacoeconomico de drogas de liberação modificada, destacaram o grande potencial desse medicamento, tendo em vista que els podem ampliar a eficacia e diminuir os custos de tratamento.

A redução de efeito colaterais e a simplificação do regime de administração da droga são outras vantagens dignas de nota, também citadas no tabalho de KRAMER & BLUME (1994).

Química e Derivados, Diagrama de blocos do processo de fabricação de pellets por extrusão-esferonização, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 4: Diagrama de blocos do processo de fabricação de pellets por extrusão-esferonização

 

Os componentes principais de uma suspensao de recobrimento são: um polímero , um plastificante e um solvente aquoso ou orgânico .

O polimero é o responsavel pela barreira ou proteçao do grânulo.

O plastificante tem a finalidade de dar flexibilidade  e maciez à pelicula, promovendo também maior adesão.

Além disso, o plastificante pode reduzir o tempo de processamento por diminuir a temperatura de formação do revestimento.

A presença do plastificante também pode afetar a taxa de liberação do fármaco.

O solvente, por sua vez, deve ser selecionado, tendo em vista o polimero empregado.

Além disso, aspectos do processo devem ser considerados, haja vista que a substancia escolhida deve facilitar a deposição dos materiais em suspensao sobre a superficie da partícula.

Apresentam-se na Tabela 1 algumas substancias empregadas nas suspensões de recobrimento com solventes orgânicos

O trabalho de SEITZA, MEHTA & YEAGER (1986) apresenta uma descrição mais detalhada de uma grande numero de substancias ate hoje empregadas nas formulações de suspensões de recobrimento.

Química e Derivados, Microgrânulos revestidos, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 5: Microgrânulos

Por questões ambientais e de segurança, suspensões aquosas tem substituído as orgânicas nos processos de recobrimento. Surgiram no mercado diversos produtos de facil preparação e aplicação.

Algumas linhas de produtos são as seguintes: Eudragit, da empresa Rohm do grupo Evonik (Degussa-Hulls); Kollicoat, da Basf; Surelease e Opadry, da Colorcom; Advantia, da ISP; e Aquacoat, da FMC.

Quando a finalidade do revestimento é simplesmente a de confrir proteção, devem ser usados polimeros que não modifiquem sensivelmente a liberação do principio ativo. Ou seja, o revestimento deve garantir a dissolução imediata desse composto.

Química e Derivados, Algumas substâncias encontradas nas suspensões de recobrimento , Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Tabela 1: Algumas substâncias encontradas nas suspensões de recobrimento

 

Quanto às liberações modificadas, dois são os principais tipos: liberação entérica ou gastrorresistente — exemplo da Figura 6 — e liberação prolongada — exemplo da Figura 7.

No primeiro caso, aplica-se ao microgrânulo um filme polimérico que não seja permeável em pH ácido, de modo que não haja liberação signifi cativa durante o tempo de permanência no estômago (2 horas).

No caso de liberação prolongada, o filme deve fazer com que o fármaco seja liberado gradativamente, independentemente do pH, seguindo um determinado perfi l de interesse do tratamento, relacionado com o perfi l de absorção desejado.

Qualquer que seja o caso, o perfi l deve ser reprodutível, como mostram os exemplos dados.

O processo de revestimento de microgrânulos é mais eficientemente realizado nos leitos do tipo Wurster. As tradicionais drageadeiras não são recomendáveis, pois nelas é muito difícil não só conferir uniformidade, mas também evitar a aglomeração quando se trata de partículas pequenas.

O processo Wurster é uma modifi – cação dos chamados leitos de jorro. O ar, responsável por promover a movimentação e a secagem das partículas, é alimentado pela base do equipamento, como esquematizado na Figura 8.

Química e Derivados, Representação esquemática do processo Wurster. Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 8: Representação esquemática do processo Wurster

As partículas são arrastadas no sentido ascendente e passam através de um cilindro oco centralizado.

É nesse cilindro, que separa a região anelar da região de jorro, que acontece a atomização da suspensão de recobrimento.

