IYC 2011 – Química Verde – Preocupação ambiental incentiva a renovação de conceitos e práticas
A maneira como se pensa a Química e as formas de usá-la nas atividades industriais ou mesmo nas escolas estão em plena revolução. Nascida na década de 90, a ideia da chamada “química verde” não ficou presa nos ambientes acadêmicos ou nas linhas de produção, mas se esparramou por toda a sociedade de forma silenciosa, mas determinada. Atualmente, nenhuma iniciativa ligada ao setor pode ignorá-la sob pena de ver rejeitadas as suas propostas.
É possível enxergar uma coincidência do aparecimento da química verde com o ápice de uma fase histórica de rejeição ao conhecimento químico. A simples menção ao nome da ciência era motivo para alunos do ensino fundamental e médio torcerem o nariz. Quantas vezes não foram exaltadas as qualidades de um produto pelo fato de ele ser isento de “qualquer química”, associando ignorância científica com um tosco misticismo. Aceita a associação, o surgimento da química verde seria resultado de uma profunda autocrítica do setor, apontando agora para outra direção: a redução do impacto da atividade humana no planeta com a aplicação da ciência e da sua capacidade de renovar seu leque de conhecimentos.
Ampliando a visão histórica, basta lembrar que a Química era uma das ciências de maior prestígio no começo do século passado. Vinham dos químicos os medicamentos que curavam muitas doenças, foram descobertos os fertilizantes sintéticos para multiplicar a produção agrícola e afastar o fantasma da fome, a exemplo do celebrado processo Haber-Bosch. Surgiram novos materiais para uso em roupas e peças automotivas, enfim, a Química revolucionou a atividade humana naquela época.
Esse prestígio todo durou até a década de 60, quando os sintomas da poluição industrial ficaram tão evidentes que não foi mais possível varrer a sujeira para debaixo do tapete. Aliás, era quase isso mesmo o que se fazia com os resíduos dos processos industriais: eram lançados nos rios ou enterrados em lixões (Veja reportagem sobre remediação ambiental nesta edição). Os desastres de Seveso (Itália, 1976) e Bophal (Índia, 1984) corroeram o que restava da boa imagem pública da atividade.
Demorou até que a comunidade ligada à química percebesse a magnitude do problema. Pressionadas por legislações cada vez mais restritivas em saúde e meio ambiente, as indústrias adotaram medidas para controle e mitigação dos danos, mudaram seus processos e abandonaram os itens mais críticos, substituindo-os por outros menos agressivos. Foi o caso dos inseticidas organoclorados, por exemplo.
A pressão da sociedade tomou a dianteira e colocou o setor na defensiva, reagindo às novas demandas. A proposta da química verde contempla esse tipo de ação, mas pretende ir além. Ao longo do tempo, a química poderá recuperar a liderança das mudanças e o prestígio que bem merece.
Amplo escopo – O conceito de química verde é amplo e, por isso mesmo, difícil de definir. A ideia abrange toda e qualquer iniciativa que respeite pelo menos um de uma lista de doze princípios básicos (Veja o quadro abaixo), cuja observância deve ser sempre estimulada.
“Em resumo: química verde é a química para o meio ambiente, ou seja, uma forma de atuar pensando na redução do impacto ambiental, gastando menos materiais e energia, evitando produtos tóxicos, usando de preferência fontes de origem renovável, com redução de rejeitos e de riscos”, explicou Reinaldo Camino Bazito, professor e pesquisador do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Ele e seus colegas de instituto Renato Sanchez Freire e Leandro Helgueira de Andrade decidiram, em 2006, criar a primeira Escola de Verão em Química Verde, que terá a sua quarta turma em janeiro/fevereiro de 2012.
Bazito salienta não se tratar de uma nova área dentro da Química, mas uma abordagem nova para praticá-la. “Alguns cursos criaram a disciplina de química verde, mas esses conceitos precisam permear todas as disciplinas do curso”, comentou. “Vamos chegar lá, as disciplinas já estão se adaptando ao tema ambiental, é questão de tempo.” Apontando a necessidade de coletar e tratar com cuidado os resíduos dos laboratórios das faculdades, Bazito chega a indagar se os experimentos realizados são realmente necessários para a formação dos profissionais, ou se eles poderiam ser conduzidos de modo que gerassem um menor impacto ambiental.
