Novo Marco Legal de Saneamento Vai Estimular Investimentos e Tecnologias
Saneamento: Esperado para este ano, novo marco legal vai estimular investimentos e tecnologias

O mercado de serviços, equipamentos e sistemas para saneamento ambiental – em água, efluentes e resíduos – tem motivos para acreditar que 2020 pode ser um bom ano ou, pelo menos, o início de um período mais animador.
A motivação central é a disposição do governo federal em alavancar investimentos em infraestrutura, a exemplo da praticamente certa aprovação do marco regulatório do saneamento básico, mais favorável à participação privada, e também no apoio inédito a soluções de recuperação energética de resíduos, que tem potencial de movimentar uma cadeia importante de fornecedores.
O novo marco regulatório do saneamento, o PL 4162, está em apreciação no Senado Federal, depois de ter sido aprovado em dezembro na Câmara dos Deputados.
A previsão de quem acompanha de perto o seu longo e complicado trâmite é de que, no cenário otimista, ele seja definitivamente aprovado, sem mudanças importantes, até abril e, no pessimista, em junho.

Esta é a opinião, por exemplo, de Percy Soares, diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços de Água e Esgoto (Abcon).
“A aprovação do PL aumentará a participação privada e o fluxo de investimentos, melhorando muito o ambiente de negócios ”, disse Soares.
A grande vitória para o setor privado nesse PL é instituir a obrigatoriedade de licitações para que as concessionárias privadas disputem a concessão dos serviços em municípios com as estatais, quando ao término de seus contratos de programa, figura que até o momento transfere a execução dos serviços municipais de saneamento para empresas púbicas dos governos estaduais e que será extinta com o novo marco.
Apesar de ter regras de prestação e tarifação, os contratos permitem que as estatais assumam os serviços sem necessidade de licitação.
Esse item polêmico gerou um acordo político no Congresso, capitaneado por governadores do Nordeste. Por ele, os contratos de programa em vigor serão mantidos até março de 2022, podendo ser prorrogados por 30 anos, desde que se comprove a viabilidade econômico-financeira, com as empresas demonstrando via cobrança de tarifas e contratação de dívida a possibilidade de se manterem durante o contrato, sem subsídios.
Além disso, os contratos de programa, para serem prorrogados, deverão se comprometer com metas de universalização até o fim de 2033, quando precisarão atingir cobertura de 99% para abastecimento de água e de 90% para coleta e tratamento de esgoto.
Constam como critérios exigidos também a não interrupção dos serviços, controle e redução de perdas e melhorias no tratamento. Caso as metas não sejam atendidas, um sistema de verificação contínuo pelo órgão regulador poderá aplicar sanções.
Para Soares, com a permissão para disputar com as estatais as concessões de municípios e de blocos de municípios (formados pelos estados e cujos participantes aderem de forma voluntária), a participação privada supre a demanda de investimento e de qualidade de gestão. Segundo ele, a contratação com o setor privado tende a ser mais simples e menos burocrática.
“Pode ser uma negociação mais dura, mas é baseada em contratos e com penalidades para evitar inadimplência, o que vai ter um impacto positivo para toda a cadeia de fornecedores do setor ”, diz.
Na sua opinião, os fornecedores com tecnologias inovadoras, mesmo que sejam mais caras, tendem a ter oportunidades com as concessionárias privadas, já que estas não são comprometidas com o menor preço, como é a base da lei de licitações públicas 8.666.
Além disso, as privadas também costumam formar parcerias de pesquisa e desenvolvimento com os fornecedores.
Depois de ser votado e aprovado pelo Senado, o PL retorna para a Câmara dos Deputados, sua casa de origem, para análise de alterações e encaminhamento final para sanção ou veto do Presidente da República. Como é fruto de longa e complexa discussão, e de costuras políticas e legislativas, a probabilidade é grande de todos esses pontos mais importantes serem mantidos.
Outro ponto que deve ser mantido no novo marco é a renovação do papel da Agência Nacional de Águas (ANA), que passará a ter função de reguladora nacional, condicionando à subordinação a suas regras o acesso a dinheiro público para obras.
