Reciclagem de Plásticos – ABEQ
Olá, leitoras e leitores. Enquanto escrevo este texto, estamos na Semana Mundial do Meio-Ambiente. Em 2020, ela foi de 1º até 5 de junho, quando se celebrou o Dia Mundial do Meio Ambiente. Inspirado pela data, gostaria de abordar a questão da produção e da reciclagem dos resíduos plásticos no mundo. Também compilei algumas das iniciativas das Universidades do Estado de São Paulo no combate à Covid-19, com ênfase nas ações dos cursos de engenharia – e de Engenharia Química.
A questão do plástico
Os plásticos são onipresentes em nossa vida, independentemente de nossas convicções. Se você está lendo este texto agora, o está fazendo em um computador (plásticos compõem 35% dos desktops), em um smartphone (23% de plástico), ou na edição impressa (em papel couché que tem entre 2% e 3% de látex estireno-butadieno). Os plásticos constituem cerca de 17% da massa dos aparelhos eletrônicos – televisores, computadores, monitores, teclados, eletrodomésticos. Se a presença do plástico é tão intensa assim em nossas vidas, é pela indubitável comodidade que nos proporciona, da qual eu, pessoalmente, não quero abrir mão. O problema surge quando o plástico deixa de ser um utensílio e, descartado, torna-se resíduo.
A Condor Ferries, empresa de balsas que atua no Canal da Mancha, compilou um extenso conjunto de informações estarrecedoras sobre a poluição causada por plásticos nos oceanos. Mais de um milhão de aves marinhas e 100 mil animais marinhos morrem de poluição por plástico a cada ano. 100% das tartarugas marinhas bebês têm plástico no estômago. Atualmente, existem 5,25 trilhões de macro e micropartículas de plástico nos oceanos, e 88% da superfície do mar é poluída por resíduos de plástico. Entre 8 e 14 milhões de toneladas de resíduos plásticos entram no oceano todos os anos, sendo que as embalagens plásticas são o maior vilão. É como se um caminhão de lixo de plástico fosse descartado em nossos oceanos a cada minuto. Neste ano (2020), o número de plásticos no mar será maior que o número de peixes, e um em cada três peixes capturados para consumo humano contém plástico. Apenas 1% do lixo marinho flutua, todo o resto afunda no fundo do mar. O plástico foi encontrado a 11 km de profundidade, contaminando os lugares mais remotos da Terra. Ele escapa dos aterros, flutua em nossos esgotos, acaba nos rios e segue para os oceanos. Muitos resíduos de plástico são invisíveis a olho nu, são coletados em giros oceânicos, onde a vida marinha se alimenta. Não é apenas o plástico descartável, como garrafas e canudos de plástico que você usa, mas as microesferas nos seus cosméticos, as fibras nas suas roupas e nos seus saquinhos de chá. Como apenas 1% desse plástico flutua, todo o resto afunda, poluindo os lugares mais remotos do planeta (Estatística de Plástico no Oceano em 2020). Vem da Ásia (e da China) a maior parte dos resíduos plásticos encontrados no Oceano (Figura 1).
Por mais que mais que o uso cotidiano do plástico signifique comodidade, há certamente um exagero – a Redução (primeiro dos três R’s – redução, reutilização e reciclagem) do uso é imperativa quando confrontamos alguns dados. Mais de um milhão de sacolas plásticas acabam no lixo a cada minuto, o mundo usa mais de 500 bilhões de sacolas plásticas por ano, ou 150 para cada pessoa na Terra. 500 bilhões de garrafas plásticas são usadas todos os anos – o que significa que há 66 vezes mais garrafas do que humanos no planeta. Os americanos usam cerca de 50 bilhões de garrafas de água plásticas por ano. Uma garrafa de plástico pode durar 450 anos no ambiente marinho. Mais de 480 bilhões de garrafas plásticas foram vendidas em 2016 em todo o mundo, contra cerca de 300 bilhões há uma década. 14% de todo lixo é proveniente de recipientes para bebidas. Menos da metade das garrafas compradas em 2016 foram recicladas (Estatística de Plástico no Oceano em 2020).
A Reutilização (segundo R) é possível, desejada, mas limitada. A sacola do supermercado pode acondicionar o lixo, a garrafinha de água pode ser reutilizada inúmeras vezes. Iniciativas louváveis, como luminárias de garrafas PET em comunidades carentes e isoladas, esbarram na logística.
Quando se pensam nas soluções para o problema do lixo plástico, a reciclagem surge como a solução óbvia e necessária. Não tão óbvia assim. O Japão foi durante muito tempo apontado como o país que lidaria bem com seus resíduos plásticos. As estatísticas oficiais informam que 84% de todo plástico produzido no Japão é reciclado, mas não é o que parece. De todo plástico coletado no Japão para ser “reciclado”, 70% é incinerado (‘reciclagem térmica’), 25% passa pela reciclagem ‘tradicional’ (‘reciclagem mecânica’) e 5% vai para a ‘reciclagem química’. E mesmo quando se consideram apenas os 25% de reciclagem mecânica, o Japão está melhor do que o resto do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de reciclagem de plásticos é cerca de 10% (Figura 2).
