Reúso de Água – Refinarias da Petrobras mantêm planos para reaproveitar efluentes em caldeiras e torres de resfriamento

Oreúso de água em refinarias de petróleo é fundamental. Para cada litro de óleo processado, estima-se que um litro de água tratada seja necessário.
Com as dificuldades para se obter outorgas de novas captações, e em razão da própria indisponibilidade do recurso em muitas regiões onde ficam suas refinarias, a Petrobras compreende muito bem essa realidade e não foge à regra: há mais de uma década empenhou o esforço de vários técnicos do seu centro de pesquisas (Cenpes) e da engenharia para encontrar rotas adequadas de reaproveitamento de efluentes nas utilidades das refinarias.
O trabalho envolveu o estudo, a implantação piloto e projetos com as principais tecnologias empregadas globalmente em reúso de água, desde sistemas de polimento complementares à separação de óleo, como o filtro de casca de nozes, até sofisticadas estações de membranas de ultrafiltração, biorreatores com membrana e sistemas como a eletrodiálise reversa.
Refinarias como Regap, de Betim-MG; Revap, de São José dos Campos-SP; Repar, de Araucária-PR; Rnest, em Ipojuca-PE; e Reduc e Comperj, no Rio, além do próprio Centro de Pesquisas, o Cenpes, contam com sistemas já instalados ou em implementação (ver QD-470) e outras devem seguir para o mesmo rumo no médio prazo.
Depois de muitos estudos, segundo a coordenadora dos projetos de reúso e consultora sênior do Cenpes, Vânia Santiago, de forma geral, a Petrobras elegeu processos e rotas principais para ampliações e novas refinarias, que podem ser adequadas ou modificadas dependendo do efluente a ser tratado.

Segundo ela, o padrão é adotar primeiramente o filtro de casca de nozes, seguido por MBR, para daí abastecer uma ETA com carvão ativado e, por fim, seguir para a desmineralização por eletrodiálise reversa. Esta última tecnologia, que abate cerca de 80% dos sais, prepara a água industrial para torres de resfriamento. Se o objetivo for água para geração de vapor em caldeiras há ainda um polimento com resinas de troca iônica e leito misto.
Essa rota, por exemplo, está em pré-operação na ampliação da Repar, onde a água de reúso visará à geração de vapor, portanto contará com polimento de resinas, assim como na Refinaria do Nordeste, refinaria ainda em construção.
O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, que sofre vários atrasos por questões de licenciamento ambiental e econômicas, também já considera em seu projeto o sistema de reúso. Lá também será seguida a cartilha das outras refinarias, incluindo o MBR e a EDR para água de make-up de torre.
Na mineira Regap, está em operação há quase um ano o primeiro sistema com eletrodiálise reversa (EDR), fornecido pela GE Water and Process. Lá, 100% da água de reposição de torre de resfriamento da área de coque, uma vazão de 40 m3/h, é proveniente do efluente dessalinizado pela EDR. Apenas aí não foi contemplada a instalação dos biorreatores com membrana. O tratamento biológico é original da refinaria, por lagoas aeradas, acrescido de biodiscos para remoção de amônia e clarificação avançada (Actiflo), anteriores à desmineralização da EDR.
A eletrodiálise reversa, alternativa mais robusta de desmineralização, voltada para aplicações em que as exigências da água de saída não são muito severas (como torres de resfriamento), é um processo no qual os íons são transferidos, por meio de membranas, de uma solução menos concentrada para outra mais concentrada, via corrente elétrica direta. Uma célula é formada por um “sanduíche” de membrana catiônica, um espaçador e uma membrana aniônica. Para se formar o módulo (stack), junta-se um conjunto de células em forma de pilhas, com um cátodo metálico em uma extremidade e o ânodo em outra.
Ao se aplicar um potencial elétrico no sistema, os íons em solução são atraídos: os cátions para o cátodo e os ânions para o ânodo. Pelo mesmo princípio da eletrodeionização, os cátions atravessam as membranas catiônicas, mas são bloqueados pelas aniônicas. E o inverso ocorre com os ânions. No sistema, a polaridade dos eletrodos é invertida a cada 15 minutos (daí o “reversa” contido no nome da tecnologia), mudando os fluxos dentro dos módulos e permitindo o controle de deposições e incrustações em formação, sem a necessidade de regeneração química com ácidos, soda e anti-incrustantes. As EDRs fornecidas para a Petrobras têm sido até o momento da GE, mas a do Comperj foi vencida por uma nova qualificada, a empresa tcheca Mega.