Fato relevante para o setor acadêmico é a existência de publicações científicas reconhecidas internacionalmente, a exemplo do periódico Green Chemistry. “Ele já tem um fator de impacto considerável, e está crescendo”, considerou o pesquisador.
O avanço da química verde imprimirá um novo perfil aos profissionais da área. “Na visão tradicional, orientada para lidar com a poluição com base nos comandos oficiais (normas) e controle (padrões, métodos de tratamento e monitoramento), bastava saber química analítica, físico-química e algumas noções ambientais”, avaliou Bazito. O novo profissional precisa conhecer a fundo o produto e o processo de fabricação, a ciência e a tecnologia, dominar toda a química orgânica e inorgânica, acompanhar a evolução da ciência dos materiais (para novos catalisadores, por exemplo) e das ciências ambientais. “Ele precisa ser capaz de avaliar o impacto ambiental antes de fazer qualquer coisa, por meio de análises de ciclo de vida feitas criteriosamente”, considerou. Aliás, segundo Bazito, há uma carência em profissionais especializados nessas análises, que têm cunho multidisciplinar.
Quando se atua na visão tradicional, incorre-se em custos cada vez mais elevados para reduzir a poluição gerada. “Quando a norma reduz o limite de emissão de uma substância de 100 ppm para 10 ppm, o custo dessa remoção geralmente é mais de dez vezes superior”, afirmou. Por isso, a química verde propõe reduzir a formação de poluentes desde o começo dos projetos, lançando mão de diferentes estratégias, como catalisadores específicos, solventes avançados entre outros.

A análise de ciclo de vida é fundamental para evitar alguns enganos. “Substituir solventes derivados de petróleo por produtos de origem natural é sempre a melhor solução?”, indagou. Bazito comentou que, apesar da origem renovável, esses solventes também geram smog fotoquímico e têm uma toxicidade determinada. “Seria melhor, quando possível, usar o solvente convencional expandido com CO2 no estado supercrítico, no qual o consumo energético da compressão é compensado pelo ganho ambiental de consumir uma quantidade muito pequena do solvente”, explicou. Há casos, também, de difícil substituição por produtos de origem natural, como a produção de artefatos de borracha.
Outra forma de substituição de componentes por insumos de origem renovável que está em crescimento é o uso do álcool etílico de cana-de-açúcar, uma especialidade brasileira. Já se produzem polímeros com ele, aproveitando a estrutura petroquímica existente. “Essas substituições são válidas, com certeza, mas ainda estamos seguindo os conceitos petroquímicos tradicionais”, comentou o pesquisador. “Precisamos quebrar paradigmas, ‘pensar fora da caixa’. As fermentações, por exemplo, geram produtos totalmente diferentes; as biorrefinarias, idem.”
Bazito considera que as mudanças no caminho de uma química mais sustentável serão feitas progressivamente. A velocidade será ditada pelas pressões sociais e pela adoção de políticas públicas mais ou menos restritivas.
“Atualmente, não há nenhuma isenção tributária para projetos de pesquisa em química verde, nem isenção de impostos para importar equipamentos de laboratório e os juros dos financiamentos são os mesmos, sem incentivos”, criticou Bazito. Da mesma forma, a preferência concedida pelo governo federal para os investimentos no pré-sal foi fruto de uma decisão política. Ele cita como exemplo a criação, nos anos 90, de programas como o Clean Production Act e o Prêmio Presidencial para Química Verde nos Estados Unidos, ambos desencadeadores de pesquisas e negócios. “Química verde é um grande negócio, porque, em princípio, todas as iniciativas propostas são mais eficientes do que as existentes, portanto geram lucro”, explicou.