A reciclagem térmica é vista com ressalvas pela questão da resultante emissão de CO2 na atmosfera. E a reciclagem mecânica? A reciclagem mecânica – derreter e conformar novas peças – da maneira como existe hoje é uma bagunça, uma luta inglória contra a entropia. Os resíduos plásticos devem ser separados de papel, metal e vidro em meio ao lixo reciclável. Os tipos de plásticos devem ser separados e limpos. Muitas vezes estão compostos com outros materiais, como nas embalagens tipo longa-vida. Alguns tipos de plásticos são mais desejados que outros – garrafas PET, frascos de PEAD (polietileno de alta densidade) brancos ou tampas de PP (polipropileno) são naturalmente mais limpos e fáceis de redirecionar ao mercado de consumo. Mas há limitações – plástico reciclado não pode ter contato direto com alimentos, e depois de no máximo seis ciclos de reciclagem, as propriedades mecânicas estão comprometidas.
Empresas de produtos de consumo como Coca-Cola e Unilever têm se comprometido com metas ambiciosas de reciclagem de até 50% de suas embalagens e há ainda a crescente pressão governamental e da sociedade. As empresas, donas de marcas valiosas, não querem ter suas imagens associadas a problemas ambientais, que é o que provavelmente ocorrerá se se fiarem apenas na reciclagem mecânica. Nesse contexto, a reciclagem química surge como a boia de salvação.
Reciclagem química é o uso de transformações químicas para reconverter polímeros em seus monômeros de origem, ou em outras substâncias químicas de valor econômico. Os processos químicos são mais tolerantes à contaminação e produzem polímeros idênticos aos originais, eliminando degradação estrutural que ocorre no polímero durante a reciclagem tradicional. A extração de mais valor dos resíduos plásticos dessa maneira, dizem os defensores, poderia fornecer à indústria os incentivos e dinheiro necessários, talvez criando um ciclo virtuoso. Há algumas rotas sendo exploradas, como por exemplo: pirólise para converter poliestireno em monômeros de estireno; pirólise para transformar mistura de plásticos em diesel e nafta; quebra do PET em ácido tereftálico purificado e etileno glicol utilizando reações enzimáticas. O uso de pirólise para promover a reciclagem química do PET é complicado porque o PET contém oxigênio. A pirólise funciona bem melhor com misturas de polietileno e polipropileno.
Em princípio, a reciclagem química é pior do que a reciclagem mecânica quando se considera a emissão de gases de efeito estufa, já que exige etapas extras e calor envolvido. No entanto, quando se considera que a reciclagem química é mais robusta quanto à contaminação do polímero reciclado, que gera um produto estruturalmente equivalente ao original, e que a taxa de reciclagem atual de polímeros é extremamente baixa, a reciclagem química é uma alternativa muito melhor que a deposição atual.
Há outras vantagens envolvidas. A reciclagem química produz diesel praticamente isento de enxofre e evita a emissão de 1,5 tonelada de CO2 por tonelada de polímero reciclado, em relação à produção de uma tonelada de plástico virgem adicional.
Mas há também limitações, os ganhos econômicos de escala esbarram nos custos da logística reversa – o resíduo plástico teria que viajar longas distâncias até as plantas de reciclagem química.
Referências

A H Tullo. Plastic has a problem; is chemical recycling the solution? Chemical & Engineering News, V. 97, 39, publicado em 06 de outubro de 2019. Disponível em: https://cen.acs.org/environment/recycling/Plastic-problem-chemical-recycling-solution/97/i39
American Chemistry, 2020. Disponível em: https://plastics.americanchemistry.com/Ten-Facts-About-Plastics-from-Electronics/. Acessado em 01 de junho de 2020.
Estatística de Plástico no Oceano em 2020. Disponível em: https://www.condorferries.co.uk/plastic-in-the-ocean-statistics. Acessado em 01 de junho de 2020.
K Linnenkoper. Japan environment minister calls for waste-to-energy reduction, publicado em 10 de dezembro de 2018. Disponível em: https://recyclinginternational.com/business/japan-environment-minister-looks-to-less-waste-incineration/
P Brazor. Japan faces an uphill battle to reduce plastic consumption, publicado em 6 de julhode 2019. Disponível em: https://www.japantimes.co.jp/news/2019/07/06/national/media-national/japan-faces-uphill-battle-reduce-plastic-consumption/
R Lewis. 7 Surprising Facts about Plastic in Japan. Publicado em 28 de maio de 2019. Disponível em: https://medium.com/social-innovation-japan/7-surprising-facts-about-plastic-in-japan-f6920cc8e621
Texto: André Bernardo
André Bernardo é Engenheiro Químico formado na Escola Politécnica da USP, com mestrado em Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos pela Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e doutorado em Engenharia Química pela UFSCar. Trabalhou no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e em diferentes indústrias químicas. Atualmente é professor do Departamento de Engenharia Química da UFSCar. E-mail de contato: [email protected]
ABEQ
A Associação Brasileira de Engenharia Química (ABEQ) é uma entidade sem fins lucrativos que congrega profissionais e empresas interessadas no desenvolvimento da Engenharia Química no Brasil. É filiada à Confederação Interamericana de Engenharia Química. Seu Conselho Superior, Diretoria e Diretoria das Seções Regionais são eleitos pelos associados a cada dois anos.
Mais informações: https://www.abeq.org.br/
Exemplo de matéria relevante e informativa.Como de hábito Qumica e Derivados nos contempla com ótimas informações.