Carretas – A continuidade dos projetos de reúso – apesar dos atrasos no cronograma de obras da empresa – parece estar garantida, analisando-se o planejamento da Petrobras na área. O sinal mais evidente foi a compra no último ano de duas carretas móveis com unidades piloto de reúso. A ideia é levar as unidades para qualquer refinaria, conectando-as nas correntes de efluentes com possibilidade de reaproveitamento, para assim testar qual a rota adequada entre as várias disponíveis nas carretas encomendadas pela Petrobras em concorrência vencida pela EP Engenharia, de Guarulhos-SP.
De acordo com Vânia Santiago, do Cenpes, além de ajudar na elaboração de novas rotas, as carretas também são importantes para otimizar os sistemas instalados ou em instalação. “A unidade piloto direciona principalmente o tratamento químico que auxilia e melhora o desempenho dos sistemas e equipamentos”, explicou. Foi por esse motivo que as carretas ficaram nesse primeiro ano de operação na Regap, para auxiliar na nova operação da EDR.
Segundo Rogério Toledo de Almeida, diretor da EP Engenharia, com as carretas é possível optar pela criação de 88 rotas de tecnologias para reúso. Isso é possível em virtude da adaptação das técnicas, em escala piloto, em duas carretas especialmente projetadas com plataformas laterais e salas de controle retráteis. Por sua vez, as unidades itinerantes foram divididas em quatro etapas de tratamento. Na primeira carreta, a etapa inicial foi projetada para remoção de sólidos e conta com sistema físico-químico de coagulação e floculação para decantação (para 3 m3/h); uma ultrafiltração com membranas tubulares de fibra oca da Siemens (2 m3/h); um sistema de filtros de areia (2,5 m3/h); e outro filtro de areia polarizada Polartack (2,5 m3/h). Esta última tecnologia utiliza areia coberta com resina acrílica fortemente negativa, criando diferença de potencial elétrico, o que permite além da retenção mecânica da areia a ação polarizada de remoção de sólidos, aumentando a capacidade do filtro.

A segunda etapa, ainda na primeira carreta, é responsável por testes piloto de tecnologias para remoção de carga orgânica. Nela há uma coluna de resina catiônica (2 m3/h), filtração por carvão ativado, torre descarbonatadora e vários sistemas de processo de oxidação avançada (POAs), em combinações que podem ser adotadas por meio do uso de dióxido de cloro, ozônio, radiação de ultravioleta e sistema Fenton (peróxido de hidrogênio + catalisador de Fe). No caso dos POAs, a Petrobras tem dado preferência a sistemas que combinam peróxido de hidrogênio, radiação ultravioleta e ozônio, em detrimento do Fenton. Mas de forma geral o custo dos POAs ainda é considerado elevado pela empresa.
Com os tratamentos da primeira carreta, os efluentes ficam livres de sólidos e orgânicos, mas ainda contam com sais dissolvidos. Na segunda carreta, foram instaladas as tecnologias de desmineralização. A terceira etapa contempla uma unidade de osmose reversa (com rejeito salino de 2 m3/h), outra de eletrodiálise reversa e dois vasos compactos de resinas catiônicas (1 m3/h) e aniônicas (1 m3/h). Após estas rotas, as tecnologias geram a chamada água industrial, que pode ser utilizada em alguns processos e em torres de resfriamento, por exemplo.
A quarta etapa na mesma carreta é a de polimento da água desmineralizada. Há nela um sistema de leito de troca iônica, de 0,5 m3/h, que reduz a condutividade para menos de 0,5 mS/cm e a sílica para menos de 20 ppb. Da mesma forma, há um eletrodeionizador (EDI), que mescla membranas e resinas em um módulo sob corrente elétrica e que realiza o mesmo polimento, de forma contínua e sem parada para regeneração. Ambos os sistemas, que podem ser comparados nas diversas rotas estudadas, para achar o ponto ideal em termos técnicos e econômicos, preparam água desmineralizada para uso em caldeiras de alta pressão.
O interessante do projeto das carretas é que todos os sistemas são automatizados, com isso os técnicos do Cenpes podem ter acesso a eles via remoto na sede no Rio de Janeiro. “Eles podem analisar full time os parâmetros e ao final chegar à conclusão de qual a melhor rota a ser adotada na recuperação do efluente, partindo posteriormente para o projeto em escala real”, explicou Toledo de Almeida.

