Separação por membranas – Características da microfiltração
Esta coluna encerra a série sobre separação por membranas. Desde a edição de julho deste ano, mostrei um pouco desta tecnologia que se revela cada vez mais promissora para a resolução de inúmeros problemas de processos químicos. Procurei esclarecer e chamar a atenção do gerente industrial para os diferentes detalhes da osmose reversa, nanofiltração, ultrafiltração e, agora, da microfiltração. Acredito que as informações aqui veiculadas, somadas à rica literatura existente, citada aqui por mim, ajudarão o leitor a melhor se posicionar quando estiver envolvido com esta questão.
A microfiltração (MF) constitui uma das classes de separação por membranas com uma porosidade na faixa de 0,1 a 0,2 µm. São muito utilizadas para separar material particulado em suspensão com tamanhos entre 0,1 e 10 µm. A MF é a fronteira com os filtros convencionais, sendo apontada sua aparição como dispositivo comercial em 1926.
Os dispositivos de MF operam em duas formas de escoamento. A primeira, denominada “em linha”, é esquematizada na Figura 1A. O equipamento é bem simples e nele toda a vazão de alimentação da suspensão atravessa a membrana. À medida que o material particulado se acumula na superfície da membrana, a vazão de processo diminui para uma pressão constante de operação, e, a partir de certa vazão mínima de operação, o elemento filtrante é substituído. Em alguns modelos, a operação é interrompida e se promove um fluxo reverso, chamado retrolavagem, que destaca boa parte do material particulado aderido à superfície da membrana. Finda esta operação, o escoamento volta ao sentido original. A MF “em linha” é uma boa opção para suspensões com no máximo 0,1% de sólidos em suspensão.
A segunda forma de escoamento em MF, esquematizada na Figura 1B, é denominada de “fluxo cruzado”. Neste caso, o equipamento é mais complexo que o anterior, porém pode processar muito bem suspensões com concentração de sólidos da ordem de 0,5% durante largos períodos de tempo antes de uma parada para limpeza, pois a contínua remoção do concentrado diminui sobremaneira a taxa de deposição do material particulado sobre a superfície da membrana.
Uma utilização importante da MF, entre outras, é para água potável das redes municipais. Neste caso, a sua capacidade de reter micro-organismos é crítica e esta característica está ligada ao tamanho de seus poros. Assim, a possibilidade de detectar eventuais defeitos de fabricação da membrana se torna importante. Como a medição direta do tamanho dos poros é complicada, certas bactérias de tamanho conhecido são utilizadas e testes com medidas da concentração da bactéria na solução de alimentação [Cf] e no permeado [Cp] são efetuados. Estas duas medições permitem que se calcule um índice denominado LRV – Log Reduction Value, igual ao log(Cf/Cp). Em filtração de águas municipais nos EUA, para aprovação da membrana, é requerido um LRV acima de quatro, já a indústria farmacêutica e a de eletrônica requerem LRV superior a sete. Outro parâmetro importante na caracterização do tamanho dos poros de membranas de MF é o chamado “bubble point pressure”, cujo princípio é esquematizado na Figura 2. Uma membrana em um suporte é embebida em água, caso seja hidrofílica, ou em metanol, caso seja hidrofóbica, mantendo-se um pequeno filme de líquido sobre ela. Na câmara inferior é introduzido ar cuja pressão vai sendo lentamente aumentada enquanto a superfície superior do filme de líquido é observada. No momento em que surgem as primeiras bolhas de ar no filme de líquido, a pressão do ar é anotada como a “bubble point pressure” daquela membrana. A partir dele o raio do maior poro é estimado por uma expressão que incorpora, além daquele valor, a tensão superficial do líquido e o ângulo de contato líquido/sólido.