O Prêmio Presidencial é concedido a cada ano ao melhor desenvolvimento tecnológico para prevenir a poluição em processos industriais, com três áreas de concentração para grandes indústrias: rotas de síntese, condições de processo e design de compostos, todos eles menos agressivos ao ambiente. Há duas outras categorias específicas para pequenas empresas e pesquisadores científicos. (Veja quadro com os vencedores dos últimos três anos).
Do ponto de vista econômico, Bazito pondera que o retorno da aplicação dos conceitos de química verde seja maior nas linhas de produção da chamada química fina. Segundo informou, grande parte da produção mundial de fármacos ainda depende de reações estabelecidas há mais de cinquenta anos, com baixos índices de eficiência. “A modernização delas dá um grande impacto econômico, mas o mesmo não acontece com a produção das commodities”, comparou. Além do retorno financeiro, as atividades de química fina têm maior afinidade com os laboratórios de pesquisa, habituados a processos com várias etapas de síntese e de alta complexidade.
Em âmbito mundial, aparecem com destaque as pesquisas ligadas à química verde nas linhas de catálise, com muitos desenvolvimentos e associada à ciência dos materiais para facilitar a introdução de novos tipos. Outra linha promissora está nos materiais de origem renovável, como poliuretanos e poliésteres. O uso de solventes alternativos em processos, como líquidos iônicos e fluidos supercríticos ou associações entre eles, também tem grande potencial de crescimento. Bazito, aliás, desenvolve pesquisas com CO2 no estado supercrítico. “Ele não está mais limitado às extrações, mas pode ser aplicado com êxito em sínteses de polímeros, encapsulamento de tensoativos e até na descontaminação de policloreto de bifenila, o temível ascarel (óleo usado em transformadores elétricos antigos)”, comentou.

Bazito recomenda acompanhar os desenvolvimentos dos métodos de intensificação de processos usando reações sequenciais em microrreatores, já conhecidos no exterior e que começam a chegar ao Brasil (Veja QD-513, de setembro deste ano).
Resta a dúvida quanto à viabilidade de substituir a produção química atual por sistemas mais verdes. “Isso será viável quando as regras ambientais forem efetivamente fiscalizadas e o descumprimento custar caro; e também quando a população estiver disposta a pagar um pouco a mais para adquirir produtos com alguma vantagem ambiental”, considerou. Do contrário, a importação de bens de consumo feitos em outros países, sobre os quais não se sabe se seguem as mesmas leis de proteção ambiental daqui, continuará crescendo e prejudicando a indústria local.
Em resumo: a chave para um quadro ambiental melhor depende de melhorar a educação em todos os níveis, desde a pré-escola. “O ensino científico é muito fraco no Brasil, daí nasce o preconceito e o desejo de soluções mirabolantes para todos os problemas”, criticou o pesquisador, com experiência anterior no ensino secundário. Ele identifica que as novas gerações já não alimentam grandes temores contra a Química, apenas não se interessam por ela. “Costumo mostrar para os alunos que o iPad por eles idolatrado é feito com muita química”, comentou. Em geral, ele sente nos jovens secundaristas um desapreço por todas as ciências. “Eles não gostam porque acham que elas exigem muito estudo”, disse.
Indústria atenta – A indústria química brasileira está atenta às oportunidades representadas pela química verde. Conta com o apoio de uma excelente fonte de sacarose e biomassa, a cana-de-açúcar, cultivada em grande escala e acompanhada de um parque produtor de etanol e sacarose de tamanho compatível. Há também a possibilidade de aproveitar os óleos vegetais, disponíveis em profusão, para vários fins.
“A química verde para nós já é uma realidade”, afirmou Antonio Morschbacker, líder de tecnologias renováveis da Braskem, maior produtora de resinas plásticas das Américas. Em suas instalações de Triunfo-RS, a companhia produz eteno pela desidratação de etanol. Com essa olefina verde, gera polietileno vendido para clientes no Brasil e no exterior para a confecção de embalagens, com vantagens ambientais no balanço total das emissões de CO2. Em setembro, a Braskem assinou um contrato para fornecer eteno verde para a unidade gaúcha da Lanxess, que o usará para produzir até 10 mil t/ano de borracha EPDM (dímero de eteno e propeno).
