Saneamento – Concessões privadas ganham força com marco regulatório e PPPs

É difícil encontrar na história brasileira época mais favorável para investimentos privados no saneamento como a atual. Para começar, finalmente o mercado convive sob o ordenamento de um marco regulatório, estabelecido em 2007 e regulamentado neste ano, e que veio dar mais segurança jurídica aos operadores. Junte-se a esse fator fundamental motivos mais objetivos, de financiamento do setor, e o cenário alvissareiro fica completo: as parcerias público-privadas (PPPs) facilitam as associações entre estado e investidores privados e o PAC, o programa de aceleração do crescimento, do governo federal, reserva parte de seus recursos para incentivar as concessionárias privadas de saneamento.

Química e Derivados, Saneamento

Química e Derivados, Yves Besse, Abcon, governo não promoveu legislação
Besse: cidades ainda não têm planos de saneamento

E, embora de maneira ainda bem paulatina, essa participação privada realmente evolui: atingia 6% imediatamente antes da sanção das diretrizes do marco regulatório do setor – expressas na Lei 11.445, de 2007, também chamada de Lei do Saneamento Básico –, e hoje abrange 10% da população urbana do país.

Inicialmente, previa-se uma expansão mais acelerada, reconhece Yves Besse, presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon):

“Mas toda legislação nova precisa de um tempo de maturação, e o próprio governo em um primeiro momento não promoveu essa legislação”, ele pondera.

Já estão, porém, diz Besse, solucionadas várias pendências antes inibidoras do investimento privado; por exemplo, a definição da titularidade dos serviços de saneamento, hoje reconhecidamente em poder dos municípios (discute-se agora essa titularidade apenas nas regiões metropolitanas).

Mas ainda há dificuldades. Uma delas: embora os responsáveis pelo saneamento público sejam os municípios, as verbas geralmente provêm do governo federal, e muitas vezes demoram a chegar a esses titulares dos serviços.

E também, prossegue Besse, é necessário regularizar diversos contratos antigos estabelecidos entre companhias estaduais e municípios, muitos pouco explícitos ou mesmo informais: São Paulo, a maior cidade do país, embora o delegasse à Sabesp já há décadas, apenas em junho último assinou com essa empresa controlada pelo governo paulista o contrato referente à prestação desse serviço.

Além disso, é pouco cobrado o cumprimento de medidas exigidas pelo marco regulatório do setor; entre elas, a obrigatoriedade de elaboração de planos municipais de saneamento básico. “Apenas uns 10% das cidades já têm esses planos”, estima Besse. “E apenas 10% das agências reguladoras previstas pela lei já estão em operação”, ele acrescenta.

Química e Derivados, Newton Lima Azevedo, Foz do Brasil / ABDIB, investimento em saneamento
Azevedo cobra vontade política dos governos

Newton Lima Azevedo, vice-presidente da controladora de concessões Foz do Brasil e da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), solicita do poder público mais “vontade política” para o pleno aproveitamento do ambiente jurídico e institucional hoje mais favorável ao investimento em saneamento. “Esse processo nem sempre é fácil do ponto de vista legal, pode enfrentar dificuldades operacionais ou oposição, mas o poder concedente precisa querer universalizar os serviços de água e esgoto, e hoje ele tem todos os mecanismos para isso”, ele argumenta.

Para Josemar Esteves Martins, diretor de desenvolvimento da Solvi – empresa controladora da concessionária Águas do Amazonas, de Manaus –, há necessidade de amadurecimento, no setor público, de uma cultura capaz de considerar mais atentamente a possibilidade de atuação conjunta com a iniciativa privada: “Ainda há no Brasil uma cultura estatizante.”

Solução conjunta – Atentas ao aumento da presença da iniciativa privada, grandes companhias estaduais de saneamento se movimentam para manter – e se possível ampliar – suas posições no mercado do saneamento. Entre elas, destaca-se a Sabesp – empresa de economia mista com ações negociadas em bolsa, mas com o governo paulista como detentor da maior parte do capital –, que hoje atende cerca de 65% dos aproximadamente 40 milhões de habitantes do estado de São Paulo, e desde o ano passado conta com uma diretoria dedicada à geração de negócios.