Aliás, o projeto de lei também acaba com o limite de participação do dinheiro federal em estruturação de PPPs, hoje de R$ 180 milhões, para incentivar essa modalidade para estados e municípios.
Já em 2020: A expectativa por uma nova era de negócios já contagia os fornecedores do saneamento.
Para a presidente do Sindicato Nacional das Indústrias de Saneamento Básico e Ambiental (Sindesam), Estela Testa, o cenário conjuntural dá motivos para esperar um bom 2020, sem depender ainda da validação do marco regulatório.

Na sua análise, o otimismo dos empresários do ramo é fruto da combinação de demanda represada da universalização dos serviços de água e esgoto – segundo o Instituto Trata Brasil, de R$ 508 bilhões até 2033 – com o ambiente macroeconômico favorável, com previsão de crescimento do PIB de 2,32%, conforme estima a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia.
Para Estela, o Governo Federal deve priorizar os investimentos no setor de saneamento, historicamente sem apoio. “Hoje os números são alarmantes, 48% da população não têm serviço de coleta de esgoto e 35 milhões de brasileiros vivem sem abastecimento de água tratada ”, diz.
Aliás, o BNDES tem anunciado que o saneamento é prioridade nos investimentos do banco público.
Com o novo marco regulatório, a expectativa da presidente do Sindesam é de provocar um impacto positivo na prestação de serviços de saneamento com maiores investimentos em coleta e tratamento de esgoto. “Mas, como o novo marco exigirá a aprovação dos editais de concessão para posteriormente os serviços serem iniciados, então os reflexos deverão ficar para 2021 ”, prevê.
Em 2019, a projeção do Sindesam é de desempenho positivo, com avanço médio de 5% na receita, em comparação com o ano anterior, principalmente por conta do ambiente macroeconômico favorável. Além do saneamento básico, a atividade industrial continua a ser importante para o setor. O setor automotivo teve boa demanda em 2019, assim como o de papel e celulose, com alguns projetos de ampliação, como o da Bracell em Lençóis PaulistaSP, um investimento total de R$ 6 bilhões.
Resíduos: Outra área de serviços e tecnologias ambientais com promessa de se estabelecer no país com uma nova era de investimentos é a de recuperação energética de resíduos.
A solução, principalmente baseada em tecnologias térmicas, está na pauta do governo federal, por meio do Programa Lixão Zero, foi recentemente qualificada pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e passou a contar com portaria interministerial para regulamentar a atividade, a 274, de 30 de abril de 2019.
Essas manifestações por parte do governo têm animado competidores, que há anos esperam os projetos saírem do papel, principalmente os de grande porte, de usinas térmicas com incineração direta do lixo. Outro sinal relevante das boas perspectivas para o setor foi a inauguração no ano passado da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos, a Abren, que defende o interesse dos investidores e empresas do setor, formado pelas tecnologias não só de incineração, como de gaseificação, pirólise e aproveitamento de biogás.
Para o presidente da Abren, Yuri Schmitke, há várias sinalizações positivas de que o governo federal quer incentivar a destinação adequada para os resíduos sólidos urbanos. É exemplo a instituição do decreto 10.117, de 19/11/2019, que qualificou a solução térmica para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), prevendo ainda a criação de comitê interministerial para votar se as usinas candidatas são elegíveis ao PPI. Nesse sentido, aliás, a Abren pede que tenha no comitê um membro do Ministério de Minas e Energia, para que se leve em conta a introdução dessas usinas como parte importante da matriz energética nacional.

Por conta do panorama favorável, já há novo projeto de grande porte em elaboração no município de Mauá, na região metropolitana de São Paulo, sendo licenciado pelo órgão ambiental paulista.
Trata-se de usina térmica para ser instalada no aterro da concessionária privada responsável pelos serviços de varrição, recolhimento e destinação de resíduos sólidos urbanos de Mauá.
