Separação por membranas – Destaque para sua versatilidade em diferentes aplicações.

A versatilidade da ultrafiltração

Após ter comentado, nas colunas anteriores, as separações por membranas em osmose reversa e nanofiltração, com suas habilidades de separar certos tamanhos de moléculas e íons, descrevo agora a separação por membranas em ultrafiltração, procurando destacar sua versatilidade em diferentes aplicações.

A ultrafiltração (UF) é constituída por membranas usualmente utilizadas para separar água e microssolutos de macromoléculas e coloides nela existentes.

A Figura 1 representa de maneira esquemática a estrutura de uma membrana utilizada em UF.

Ela possui uma fina superfície com poros na faixa entre 0,01 e 0,05 µm, responsável pela separação dos constituintes da solução ou suspensão, que se apoia em um substrato de porosidade maior que lhe oferece suporte mecânico.

Química e Derivados, Ponto Crítico - Figura 1: Esquema de membrana de ultrafiltração
Ponto Crítico – Figura 1: Esquema de membrana de ultrafiltração

Conforme já pudemos comentar em colunas anteriores, a escolha de um sistema de separação por membranas nunca deve ser simplificada, assim, quando se lê que uma membrana de UF tem habilidade de separar macromoléculas com massa molecular (MM) superior a 10.000 Daltons, isso é meia verdade.

O potencial usuário deve estar atento ao fato de que outros aspectos também são fundamentais.

Neste caso, destacamos como acréscimo a forma da macromolécula. Aquelas de formato globular, representadas na Figura 1 em cor laranja, como proteínas com MM de cerca de 35.000 Daltons, apresentam retenção da ordem de 90%, enquanto as macromoléculas de polímeros lineares, representadas na mesma figura em cor preta, com MM da ordem de 100.000 Daltons, não são retidas, pois “escorregam” facilmente pelos poros da membrana. Outro aspecto a chamar a atenção é o pH da solução, pois alguns polieletrólitos são retidos em certa faixa de pH e passam pela membrana em outra faixa, dadas as mudanças em suas configurações geométricas em função do pH da solução.

Pela natureza das macromoléculas retidas, com seu alto peso molecular, a questão da incrustação deve ser observada cuidadosamente.

A Figura 2 esquematiza um elemento de UF mostrando as componentes de velocidade axial do concentrado e radial do permeado, representadas por setas marrons.

Conforme já explicado, nas proximidades da superfície de separação, a concentração de macromoléculas é elevada, o que constitui a polarização da membrana e a consequente diminuição da vazão de permeado.

Química e Derivados, Ponto Crítico - Figura 2: Esquema de elemento de UF
Ponto Crítico – Figura 2: Esquema de elemento de UF

Como a velocidade axial nas proximidades da superfície de separação é muito baixa, fica difícil remover esta concentração de macromoléculas nesta posição. Para mitigar este inconveniente, adotam-se operações com as maiores vazões de alimentação possíveis, de maneira que aumentem a turbulência do escoamento no interior do elemento filtrante e, assim, “carreguem” mais facilmente as macromoléculas retidas e também efetuem procedimentos de limpeza, de forma que se obtenha o maior volume processado no ciclo de operação e limpeza.

Essa estratégia operacional justifica a concepção de estágios de UF em série em vez de um único estágio.

Observe a Figura 3: ela representa um processo de ultrafiltração em dois estágios.

A bomba de cada estágio aspira uma mistura composta pela vazão de recirculação e pela vazão de alimentação, que, por sua vez, na região de descarregamento, é dividida pela ação de válvulas em uma corrente que alimenta a membrana de UF e outra que alimenta o próximo estágio ou é a corrente de concentrado final.

Química e Derivados, Ponto Crítico - Figura 3: Esquema de processo de UF
Ponto Crítico – Figura 3: Esquema de processo de UF

Está configuração pode parecer estranha, dando a impressão de que não haveria um tratamento controlado na corrente de concentrado final. Por exemplo, suponhamos que a corrente de alimentação inicial possua uma concentração de 1% da macromolécula a separar e que a corrente de concentrado final deva chegar a 8%. Pelos motivos anteriormente citados, as vazões através das membranas de UF são da ordem de cinco a dez vezes maiores do que aquelas utilizadas na osmose reversa.

Este é o fator de multiplicação utilizado com relação à vazão de alimentação. Em nosso exemplo, no primeiro estágio, a mistura da vazão de recirculação com a de alimentação elevaria a concentração da mistura para aproximadamente 3%, e 75% do permeado seria removido neste estágio. No segundo estágio, a mistura da vazão de recirculação com a vazão de alimentação faria com que a bomba aspirasse uma corrente com concentração de 8%, ou seja, a vazão de recirculação vem em concentração de 9% se sua vazão for de cinco vezes a vazão de alimentação, e 25% do permeado seria removido neste estágio.

