Construção Civil – Soluções da química promovem eficiência energética em edificações – Abiquim 50 Anos

Substituir o cimento por estruturas feitas de materiais como poliuretano e poliestireno expandido pode baixar conta de luz em 40%
A indústria química fornece matérias-primas e produtos para a quase totalidade dos setores produtivos.
Mais de 95% de tudo o que é produzido no país, da agricultura ao aeroespacial, precisa de produtos químicos. Por ser uma indústria de alta tecnologia, propulsora de inovação, é na química que uma variedade de cadeias de valor busca soluções mais sustentáveis. Em uma série de artigos, a Abiquim apresentará três enfoques sobre como a química pode tornar a construções civis mais verdes. Nesta edição, o recorte é eficiência energética.

Sob os holofotes da mídia e causando preocupação nas casas e indústrias brasileiras neste ano está o medo da falta d’água. O Brasil, território com vasta rede de bacias hidrográficas, muito se aproveitou do recurso, tão abundante, para a produção de uma energia mais limpa do que a de muitos países, construindo sua matriz energética sobre a dependência da força da água para girar as turbinas e transformar energia potencial em elétrica para iluminar, aquecer, resfriar e movimentar o País.
No entanto, com a ameaça de escassez de água devido à seca que vem atingindo o Brasil, fica difícil não temer também a falta de energia. De acordo com o professor titular do Departamento de Energia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), José Antonio Perrella Balestieri, a geração, distribuição e transmissão de energia elétrica no Brasil estão bem equacionadas, mas essa segurança só será mantida com as instalações existentes caso o país continue com a economia estagnada. “À medida que o Brasil voltar a crescer, serão necessárias novas instalações de geração de energia para fazer frente ao aumento da demanda”, afirma o professor. De acordo com Perrella Balestieri, um empreendimento de geração de energia demora no mínimo um ano e meio para entrar em funcionamento. Embora existam previsões para o ingresso de novas centrais de geração, na opinião do professor, as instabilidades financeiras pelas quais passa o país podem ameaçar suas implementações, que são de alto custo.
O professor não é o único especialista com essa preocupação. O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, também afirma categoricamente: “somente não houve ainda racionamento de energia porque o Brasil parou de crescer”. Na avaliação de Pires, há ainda outro fator que evitou um cenário pior para o fornecimento de energia em 2015, que ele chama de “racionamento econômico”, ou seja, o aumento das tarifas de energia para o consumidor. “É pouco provável que tenhamos racionamento neste ano, mas o problema só foi adiado para 2016. Se a economia brasileira crescesse 2% ao ano, não haveria energia suficiente. Se nada for feito, não conseguiremos retomar o crescimento econômico por falta de energia”, analisa.
Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a capacidade dos reservatórios mais importantes (em quantidade de água), que são os localizados no Sudeste e Centro-Oeste, representando cerca de 70% do total do país, chegaram ao final de abril – fim do período úmido – com apenas 33% de sua capacidade preenchida. Quanto à carga da demanda, variou para baixo, porém muito pouco: cerca de 5% entre janeiro e abril deste ano. Esses números mostram que não apenas existe uma oportunidade para o crescimento do mercado de edificações sustentáveis, mas há uma necessidade latente pela redução do consumo energético.