Os sistemas de MF “em linha” apresentam a vantagem de custo menor de aquisição em relação aos “em fluxo cruzado”, porém a questão da substituição do elemento filtrante ou o tempo de execução da retrolavagem, que tira o sistema de operação, encarece o seu uso. Uma recomendação provinda dos estudos de Porter [4] prevê a utilização de elementos de filtração em série com porosidades diferentes. A Figura 3 esquematiza um exemplo em que o primeiro estágio de filtração possui uma membrana com porosidade de cinco a 50 vezes maior do que o segundo estágio, no qual a membrana apresenta uma porosidade de 0,1 a 0,2 µm. Porter [4] recomenda que a escolha da porosidade da membrana do primeiro estágio seja feita com muito critério. A Figura 4, adaptada de seus estudos, mostra quatro gráficos da variação da pressão por meio do elemento filtrante com vazão constante em função do volume de filtrado produzido. Na parte (a) é apresentado o que ocorreria se apenas o segundo estágio estivesse presente: as partículas mais grossas da suspensão entupiriam o filtro rapidamente. Na parte (b), o primeiro estágio foi escolhido com uma porosidade muito grande, como consequência, a queda de pressão neste primeiro estágio se altera muito pouco e o segundo estágio apresenta uma diminuição de pressão muito pequena em relação à situação em que o primeiro estágio não existe. O item (c) mostra o caso inverso, no qual o primeiro estágio possuiu uma porosidade muito pequena e por isso a subida de pressão ao longo da operação é mais rápida do que a do segundo estágio. Finalmente, o item (d) mostra uma situação em que a porosidade do primeiro estágio está corretamente balanceada para a particular suspensão, permitindo gerar um volume significativo de filtrado antes da parada para substituição ou limpeza. Este estudo reforça ainda mais todas as recomendações listadas nas colunas publicadas nos meses anteriores sobre as informações preliminares que devem ser levantadas pelo gerente industrial antes de especificar esses sistemas.
As unidades de MF em “fluxo cruzado” também podem ser fornecidas com sistemas que permitam retrolavagens de um a dois minutos de duração, em intervalos de uma a duas horas, ou mesmo em pulsos de retrolavagem de alguns segundos em intervalos de poucos minutos.
As unidades de MF em “fluxo cruzado” requerem maior investimento do que as “em linha”, porém seu custo operacional é menor. As unidades de “fluxo cruzado” se revelam mais adequadas a suspensões com maior concentração de sólidos, enquanto as suspensões diluídas podem ser convenientemente tratadas com sistemas “em linha”.

A grande quantidade produzida de membranas para MF faz seus preços serem menores do que os praticados para as membranas de OR, NF e UF. O volume de uma solução/suspensão que pode ser tratado por certa área de membrana de MF depende da concentração de particulado na suspensão. Um estudo realizado por W. Hein [5] apresenta valores de vazão em m³/m² para membranas de MF com porosidade nominal de cinco µm até a lavagem, alguns exemplos são mostrados na Figura 5.
A MF é utilizada na indústria farmacêutica para a produção de medicamentos injetáveis, em que existe a preocupação da retenção de eventuais bactérias presentes na solução. Na indústria de vinho e cerveja, o objetivo da MF é remover células de levedura ainda presentes no produto, como também uma redução da concentração de bactérias em até um milhão de vezes – para tal, membranas de MF com porosidade média de 1 µm são usadas. Nos EUA, as membranas de MF são utilizadas no tratamento de água potável com a finalidade de reduzir as concentrações de bactérias, como a giárdia, e também de alguns vírus.
Nesta série de separação por membranas, muito mais ainda poderia ser escrito. Felizmente, a literatura é farta e o leitor pode complementar seus conhecimentos com as indicações feitas no campo “para saber mais”. Todavia, a sequência de colunas sobre este assunto mostrou o suficiente para revelar como esta tecnologia pode ser a solução tecnicamente adequada para inúmeros problemas de processo, e também que cogitar seu uso em uma situação não é uma tarefa simplificada. Espero ter auxiliado o leitor a conduzir as diferentes etapas que envolvem a escolha de uma separação por membranas em seu processo.
[1] T. H. Meltzer, Filtration in the Pharmaceutical Industry, Marcel Dekker, New York (1987).[2] T. D. Brock, Membrane Filtration: a user’s guide and reference, Science Tech., Madison, WI (1983).
[3] R. E. Williams and T. H. Meltzer, Membrane Structure, the bubble point and particle retention, Pharm. Technol. 7 (5), 36, (1983).
[4] M.C. Porter, Microfiltration, in Handbook of Industrial Membrane Technology, M. C. Porter (ed.), Noyes Publications, Park Ridge, NJ (1990).
[5] W. Hein, Mikrofiltration. Verfahren fur kritische Trenn-unde Reinigungsprobleme bei Flussigkeiter und Gasen, Chem. Produkt.
November (1980).