Morschbacker avalia em um milhão de toneladas anuais o mercado mundial de biopolímeros na atualidade. “A Braskem produz um terço do que esse mercado consome, é o maior produtor mundial”, salientou. O polietileno feito com o etanol é o biopolímero mais barato entre todos os disponíveis. A explicação reside na alta eficiência da cana-de-açúcar para produzir e armazenar açúcares. Além disso, o processo produtivo é simples, bastando extrair o caldo e fermentá-lo. “O milho, por exemplo, armazena amido e é necessário hidrolisá-lo antes de iniciar a fermentação, impondo um consumo adicional de energia e de água”, afirmou. Com isso, enquanto o aproveitamento da cana gera 9,3 unidades de energia para cada unidade de energia fóssil consumida, o milho só gera 1,4 unidade.

Apesar disso, Morschbacker reconhece que essa produção do polietileno verde não é um feito inédito. “Estamos reinventando a química, que começou usando produtos naturais, como os óleos vegetais e o etanol”, disse. A antiga Salgema, de Alagoas, hoje incorporada à Braskem, operou até a década de 80 a maior planta de eteno de álcool do mundo. “O petróleo se tornou mais competitivo e dominou a petroquímica”, recordou. Em relação às unidades de eteno do passado, ele aponta ganhos de eficiência e de escala de produção.
O polietileno obtido do etanol tem propriedades idênticas ao do similar derivado de petróleo, facilitando a etapa de transformação. Mas eles não se confundem. A norma ASTM D6866 determina o método para identificação do isótopo 14 do carbono (C14) na resina para comprovar sua origem natural e renovável. “O petróleo é um produto muito antigo, elaborado ao longo das eras geológicas, não contém mais nada de C14, enquanto um material obtido de fonte renovável apresenta 1,2 parte por trilhão de C14”, explicou Morschbacker. Todos os lotes de resina verde que saem da Braskem são analisados por um laboratório localizado nos Estados Unidos e têm a origem garantida.
A disponibilidade de álcool, embora comprometida nos últimos anos por deficiências nas agroindústrias, ainda permite avançar em outras frentes. “Daqui a dois anos a Braskem lançará o primeiro polipropileno com origem no álcool etílico, criado no Centro de Tecnologia Braskem em 2008”, informou. Ele não confirmou a rota tecnológica a ser adotada, a despeito de muito ter se falado na dimerização e metátese de eteno. “É um dos caminhos possíveis”, esquivou-se.

Além dessa produção, a Braskem e a Unicamp continuam pesquisando e desenvolvendo uma tecnologia alternativa para produzir a mesma resina com fontes renováveis. Há também uma parceria firmada com a Novozymes para a criação de enzimas específicas para apoiar a produção de polipropileno. “Estudamos a fundo quinze rotas diferentes para obter propeno durante os últimos cinco anos e notamos que algumas oferecem melhores possibilidades”, aduziu.
A petroquímica mantém outros convênios de pesquisa com universidades no Brasil e no exterior, a exemplo da UFRJ (propeno e glicerina), e com o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio). “As universidades nacionais têm boas estruturas de pesquisa e pessoal qualificado, mas sofrem demais com a burocracia”, afirmou Morschbacker. “Em algumas delas, para se comprar um pãozinho é preciso que o reitor assine um cheque.”
Além disso, ele lamenta que os investimentos feitos em pesquisa sejam tributados no país, reduzindo a competitividade nacional. Também os mecanismos de fomento à ciência e tecnologia poderiam ser melhores. Apesar disso, na química verde o Brasil tem alcançado sucesso para transpor o conhecimento acadêmico para a produção industrial. “Somos bons nisso, mas ainda fazemos pouco, precisamos aproximar mais a pesquisa das indústrias”, defendeu.