De acordo com a Eletrobras, maior companhia do setor de energia elétrica da América Latina, controlada pelo governo brasileiro, a energia elétrica gasta nas edificações corresponde a cerca de 45% do consumo faturado no País. Mais especificamente, de acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN) de 2014, disponibilizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as edificações residenciais, comerciais e públicas juntas consumiram, em 2013, 48,5% da energia elétrica do País. A Eletrobras estima um potencial de redução deste consumo em 50% para novas edificações e de 30% para aquelas que promoverem reformas que contemplem os conceitos de eficiência energética em edificações.
Nesse sentido, o uso de painéis de poliuretano (PU) em fachadas e coberturas de prédios, por exemplo, pode gerar uma economia de energia para refrigeração de até 40%, de acordo com Marcelo Fiszner, coordenador da Comissão Setorial de Poliuretanos da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Além do controle térmico, o uso de painéis de PU nas edificações também aumenta a velocidade da construção. Vale lembrar que a fabricação de cimento é altamente poluente e consumidora de energia, mais um motivo para classificar a substituição do material pelo poliuretano como sustentável, pois evita o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o consumo energético. Na mesma comparação, diferente do cimento, os painéis de PU são reutilizáveis e recicláveis.
Além do poliuretano, que já é bastante usado em construções comerciais e industriais, como shoppings e aeroportos, a fim de reduzir o uso do ar condicionado, em busca de soluções para o desenvolvimento de edificações energeticamente mais eficientes, a indústria química oferece ainda outras matérias-primas, como o EPS (poliestireno expandido), tintas que refletem a radiação incidente e revestimentos que fazem o controle térmico do ambiente.
O EPS modificado com grafite, por exemplo, funciona como absorvedor de radiação na faixa do infravermelho, reduzindo o consumo de energia por isolar melhor a temperatura em casas nos climas quentes e úmidos. Existem também pigmentos aplicados às tintas que gerenciam o calor ao promover a reflexão, ao invés da absorção da radiação solar, mantendo a superfície pintada fria, mesmo nas cores escuras. Microcápsulas poliméricas são utilizadas nos revestimentos de gesso/dry wall para ajudar a manter a temperatura do ambiente a partir de propriedades físicas e químicas. As microcápsulas possuem parafina em seu interior e, quando ocorre aumento da temperatura, elas absorvem a energia térmica na forma de calor latente, usado na fusão da parafina. Quando a temperatura cai, o calor é devolvido ao ambiente e a parafina volta ao estado sólido.
De acordo com os fabricantes, o uso desses materiais não reduz a segurança das edificações e, algumas, trazem até benefícios nesse sentido, em comparação aos materiais tradicionais. O poliisocianurato (PIR), por exemplo, também usado como isolante térmico, aumenta a resistência ao fogo, assim como a espuma rígida de poliuretano garante maior durabilidade.
Apresentando um grande exemplo de que é possível construir uma casa energeticamente mais eficiente e segura sem deixar o bom gosto em segundo plano, a Basf construiu em São Paulo a CasaE. “Queríamos mostrar ao mercado que este tipo de projeto é factível e que é possível que a casa tenha uma bela arquitetura, sendo totalmente sustentável e eficiente. As soluções da química encontradas na CasaE foram desenvolvidas para que possam ser amplamente empregadas na construção”, afirma Camila Lourencini, gerente de estratégia para indústria da construção da Basf. Segundo a especialista, além da eficiência energética, as inovações que fazem parte da casa proporcionam uma obra mais rápida, com menor consumo de água, importante redução na emissão de CO2 e de resíduos de construção, além de maior durabilidade.