Química e Derivados, Josemar Esteves Martins, Águas do Amazonas / Solvi, cultura estatizante
Martins: poder

Responsável por essa diretoria, Nilton Seuaciuc afirma trabalhar com uma diretriz básica: “Queremos manter todos os municípios nos quais já atuamos; caso algum deles decida não renovar automaticamente o contrato que mantém conosco, a Sabesp então participa da respectiva concorrência.”

De acordo com Nilton, tal diretriz deve ser mantida até haver a universalização dos serviços de água e saneamento no estado de São Paulo. Na região da Grande São Paulo, por exemplo, 100% da população já conta com abastecimento de água, mas os serviços de coleta e tratamento de esgotos atingem, respectivamente, 85% e 73% dos habitantes (a meta é elevar esses índices, até 2015, para 87% na coleta e 84% no tratamento). Após conseguir atender todos os paulistas, a Sabesp poderá ampliar sua atuação para outras regiões.

Mas se por enquanto não disputa concessões em outros estados, em alguns deles a Sabesp já obtém receitas por meio de atividades de consultoria e prestação de serviços específicos. Há alguns meses, assinou com a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), um contrato no valor de R$ 25 milhões, com o qual se compromete a reduzir em pelo menos 15% as perdas de água na cidade de Maceió. E, em parceria com a consultoria Latin Consult, participou de concorrências – e as venceu – para a realização de serviços em dois países da América Central: Panamá e Honduras; somados, esses dois contratos têm valor superior a US$ 11 milhões.

Mas, assim como disputa mercado com investidores privados, a Sabesp também abre a eles a oportunidade de realização de novos negócios. Por exemplo, com a participação conjunta nas licitações: juntamente com a Foz do Brasil, venceu a disputa pelos serviços de água e saneamento da cidade de Mairinque, e em parceria com outras empresas – entre elas, o grupo de origem espanhola OHL, controlador de uma concessão no município de Ribeirão Preto – tornou-se responsável pelo tratamento dos esgotos de Mogi Mirim.

Química e Derivados, Nilton Seuaciuc, Sabesp, manter todos os municípios
Seuaciuc: Sabesp aderiu às PPPs e oferta serviços a terceiros

A Sabesp atualmente gera negócios para empresas privadas também com a estruturação de PPPs; já mantém uma parceria desse gênero com a CAB Ambiental, que se responsabilizou pela ampliação – de 10 mil para 15 mil litros por segundo – da capacidade de produção de uma unidade de tratamento de água que atende a 15% da população da região metropolitana de São Paulo. O contrato relativo a essa parceria, na ETA Taiaçupeba, em Mogi das Cruzes, foi assinado em 2008, e com ele a CAB passa a cuidar também de diversos serviços associados a essa estação, como manutenção, tratamento do lodo e detecção de vazamentos.

De acordo com Nilton, a Sabesp já detalhou os aspectos estruturais e financeiros de outras quatro PPPs: eles incluem projetos relativos à universalização dos serviços de esgoto no litoral norte do estado de São Paulo, e a ampliação do abastecimento de água potável na região de Sorocaba. “Mas a decisão sobre a continuidade desses projetos caberá ao próximo governo estadual”, ele ressalva.

Parcerias taylor made PPPs constituem uma alternativa interessante de desenvolvimento de soluções de saneamento, avalia Newton, da Foz do Brasil. Mas, segundo ele, “nesse mercado não há uma solução única, pois nele cada projeto deve ser exatamente adequado às especificidades da demanda para a qual é formatado”.

Atualmente, a Foz do Brasil participa de três PPPs: com a prefeitura de Rio Claro-SP, para serviços de esgotamento sanitário; com a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), na construção e operação de um sistema de disposição oceânica localizado em Salvador; e com a prefeitura da cidade fluminense de Rio das Ostras, onde construiu o sistema e opera o serviço de esgotamento sanitário. Nesses projetos, investiu quase R$ 750 milhões.