Considerado o Oriente Médio da química verde, o Brasil tem recebido investimentos de várias companhias estrangeiras interessadas em aproveitar as vantagens agroquímicas daqui. “Em geral, elas trazem pacotes fechados de tecnologia, mas precisarão adaptá-los para as condições locais e isso poderá ser feito em parceria com as universidades”, disse.
O desenvolvimento das atividades industriais de química verde dependerá muito da disponibilidade de matérias-primas adequadas. No Brasil, o etanol é ponto de partida preferencial. Saliente-se que ainda não está sendo produzido o etanol de segunda geração, que aproveitará a celulose e a hemicelulose do bagaço residual para gerar etanol. “Esse álcool precisa disputar espaço com a geração de eletricidade pela queima do bagaço, uma fonte atual de receita importante para as usinas”, avaliou.
Os óleos vegetais já contam com uma estrutura mundial de aproveitamento montada e muito forte em alguns países, como a Malásia. Um derivado, a glicerina, registra aumento de oferta pela maior produção de biodiesel. “Da glicerina podem ser feitos a epicloridrina (para epóxis), ácido acrílico e outros produtos”, comentou. Até o propeno, mas Morschbacker não recomenda seguir por esse caminho. “Nesse caso, é preciso retirar três átomos de oxigênio de cada molécula, implicando perda de rendimento, o que não acontece quando se faz o propilenoglicol”, comentou.
Novidade a ser explorada é o campo da biotecnologia, segundo Morschbacker. “É a química que acontece dentro das células, exigindo outros conhecimentos e outro tipo de formação profissional, envolvendo genética molecular, biologia, mas também química e engenharia”, explicou.
O aprimoramento das fermentações abriu uma estrada larga para inovações, a começar pela obtenção de propanodiol em uma só etapa fermentativa, feita pela primeira vez pela DuPont e pela Genecor. “O Brasil tem chances de crescer nesse campo, pois já domina as mais tradicionais fermentações, como a alcoólica, a láctica e a acética”, considerou.
Avanços projetados – As iniciativas da química verde foram incorporadas às diretrizes da Rhodia, empresa do grupo Solvay, há vários anos. “Exemplo disso é o programa Rhodia Way, que avalia o impacto de cada atividade da companhia em relação às partes interessadas, sempre em busca da menor pegada ambiental”, comentou Thomas Canova, diretor de pesquisa e desenvolvimento para a América Latina.
A observância de todos os princípios de química verde, ecoeficiência e eficiência energética nos processos abre caminhos para a introdução de inovações tecnológicas, indo além da visão tradicional. “Isso vai mudar o perfil dos profissionais do setor, que precisarão estar mais atentos às fermentações e biodigestões, além de conhecer as rotas químicas clássicas”, salientou Canova.
Ele avalia, porém, que a química verde está na fase das descobertas, com reflexos diretos na avaliação econômica das propostas. “Ainda estamos longe dos rendimentos finais, há muito espaço para melhorar”, disse. Ele recomenda pensar nas condições que estarão disponíveis daqui a dez ou vinte anos para projetar os avanços. “Teremos restrições ambientais mais fortes, as matérias- primas ficarão mais escassas e faltará água”, afirmou, para justificar a ênfase em obter melhores rendimentos dos processos verdes.
Leia também: Química Verde – Escola de verão difunde conceito
Canova identifica quatro momentos pelos quais a química verde está passando e ainda vai atravessar. No primeiro deles, os paradigmas não são quebrados, apenas se busca aproveitar melhor os insumos e diminuir a geração de resíduos, áreas dominadas pela engenharia química. Na segunda etapa, o objetivo é colocar ingredientes de origem natural em processos conhecidos, a exemplo do que se faz hoje com o eteno de álcool. Os paradigmas usuais ainda não são quebrados, mas a pegada ambiental sofre redução.
Ao ingressar na terceira fase, novos projetos começam a ser concebidos, considerando análises prévias de ciclo de vida de produtos. A partir desse ponto, os paradigmas começam a ser rompidos. “Essa fase vai começar quando for preciso erguer novas fábricas, pois fica muito caro adaptar as instalações existentes”, avaliou. Segundo Canova, a Rhodia mantém equipes pesquisando novas rotas de produção para seus produtos.