Este desenvolvimento técnico possibilita que os dois módulos de UF apresentem uma área de cerca de 60% da área de filtração necessária para se conduzir a mesma operação em um único estágio, em razão da menor polarização das membranas operando em dois estágios.

Claro que três estágios teriam um desempenho ainda melhor. Todavia, o melhor número de estágios em uma determinada situação é balanceado pelo custo de bombeamento, cuja potência cresce com o número de estágios e, aproximadamente, em cada estágio, com o cubo da vazão utilizada, isto é, linearmente com a vazão e com a pressão, sendo que esta última aumenta proporcionalmente com o quadrado da vazão.

A Tabela 1 mostra a composição porcentual, apresentada por W. Eykamp [1], de custos de investimento, manutenção e operação de sistemas de UF, da qual destacamos os valores para as bombas e sua operação.

Química e Derivados, Ponto Crítico - Tabela 1: Valores de referência de capital investido
Ponto Crítico – Tabela 1: Valores de referência de capital investido

Em virtude dos custos, a UF ainda não é utilizada em larga escala no tratamento de efluentes industriais, todavia encontra grande número de aplicações no processamento de correntes fluidas industriais com componentes de valor.

O processo de pintura de metais por eletrodeposição utiliza uma emulsão de pigmentos com carga elétrica em água. A peça metálica é conectada a um terminal elétrico de polaridade oposta àquela do pigmento e imersa na emulsão.

Aplicando-se uma voltagem entre o tanque e a peça metálica, cria-se um campo elétrico que movimenta o pigmento para a sua deposição sobre a peça metálica.

Após o tempo de residência especificado, a peça é removida e imersa em um conjunto de banhos de lavagem para remoção do excesso de pigmento. Neste procedimento, um conjunto de impurezas iônicas é arrastado do banho de pintura para a lavagem. A contínua circulação da água dos tanques de lavagem por um sistema de UF permite obter um permeado que retorna ao tanque de lavagem isento de pigmentos, embora com impurezas iônicas e uma corrente levemente concentrada em pigmento que retorna ao tanque de pintura.

Sem dúvida, uma das maiores aplicações da UF se encontra na produção de queijos.

Na fabricação deste laticínio, o leite é coagulado pela precipitação de suas proteínas. O sólido assim formado é enviado ao processo de fermentação, do qual o soro sobrenadante deve ser separado. O soro contém praticamente a totalidade dos sais e açúcares presentes no leite original e um quarto da proteína. Por ser inadequado como produto alimentício, constitui um problema de descarte ambiental. Um processo utilizando UF desenvolvido por Maubois e outros [2] processa o leite, o que gera um concentrado que aumenta a fração das proteínas usadas como queijo e reduz a presença das mesmas no permeado, ou seja, transforma-se o que seria rejeito em produto, ao mesmo tempo em que se reduz a carga de efluente a ser tratada antes do descarte final.

A produção de vinho também se revelou um campo no qual a UF levou uma grande contribuição. Na concepção tradicional, a filtração de vinho é realizada em uma camada filtrante de terra diatomácea. O filtrado, por sua vez, deve ser submetido a uma etapa de esterilização para controlar eventual contaminação resultante da etapa anterior e, então, ser engarrafado. Ora, a terra diatomácea constitui um problema ambiental de descarte custoso.

O uso da UF no lugar da terra diatomácea elimina a etapa de esterilização, permitindo o engarrafamento imediato do permeado e seu concentrado constitui um efluente líquido de mais fácil tratamento do que resíduos sólidos.

Muitas outras aplicações de UF são descritas por Cheryan e Alvarez [3]. Na próxima coluna, tratarei da microfiltração.

Para saber mais, recomendo:

[1] W. Eykamp, Microfiltration and Ultrafiltration, in Membrane Separation Technology: Principles and Applications, R. D. Noble and S.A. Stern (eds), Elsevier Science, Amsterdam, (1995).
[2] J. L. Maubois, G. Mocquot and L. Vassal, Preparation of Cheese Using Ultrafiltration, US Patent 4,205,080 (1980).
[3] M. Cheryan and F. R. Alvarez, Food and Beverage Industry Applications, in Membrane Separation Technology: Principles and Applications, R. D. Noble and S.A. Stern (eds), Elsevier Science, Amsterdam (1995)

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