Além disso, essa mesma empresa tem as concessões plenas – água e esgoto – dos municípios paulistas de Limeira, Santa Gertrudes e Mairinque (esse último em sociedade com a Sabesp), e Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Também opera concessões parciais – apenas esgoto – em Mauá (SP) e Blumenau (SC). “Incluindo a população das cidades nas quais a Foz do Brasil participa de PPPs, cerca de 4,5 milhões de pessoas são atendidas pela empresa”, diz Newton.

Já a Águas do Amazonas, afirma Josemar Martins, oferece água tratada a praticamente toda a população de Manaus, estimada em cerca de 1,8 milhão de pessoas. Mas parte significativa desse público se beneficia “indiretamente” desse serviço, pois, segundo o diretor de desenvolvimento da empresa, é grande o número de ligações clandestinas.A penetração dos serviços de esgotos ainda é pequena na capital amazonense: a concessionária, conta Martins, comprometeu-se a ampliar a rede necessária a esse serviço, após a adesão prévia da população ao mercado formal de serviços de água: “Foi feita uma pesquisa, e a intenção de adesão foi de apenas 8%”, ele lamenta.

Química e Derivados, ETA de Paranaguá / CAB Ambiental
ETA de Paranaguá é gerida pela CAB Ambiental

Mais recursos – Juntamente com as PPPs, o PAC constitui outro ingrediente da atual receita de expansão dos serviços de saneamento no Brasil, e da participação da iniciativa privada nessa atividade. Afinal, anunciou verbas de R$ 10 bilhões por ano para o setor no período compreendido entre 2007 e 2010, e no chamado PAC 2 – de 2011 a 2014 –, esse valor sobe para R$ 11,5 bilhões anuais. “Estamos disponibilizando o necessário para a universalização do acesso aos serviços de saneamento”, afirma Leodegar Tiscoski, secretário nacional de saneamento ambiental.

Segundo ele, praticamente todo o montante de R$ 40 bilhões prometido pelo primeiro PAC para saneamento foi já disponibilizado: R$ 37,9 bilhões têm obras já contratadas, e os restantes R$ 2,1 bilhões se encontram em fase de contratação. Mas nem todos esses recursos foram já efetivamente creditados a quem deve recebê-los: “Isso depende da capacidade de execução dos proponentes, os estados, municípios e companhias de saneamento, que comumente enfrentam problemas de licenciamento ambiental, titularidade de área, aporte de contrapartida, ajustes de projetos, processos licitatórios, percalços técnicos da própria execução da obra, dentre outros”, ressalva Leodegar.

Por enquanto, estima Besse, apenas 30% das verbas disponibilizadas pelo PAC foram já efetivamente alocadas. Mas ele também reconhece terem crescido significativamente, a partir de 2007, os valores destinados a saneamento no Brasil: eles antes somavam cerca de R$ 2,5 bilhões por ano, e hoje se aproximam de R$ 4,5 bi anuais. Com isso, o investimento nacional no setor corresponde agora a 0,25% do PIB. Seria necessário elevar essa relação para 0,65% para levar água e esgoto a toda a população do país em um prazo de vinte anos. “Com o atual nível de investimentos, precisaremos de 45 anos”, observa o presidente da Abcon, também diretor-geral da controladora de concessionárias CAB Ambiental.

Química e Derivados, Gilson Cassini, Haztec / Abimaq, projetos para Copa de 2014 e Olimpíada de 2016 nem falam em saneamento
Cassini: PAC relega ao segundo plano grandes centros urbanos

Vantagens da parceria – O PAC constitui ferramenta de geração de negócios importante para o mercado nacional de saneamento, mas deixa uma lacuna, observa Gilson Cassini, superintendente operacional da empresa Haztec e presidente do Conselho de Saneamento da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq): privilegia comunidades nas quais praticamente não há esse serviço, e relega a segundo plano os grandes centros urbanos, onde sua oferta poderia melhorar sensivelmente com o uso de tecnologias mais modernas.

Atualmente, afirma Gilson, as concessionárias dessas grandes cidades quase não alocam mais nenhum recurso próprio em novas tecnologias de abastecimento e saneamento, e daqui a dez anos seu investimento deverá ser insignificante. “Os projetos desenvolvidos para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 nem falam em saneamento”, especifica.