POA na Petrobras – Na esteira dessas opções de fornecimento para reúso de água na Petrobras, e a despeito da puxada de freio nos investimentos (o principal projeto, no Comperj, do Rio, foi adiado por anos e enfrenta sérios problemas de licenciamento), muitas empresas ficam no aguardo das definições da estatal para participar das licitações, tanto direta como indiretamente, e para demonstrar suas tecnologias.
A inclusão dos processos oxidativos avançados (POAs) nas carretas, para serem avaliados como opções futuras, mesmo sabendo que a Petrobras ainda os considera caros, anima empresas da área como a Ecotech, de Valinhos-SP, proprietária de companhias especializadas em soluções ambientais, como a Tratch-Mundi (ver QD-520, abril de 2012), que detém patente do POA Fentox, desenvolvido originalmente pelo laboratório de química ambiental da Unicamp-SP.
Trata-se de processo Fenton (peróxido de hidrogênio + catalisador de ferro), que foi estabilizado para operar com pH variável e sem provocar aumento de temperatura, empregando também menos ferro como catalisador. Segundo o diretor de desenvolvimento da Ecotech, Washington Yamaga, embora sem revelar detalhes, o processo está em avaliação em dois projetos de refinarias como pré-tratamento de ETDIs (estação de tratamento de despejos industriais) biológicas.
De acordo com a coordenadora de pesquisa e desenvolvimento da Tratch, Carla Veríssimo, o Fentox nas refinarias está sendo estudado para abatimento de sulfeto e fenóis. Estes últimos são muito difíceis de ser tratados. “Acima de uma determinada concentração, o tratamento convencional biológico começa a complicar, porque os fenóis são tóxicos para as bactérias e as degradam”, disse Carla. O ideal, segundo ela, é destruir a molécula do resíduo, mineralizá-lo de modo definitivo, para se adequar à tolerância do tratamento biológico. “Muitos também tentam fazer uma transferência de fase por filtros, com carvão ativado, mas mais para frente vai haver a necessidade de dispor o resíduo em aterro”, completou Carla Veríssimo, doutora pelo laboratório de química do estado sólido da Unicamp.