Após jorrarem, as partículas perdem velocidade e se movimentam no sentido descendente pela região anelar do equipamento.

Esse processo cíclico confere uniformidade ao recobrimento, com um ótimo contato ar/partícula, que favorece a secagem da suspensão polimérica, evitando, assim, aglomeração.

A Figura 9 mostra um equipamento de laboratório, com dimensões adequadas para utilização em trabalhos de pesquisa e desenvolvimento.

A Figura 10 apresenta as diversas variáveis envolvidas no processo de recobrimento e a relação entre elas.

É comum o processo ser controlado pelas condições de saída do ar. O ponto estável de operação é aquele em que se consegue balancear as taxas de atomização e secagem.

Química e Derivados, Equipamento de laboratório para pesquisa e desenvolvimento, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 9: Equipamento de laboratório para pesquisa e

Aplicações especiais – A utilização de pellets permite alternativas interessantes e que agregam qualidade ao produto.

Existe, por exemplo, a possibilidade de combinar diferentes princípios ativos em uma mesma fórmula, mesmo que seja quimicamente incompatíveis.

Para isso, pode-se colocar os pelltes com os diferentes ativos em uma mesma cápsula, desde que devidamente protegidos por revestimentos adequados.

Outra situação, com dois fármacos, A e B, que farão parte de uma dosagem combinada.

O primeiro deve ser liberado instantaneamente no estômago e o segundo deve ter uma liberação prolongada.

Além da opção de produzir  dois pellets separados e adicioná-los em uma mesma cápsula, a solução pode ser a seguinte: produz-se, por extrusão, o microgrânulo com o fármaco B; aplica-se sobre o revestimento polimérico com a finalidade de conferir liberação prolongada e pH-independente; sobre ela, deposita-se, pelo processo de ganho de camada, o fármaco A; para conferir proteção ao pellet, aplica-se uma última camada de revestimento de liberação imediata.

Esse é apena um exemplo que ilustra o grande potencial dessa tecnologia.

 

Química e Derivados, Variáveis envolvidas no processo de recobrimento, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Figura 10: Variáveis envolvidas no processo de recobrimento

Ressalta-se que cada desenvolvimento deve levar em conta as particularidades do fármaco e o tipo  de liberação desejada.

Algumas situações especiais em que haja janela de absorção podem fazer com que se busquem formas de dosagem ainda mais desafiadoreas, como é o caso dos pellets flutuantes ou com bioadesividade.

Química e Derivados, Lupércio Calefe, Marcelo Nitz e Mário Moffa, Técnica - microgrânulos põem liberação de ativos sob controle
Lupércio Calefet, Marcelo Nitz e Mário Moffa (dir.)

   Os autores

O Prof. Dr. Marcello Nitz é engenheiro pelaEscola de Engenharia Mauá (1995), Doutor em Engenharia Química pela UNICAMP (2006) Professor e Pesquisador da Escola

de Engenharia Muá do Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia. Sócio da Zelus Serviços para Indústria Farmacêutica, empresa especializada no desenvolvimento de pellets de liberação modifica.

Mario Moffa é Química Industrial (1971), Gerente de Produção de Farmoquímicos na Sintefina/Biolab e Consultor da Zelus Serviços para Indústria Farmacêutica nas áreas de projeto e construção de equipamentos e desenvolvimento de formulações e processos de fabricação de pellets.

Lupércio Calefe se formou em Fármacia e Bioquimica na USP, em 1974, com passagens profissionais para Alcon Lab. do Brasil, Libbs Farmacêutica e Incrementha. Atualmente é Diretor de Inovação da Zellus Serviços para Indústria Farmacêutica.

Conclusão – Neste artigo, buscou-se  despertar a atenção do leitor para a tecnologia de produção de pellets ou microgrânulos de liberação modificada. Percebe-se ai uma vasto campo a ser explorado, com muitas possibilidades de desenvolvimento para a indústria farmacêutica nacional. O brasil já possui especialistas nessas aplicações e muitas indústria interessadas. Basta essas partes se encontrarem para somar esforços e desenvolver aplicações.

Referências bibliográficas

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