Gilson qualifica tal quadro como “preocupante”, principalmente por causa da demora na conclusão de projetos de saneamento, que demoram do início até sua efetiva implantação de seis a oito anos. Como há cada vez mais escassez de água, esse longo tempo, muito influenciado por licitações e outras exigências legais, tem poder de criar problemas de ordem tecnológica: “Quando ocorre a implantação, a tecnologia utilizada pode já estar obsoleta”, argumenta.

As PPPs, acredita Gilson, podem constituir alternativas eficazes de solução desse impasse. Elas ainda são poucas, ele reconhece, mas as já existentes – assim como a expansão da quantidade de concessionárias privadas em operação no país – representam grande avanço. Além disso, medidas como a recente regulamentação da Lei 11.445 devem acelerar a velocidade de estruturação desse gênero de parcerias.

Mas, seja via PPPs ou outras modalidades de implemento dos projetos, a ampliação das verbas não é o único fator capaz de ampliar a quantidade e a qualidade do saneamento: deve haver também aplicação mais planejada e criteriosa dos recursos. Hoje, porém, “a estrutura de saneamento no Brasil está cheia de tubulações que ligam nada a nada, ETAs (Estações de Tratamento de Água) que não podem levar água para as populações porque não existem adutoras, ETEs (Estações de Tratamento de Esgotos) que não tratam esgoto nenhum porque não têm interceptores”, critica Besse.Além disso, ele prossegue, embora os poderes públicos trabalhem o saneamento principalmente como realização de obras, seu principal fundamento é a atividade de gestão, capaz, por exemplo, de reduzir as significativas perdas de água nas redes públicas “No Brasil, o índice de perdas nessas redes é de 41%. Diminuindo esse índice para 20%, conseguiríamos atender mais 40 milhões de pessoas. Essa redução exige principalmente gestão, em vez de obras”, destaca.

Mercado inexplorado – Ausentes do país há alguns anos, devem futuramente retornar ao Brasil as grandes multinacionais do mercado mundial de saneamento. Algumas aqui já estiveram – caso da francesa Suez, primeira exploradora das concessões das cidades de Limeira e Manaus –, mas após controvérsias e polêmicas com autoridades políticas e regulatórias saíram não apenas daqui, mas de vários países emergentes.

Esse retorno, crê Besse, ainda não aconteceu porque elas saíram há pouco tempo e ainda olham o mercado nacional com alguma desconfiança. “Mas o ambiente interno está agora muito bom, o Brasil é a bola da vez para investidores de diversos setores, e elas voltarão”, prevê.

Tanto essas multinacionais quanto os investidores brasileiros podem contar com um potencial de realização de negócios composto não apenas por concessões hoje trabalhadas por empresas públicas, mas também por um público no qual esse serviço ainda tem pouca penetração: atualmente 95% dos brasileiros têm serviço de água, mas a coleta e o tratamento de esgotos atingem, respectivamente, 49% e 30% da população. E mesmo quem já conta com água tratada enfrenta problemas: 40% convive com rodízio, e 25% recebe água não-potável. “Esses números são vergonhosos”, critica o presidente da Abcon.

Para Josemar Martins, da Solvi, o modelo mais eficaz para a melhoria desses indicadores é a parceria entre investidores privados e companhias estaduais de saneamento (o trabalho individualizado com os municípios seria menos interessante pela redução de escala). Tais parcerias, justifica, permitem ao poder público aliar sua responsabilidade na oferta desse serviço à gestão mais ágil e mais afinada das empresas privadas. “Por não precisar usar a legislação das concorrências, o setor privado consegue escolher rapidamente as melhores tecnologias, os melhores projetos e os melhores equipamentos”, destaca Martins.

Atualmente, revela a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, as concessionárias privadas de saneamento atendem cerca de 14 milhões de pessoas, moradoras de pouco mais de duzentos municípios de doze estados da federação. Até 2017, projeta a Abcon, aproximadamente 30% da população brasileira será atendida por essas concessionárias. Newton Azevedo, da Foz do Brasil, considera essa meta plenamente viável: “A sociedade quer mais saneamento, e existem hoje os recursos e o arcabouço jurídico e institucional necessários à ampliação dessa oferta.”

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