Na opinião de Adriano Pires, diretor do CBIE, o incentivo ao uso eficiente da energia é uma maneira moderna e inteligente de se gerenciar a demanda. “A energia mais barata e limpa é aquela que não é consumida”. Para Pires, as licenças de obras de empreendimentos imobiliários deveriam ser atreladas ao fato de o prédio ser construído de maneira a usar eficientemente a energia e, ainda, apresentar soluções de geração própria. Especificamente para a eficiência energética em edificações, foi promulgada em junho de 2014 a Instrução Normativa nº 2, pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que dispõe, dentre outros, sobre a etiquetagem compulsória em edificações públicas federais. Segundo o chefe do Departamento de Projetos da Eficiência Energética (PFP) da Eletrobras, George Alves Soares, este foi um marco para o início da obrigatoriedade da Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (ENCE) nos edifícios do País. As edificações com ENC
E classe “A” (alta eficiência energética) têm incentivos financeiros, como juros e prazos para financiamento mais atrativos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Além do ENCE, o governo lançou ainda o Selo Procel Edificações, por meio do Programa Nacional de Eficiência Energética em Edificações (Procel Edifica) da Eletrobras, em novembro de 2014. Desde o lançamento, foram concedidos 11 selos para imóveis construídos e oito para projetos de edificações. A avaliação para concessão do selo é feita por um Organismo de Inspeção Acreditado (OIA) pelo Inmetro e observa quesitos como a envoltória, a iluminação e o condicionamento de ar.
Ao contrário do que se pode imaginar, construções sustentáveis acabam sendo financeiramente mais vantajosas do que as convencionais. É o que afirma Marcelo Fiszner, da Comissão de PU da Abiquim. “Considerando-se a redução do tempo de construção e a supereconomia na conta de luz, o custo dos materiais são compensados”, garante o especialista. A gerente da Basf, Camila Lourencini, também ressalta: “os produtos usados na CasaE são de alta tecnologia, resultado do investimento em pesquisa e desenvolvimento. Por enquanto, o custo total da obra chega a ser 30% maior, porém esse investimento é recuperado no médio prazo, devido à economia gerada não só no consumo de energia, como também de recursos naturais”. Em uma perspectiva futura, Camila acredita que a tendência seja de que, a partir do momento em que construções desse tipo se tornem mais comuns, haja um barateamento com o ganho de escala, como já ocorre na Europa e nos Estados Unidos. George Alves Soares, da Eletrobras, lembra que o planejamento correto é fundamental para diminuir os custos, muitas vezes tidos como vilões para as construções sustentáveis.
Mas é possível construir uma casa ao modelo da CasaE? O Brasil ainda tem um caminho a avançar para tornar as edificações sustentáveis mais populares, tanto com relação ao acesso e custo dos produtos, quanto à disponibilidade de profissionais qualificados a trabalhar com os produtos “verdes”. De acordo com Camila Lourencini, a espuma rígida de poliuretano, já está disponível no mercado brasileiro e a maior parte dos demais produtos, como os pigmentos para tintas (Sicopal/Paliogen), as microcápsulas poliméricas para gesso/dry wall (Micronal) e o EPS modificado com grafite (Neopor) estão à disposição como matéria-prima para a indústria brasileira de materiais de construção. Quanto à mão de obra para edificar usando esses materiais, a Eletrobras, por meio do Procel Edifica, investiu na formação de laboratórios de conforto ambiental em universidades públicas e na capacitação de profissionais. A R3E – Rede de Eficiência Energética em Edificações foi desenvolvida por essas instituições de ensino a fim de promover cursos na área, funcionando como centros multiplicadores de conhecimento. Além disso, segundo George Alves Soares, está em andamento a capacitação de gestores públicos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), para orientá-los a seguir a Instrução Normativa sobre o ENCE. Na opinião de Soares, da Eletrobras, existem profissionais capacitados para projetar edificações mais eficientes energeticamente no mercado, entretanto seu número só será incrementado conforme houver uma maior procura por eles. “As universidades já estão mudando seus currículos para preparar os profissionais nessa área e a Eletrobras investiu em capacitação, mas, apesar de todos os esforços, ainda é possível inferir que o número atual de profissionais pode ser um fator limitante”, alerta. A disponibilidade de mão de obra preocupa também o setor privado, conforme expôs Marcelo Fiszner, que, além de coordenador da Comissão Setorial de PU da Abiquim, é também diretor de marketing para PU para a América Latina da Dow: “estamos fazendo um trabalho intenso com arquitetos e engenheiros, em parceria com fabricantes de painéis de PU, para apresentar o produto aos profissionais em um programa de educação”.

Apesar das vantagens em sustentabilidade e economia de energia e dos esforços para capacitar de mão de obra, o uso de produtos sustentáveis na construção civil ainda é pequeno, de acordo com Fiszner. Na opinião do chefe do Departamento de Energia da Unesp, professor José Alexandre Matelli, ainda há muito o que fazer para que seja consolidada uma cultura de edificações eficientes no Brasil. “A esmagadora maioria dos prédios existentes não são eficientes nem do ponto de vista térmico nem de iluminação. As instalações de ar condicionado dessas construções são, de modo geral, obsoletas e muito ineficientes. Portanto, há muitas oportunidades, não só para adequação de edifícios, mas também para projetos de novos prédios em consonância com os princípios de eficiência energética. Edificações eficientes consomem menos energia, o que alivia o sistema elétrico e contribui para tornar o fornecimento mais seguro”, conclui.
Adriana Silva Nakamura é jornalista e assessora de comunicação da Abiquim