O Aterro Sanitário Lara recebe lixo ainda de mais oito municípios: São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Itanhaém, Ferraz de Vasconcelos, Juquiá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
A usina foi projetada para receber 3 mil t/dia de lixo, em três turnos, que hoje são compactados no aterro. A ideia é fazer triagem e preparação dos resíduos – aproveitando os recicláveis e fazendo compostagem do que for possível – para queima nas grelhas do sistema e aproveitamento do calor para que caldeiras gerem vapor para duas turbinas, em sistema de geração de energia com capacidade total de 77 MW.
Além disso, projeto em Mauá também prevê captação e aproveitamento do biogás do aterro em operação há 20 anos e que tem menos de dez anos de vida útil.
O investimento previsto é de quase 1 bilhão de reais e será bancado com dinheiro privado, com engenharia financeira a ser estruturada pelo grupo Lara Ambiental, depois de recebida a licença de instalação pela Cetesb.
Como esse mercado é ainda quase inexistente no Brasil, muito por conta de muitos anos de campanhas contrária aos incineradores – apesar de mundialmente mais de 2 mil usinas do tipo estarem em atividade, principalmente em países desenvolvidos –, a Abren está realizando, por solicitação da Secretaria de Planejamento da Infraestrutura, trabalho de parceria com vários órgãos do governo, entre eles o BNDES e ministérios.
Segundo Schmitke, o propósito é apresentar, entre outas questões, a modelagem econômico-financeira das diversas tecnologias de usinas WTE, (waste to energy) para auxiliar o Ministério de Infraestrutura no planejamento e também apoiar diversas outras entidades na gestão de resíduos sólidos urbanos.
O movimento é mais do que oportuno. Isso porque, caso o Brasil aproveite 35% do seu lixo para gerar energia com as tecnologias térmicas, de acordo com a Abren, seria possível acrescentar 1.300 GWh/mês à rede de energia.
E, de quebra, ajudaria a se resolver o imenso passivo ambiental de aterros e lixões, que recebem quase a totalidade das 80 milhões de toneladas por ano de resíduos sólidos urbanos do país.
Projeto de Lei
Vale também como sinal positivo para o setor de recuperação energética de resíduos o projeto de lei que a Abren trabalha para ser publicado para discussão inicialmente no Senado, por meio do senador Fabiano Contarato, que assumiu as propostas.
A ideia é propor mudanças na Política Nacional de Resíduos Sólidos, a lei 12.305/2010, com vista a incentivar a recuperação energética.
Entre as alterações do pretendido novo marco regulatório, o PL sugere a inclusão de definições de aterro sanitário, recuperação energética e tratamento térmico, colocando a tecnologia de recuperação como a única ambientalmente adequada. Propõe a redução de biodegradáveis em aterros (75%, 50% e 35%, em 15 anos), a prioridade e remuneração adequada para a recuperação energética de RSU e a inclusão da solução no plano municipal e a concessão de benefícios financeiros e tributários.
Um ponto também considerado importante é a instituição de cobrança de tarifa de tratamento de resíduos na conta de água ou luz. Aliás, a Abren defende ainda a extinção da Taxa de Limpeza Pública (TLP), hoje cobrada junto com o IPTU, para criar a tarifa (preço público), cobrada na conta de água, proposta feita para inclusão também no novo marco regulatório do saneamento, em apreciação no Senado. A substituição da taxa por tarifa é importante para obtenção de financiamentos de longo prazo, que pode então ser apresentada como garantia nos empréstimos, afirma o presidente da Abren.
Além disso, os municípios e o Distrito Federal deverão, pelo projeto, passar a cobrar tarifas sobre outros serviços de asseio urbano, como poda de árvores, varrição de ruas e limpeza de estruturas de drenagem de água da chuva. Se não houver essa cobrança depois de um ano da aprovação da lei, isso será considerado renúncia de receita e o impacto orçamentário deverá ser demonstrado. Esses serviços também poderão integrar as concessões.
Para finalizar, o projeto de lei estende os prazos da PNRS para as cidades encerrarem os lixões a céu aberto. Os novos prazos seriam 2021, para capitais e suas regiões metropolitanas, e até 2024, para municípios com até 50 mil habitantes.
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