A proposta da Ecotech é degradar os fenóis das refinarias, encontrados em altas concentrações em etapas produtivas. Em dois tanques na petroleira, um está tratando apenas o fenol e o outro, sulfetos e fenóis. Além desses dois primeiros projetos, Carla vê um potencial muito grande do POA para degradar fenóis em várias águas residuais de tanques de combustível. E com uma vantagem: o sistema também oxida, junto com os fenóis, todos os tipos de cadeias de hidrocarbonetos, como gasolina e BTEX, por exemplo. “E com o nosso catalisador patenteado podemos acelerar em muito a degradação, em comparação até mesmo com o Fenton convencional”, complementa.
Segundo Carla, há estudos na Petrobras que tratam em 100 horas reacionais o contaminante recalcitrante. Com o Fentox em análise, isso foi reduzido para 20 horas. E com mais aditivos para acelerar o processo (mantidos em segredo industrial), os estudos demonstraram queda para 14 horas reacionais. Nesse estudo, há a participação também de reatores especialmente projetados por empresa da Ecotech especializada em engenharia de equipamentos, a DPR Soluções Industriais. “Estamos trabalhando para reduzir o tempo para a oxidação, com equipamentos, aditivos e tecnologia de aplicação para operar em linha e não em bateladas”, completou o diretor da DPR, Edson Luiz de Oliveira.
Otimização – O direcionamento da Petrobras para o reúso, além de fomentar a implantação de estações completas, também cria uma demanda forte por serviços e produtos de otimização das unidades em operação. Há várias empresas com expectativa de incrementar seus negócios fornecendo soluções para melhorar a operação das unidades de reúso.

Um exemplo é a Nalco, pertencente ao grupo norte-americano Ecolab. Forte em soluções químicas para tratamento de água e efluentes, a empresa conta em seu portfólio com algumas tecnologias que, segundo Max Santavicca, da divisão de serviços e processos de água, podem ajudar a melhorar as refinarias que praticam ou praticarão o reúso.
Uma delas já foi até solicitada pelo Cenpes. Trata-se do dispersante Permacare MPE50, especialmente indicado para inibir a aderência de sólidos (fouling) em membranas de microfiltração ou ultrafiltração empregadas em biorreatores com membranas (MBRs). “Ele melhora bastante a permeabilidade das estações, incrementando o desempenho das membranas de 30% a 100%”, disse Santavicca. No caso, o Cenpes solicitou à Nalco o seu teste em MBR instalado na Refinaria Henrique Lage (Revap), de São José dos Campos-SP. O produto só não foi adotado porque a empresa responsável pelo MBR (a GE, concorrente da Nalco) ameaçou não dar mais a garantia das membranas caso o tratamento fosse iniciado em escala real. “Mas o importante é que o Cenpes conheceu o produto e deve retomar no futuro conversações”, complementou João Teodoro Frutuoso, gerente de marketing da empresa.
Uma outra aposta de oferta de serviço para refinarias por parte da Nalco visa ao tratamento e/ou reúso de purga de torres de resfriamento, considerado um dos rejeitos de mais alto grau de contaminação, com concentração elevada de produtos químicos utilizados para condicionamento da água recirculada e com muitos sais. De acordo com Santavicca, é uma demanda que a Petrobras estuda e que, aos poucos, deve deslanchar ao vencer seu principal obstáculo: o custo ainda elevado do tratamento.

“São várias as opções de tratamento, já realizamos em outros países, como Argentina e México, e em breve poderemos adotar no Brasil também”, explicou. Na Argentina, uma combinação de ultrafiltração e osmose reversa foi empregada. No México, já é comum utilizar o processo de evaporação e cristalização dos sais. “Tudo depende do estudo de viabilidade econômica e da escassez de água da refinaria, mas com certeza trata-se de uma alternativa em estudo pelas empresas”, disse Frutuoso. “E a Petrobras sempre procurou inovar, o que pode ocorrer agora também na recuperação de purga de torres.”
Segundo Vânia Santiago, aliás, realmente a petroleira está interessada em recuperar purga de torres. Tanto é assim que na Regap há uma estação piloto com pré-tratamento por ultrafiltração e osmose reversa, uma parceria com a Coppe-UFRJ, com o propósito de tratar a purga. Da mesma forma, na Rnest, o processo de reúso em implantação contempla um sistema de clarificação avançada seguido de EDR para tratar o rejeito das torres.
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Muito interessante a reportagem. Tenho interesse na tecnologia de eletrodiálise reversa. É possível conseguir o contato da empresa Mega citada?
Obrigado.