A quarta fase começa com o questionamento profundo de tudo o que está sendo fabricado. “Vamos querer saber se um polímero é realmente o ideal para uma aplicação, ou se ele está sendo sub ou superdimensionado para ela”, explicou. As lacunas evidenciadas motivarão o aparecimento de novas moléculas mais eficientes e com menor impacto ambiental.
Canova cita o caso da linha de solventes Augeo, elaborada com um percentual de glicerina de biodiesel. “Questionamos o papel dos solventes disponíveis no mercado e verificamos que podíamos manter o desempenho desejado ou até melhorá-lo com um produto mais amigável ao ambiente”, explicou.
Outra linha de atuação verde foi a criação de uma formulação de poliamida 6.6 modificada capaz de reduzir em 15% o consumo de energia na etapa de transformação para gerar autopeças. “Esse trabalho foi todo feito no Brasil e recebeu o prêmio da Anpei deste ano”, comemorou.
A maneira como são conduzidas as análises de ciclo de vida de produtos ainda revela problemas. “Falta metodologia internacional uniforme para a padronização desse estudo”, apontou Canova. Dependendo do alcance desse estudo, as suas conclusões podem ser distorcidas. Ele cita o exemplo da comparação entre fibras sintéticas e as naturais. Caso se considere todo o ciclo de produção, a fibra sintética se revela melhor do ponto de vista ambiental. “A fibra natural consome muita água na etapa agrícola”, explicou. Há estudos com plásticos que ignoram a reciclagem dos materiais pós-consumo, confundindo os resultados.

“Além disso, a comunicação com o público em geral precisa ser muito cautelosa para não criar falsos conceitos, como no caso das sacolinhas plásticas biodegradáveis”, criticou Canova.
Ele confirma que a química fina tem mais facilidade para adotar conceitos e procedimentos verdes, assumindo com mais velocidade as propostas de inovação. “Essa área tem mais margem para bancar as mudanças, ao contrário das commodities”, justificou. Para ele, essa adaptação será paulatina, chegando aos poucos às linhas de alta produção.
Canova informou que 90% dos projetos de P&D da Rhodia em todo o mundo estão ligados à sustentabilidade. Cada projeto passa por várias fases de seleção antes da implementação. Já na primeira fase, as propostas devem sempre apresentar impacto ambiental igual ou menor que os produtos existentes. “Os pesquisadores precisam ter isso em mente desde a concepção dos projetos”, explicou Canova, ressaltando que várias companhias adotam esse procedimento.
No rol das poliamidas, uma especialidade da Rhodia, constam produtos feitos com óleo de mamona (6.10), que apresentam alta resistência química e mecânica, sendo usados em aplicações especiais no Brasil e no exterior, contando com produção local. “O desenvolvimento das poliamidas sempre considera a reciclabilidade, para melhorar o impacto de toda a cadeia”, afirmou. Nesse caso, é preciso envolver esforços logísticos e buscar a aproximação com os demais elos. “A nova Política Nacional de Resíduos Sólidos poderá ajudar muito a consolidar a reciclagem”, comentou.
Segundo informou, a indústria automobilística projeta os carros prevendo a reciclagem das partes e peças, portanto o desenho do produto permite o desmanche fácil. “As poliamidas são totalmente recicláveis, tanto pela via mecânica quanto pela química, nesta se chega quase ao monômero inicial antes de repolimerizá-lo”, explicou. A Rhodia mantém em Santo André-SP uma unidade industrial para reciclagem química de poliamidas. Segundo Canova, a reciclagem faz sentido por consumir menos energia do que a produção da resina virgem.
A Rhodia considera a sustentabilidade como uma das macrotendências (cenários no qual as tendências se desenvolvem) mundiais, ao lado da evolução populacional, por exemplo. “A química verde entra em tudo”, comentou. Dessa forma, ela não pode ser vista apartada, mas intimamente ligada a todo o processo produtivo, gerando novos desafios. “A Química não é a vilã da história”, finaliza.
Leia Mais: