Em apenas dois meses, a indústria petroquímica mundial saltou do pico histórico de demanda para o abismo de uma possível recessão.
Desde o estouro da chamada “bolha do subprime”, os efeitos da crise financeira internacional se propagam pelo mundo.
As restrições ao crédito expulsaram os consumidores da cena econômica, sepultando a demanda por derivados petroquímicos.
Começaram a aparecer em novembro os primeiros anúncios de paralisação temporária ou fechamento definitivo de unidades produtivas do setor, especialmente na Europa e nos Estados Unidos.
Em parte, esses fechamentos podem ser justificados pela necessária substituição de unidades antigas pelas novas, maiores e mais eficientes, portanto com vantagens competitivas.
Porém o gatilho do processo foi acionado pela queda abrupta e significativa do consumo de bens, a exemplo dos automóveis, situação que ameaça levar à falência os fabricantes de veículos de Detroit (Michigan, EUA).
A reação imediata do setor petroquímico deu prioridade ao corte de custos e de produção. Além disso, projetos de novas unidades que ainda estavam “verdes” foram postergados.
A retomada dos investimentos só será efetivada quando a crise for debelada e a demanda emitir sinais inequívocos de recuperação.
A duração dessa crise global vai determinar sua interpretação futura como benéfica ou deletéria para a atividade industrial.
Há quem defenda essa restrição de demanda como favorável a toda a cadeia produtiva, caso sua duração não exceda o prazo de alguns meses, por exemplo, até abril de 2009.
Essa visão é explicada pelo fato de a economia mundial ter crescido com um vigor além do razoável (e sustentável) no último decênio, estimulada artificialmente pelo crédito farto e barato oferecido nas maiores economias do planeta.
A superdosagem do anabolizante provocou a disparada nos preços das commodities, exigindo a aceleração dos investimentos em praticamente todos os setores.
Esse quadro atirou para as nuvens a cotação do aço, do petróleo e dos serviços de engenharia e montagens, a ponto de inviabilizar ou de atrasar a execução de alguns produtos petroquímicos.
Seguindo essa linha de raciocínio, para outros considerada exageradamente panglossiana, uma crise global rápida funcionaria como um “freio de arrumação” capaz de eliminar os exageros e introduzir uma certa racionalidade no mercado.
Porém, como não se sabe ainda quando e com que magnitude a economia mundial voltará a crescer, muitos só enxergam nuvens sombrias no horizonte.
É a hipótese do círculo vicioso da redução de demanda que provoca a paralisação de fábricas e o corte dos novos investimentos, fatos indutores de ondas de desemprego que alimentam a redução de demanda, e assim por diante.
Nélson Pereira dos Reis: agenda do Reach será mantida, apesar da crise
“Toda a indústria química brasileira vinha operando bem, com alta ocupação de capacidades, até setembro, quando estourou a crise”, comentou Nélson Pereira dos Reis, vice-presidente- executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) e presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Químicos do Estado de São Paulo (Sinproquim).
Até setembro, o consumo aparente de produtos do setor cresceu 10% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Ele prevê que os resultados do quarto trimestre devem ser muito influenciados pela situação global, porque parte significativa da produção nacional é exportada.
No entanto, Reis espera que a desvalorização do real em relação ao dólar consiga proteger a produção nacional contra a entrada de produtos importados, garantindo alguma estabilidade.
“Sofremos muito com o dólar abaixo de R$ 1,60 e fizemos esforços para ganhar competitividade”, comentou.
Sua expectativa para o câmbio aponta para a faixa entre R$ 2,00 e R$ 2,20 por dólar durante 2009.
A análise das entidades setoriais transfere para o comportamento do mercado interno a responsabilidade de manter a ocupação das linhas químicas e petroquímicas. Segundo Reis, o poder de compra dos brasileiros não deve ser afetado até o final de 2008, por causa da combinação de preços das matérias primas em queda acelerada com o estímulo ao crédito para os consumidores (com uma desejável, mas não garantida, redução de taxas de juros).
De qualquer forma, Reis informou que todas as indústrias químicas revisam seu planejamento para 2009, incorporando nas análises suas percepções quanto aos efeitos da crise mundial. Citando como exemplo os fertilizantes para agricultura, ele apontou mudanças radicais. “Os nitrogenados, dependentes do gás natural e do petróleo, estão com preços em queda, situação semelhante à do enxofre, que foi caro demais durante 2008; mas os potássicos e fosfatados mantiveram seus preços”, comentou. “São situações novas que exigem repensar toda a atividade.”
Resumo da Petroquímica Consolidada (% sobre capital votante e capacidades em mil t/ano)
Será determinante para a petroquímica nacional a postura a ser adotada pela Petrobras, que ainda não concluiu a revisão anual do seu plano de negócios, geralmente divulgada em agosto.
“Como fornecedora das matérias-primas principais, a estatal dará o norte para o setor”, afirmou.
Uma decisão aguardada com ansiedade é a definição do modelo empresarial e do cronograma do Comperj, o complexo petroquímico liderado pela Petrobras e pelo grupo Ultra em Itaboraí-RJ, que transformará petróleo pesado em insumos petroquímicos (olefinas e aromáticos).
Pelo menos, a indústria brasileira fez sua “lição de casa” nos últimos anos, fato que se traduz na consolidação empresarial.
Duas grandes empresas – Braskem e Quattor, ambas com participação relevante da Petrobras – dominam o cenário petroquímico nacional, a começar pelas centrais petroquímicas e com destaque para a produção de polietileno e polipropileno.
“Essa consolidação proporcionou um ganho de competitividade para o setor que ajudará a enfrentar as dificuldades atuais”, afirmou Reis.
A queda do preço do petróleo reduz o diferencial de custos petroquímicos entre países com forte produção própria da matéria-prima e os importadores.
Vitor Mallmann: petróleo barato conduz à regionalização
“Entendemos que o quadro atual favorece a regionalização do mercado do setor, aproveitando as vantagens logísticas proporcionadas pela proximidade geográfica entre produtores e consumidores”, afirmou o presidente da Quattor, Vitor Mallmann.
Em âmbito internacional, além da crise econômica, o dirigente setorial aponta dois pontos para os quais a indústria química nacional deve manter atenção redobrada: a revisão do Protocolo de Kyoto (sobre o controle das emissões de gases geradores do efeito estufa) e o sistema europeu Reach.
“O Protocolo de Kyoto só vale até 2012, e as discussões sobre a sua renovação começam em 2009 e devem estabelecer uma meta de redução de emissões para o Brasil e outros emergentes”, explicou Reis.
Os estudos apontam que, ao contrário dos países desenvolvidos, o maior problema nacional nesse caso está ligado ao desmatamento e não às atividades industriais. Por isso, ele recomenda atuar com firmeza para evitar danos ao setor químico, exigindo o uso exclusivo de madeira certificada e sua fiscalização.
Ainda no campo ambiental, o dirigente considera importante participar dos debates sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que ocorrem em um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados.
O ponto nevrálgico é a determinação de quem deve ser responsabilizado pela destinação do material pós-consumo, especialmente as embalagens.
“A indústria química não fugirá das suas responsabilidades, mas os demais elos da cadeia produtiva também devem assumir seus encargos”, afirmou, elogiando os esforços da Plastivida na busca de soluções sustentáveis para o setor de plásticos.
O sistema Reach de controle de substâncias perigosas, por sua vez, poderá constituir, no futuro, uma grave ameaça às exportações de produtos químicos e artigos finais para a Europa.
“Não é uma barreira comercial propriamente dita, porque também se aplica aos produtos europeus, mas poderá funcionar como se fosse”, disse.
O setor químico convida os órgãos governamentais brasileiros a um maior envolvimento nas discussões.
Do ponto de vista da indústria química, uma regulação mundial sobre produtos perigosos é desejável, porém os estudos apontavam para um processo lento de implementação, esperado para 2020.
O Reach foi implantado com velocidade muito alta. A partir de janeiro não será admitida a entrada de produtos químicos que não tiverem sido pré-cadastrados até 1º de dezembro de 2008.
Plano básico do Comperj
Começa, agora, a fase de análises e registros definitivos dos produtos químicos, etapa que deverá consumir alguns anos de trabalho.
Reis acredita que os esforços europeus devem ser intensificados, mesmo com um provável recrudescimento da crise econômica mundial.
“O programa tem uma agenda própria”, explicou.
Panorama opaco – “Ainda é impossível prever o que acontecerá com a economia mundial, o setor petroquímico incluído, nos próximos meses”, afirmou Roberto Ramos, vice-presidente de projetos internacionais da Braskem.
Para ele, a crise deverá concentrar as atenções mundiais, tirando as discussões ambientais dos holofotes, pelo menos até 2010/11.
“Não será muito atraente debater nível de emissões versus desemprego, por exemplo.” Isso, porém, não significa abrandar as práticas de cuidados ambientais.
Ramos afirma que, com o impacto inicial da crise, os mercados perderam a ligação com os fundamentos econômicos reais.
Por isso, qualquer tentativa de prognóstico feita pela extrapolação dos dados de outubro e novembro está condenada ao fracasso.
“Enquanto as pessoas não forem capazes de explicar e analisar a situação racionalmente, elas não voltarão a comprar em ritmo normal”, afirmou.
Até dezembro, o ambiente global de negócios ainda era de perplexidade, provocando distúrbios em todos os segmentos produtivos.
O caso da indústria automobilística dos EUA, que deverá ter efeitos gigantescos na cadeia produtiva mundial, merece observação mais detida.
Roberto Ramos: caíram os custos e os prazos dos novos investimentos
“A indústria americana de carros não quebrou agora, mas quando perdeu a liderança nos segmentos de luxo e nos esportivos, considerando que eles já haviam perdido os carros econômicos para os asiáticos”, explicou Ramos.
O setor petroquímico caminhava em fase de alta de preços e custos, com rentabilidade capaz de impulsionar muitos projetos.
O vice-presidente da Braskem aponta para uma capacidade produtiva de eteno a entrar em operação no biênio 2008/2009 da ordem de 9 milhões de t/ ano, ou 15% do total instalado, principalmente no Oriente Médio, China e Índia, fruto de decisões tomadas há quatro ou cinco anos.
“Falava-se, há alguns anos, em 12 milhões de t/ano adicionais, mas estimo que umas 3 milhões de t/ano não conseguiram suprimento garantido de matérias-primas e seus projetos foram adiados ou cancelados”, avaliou.
Essa capacidade adicional encontrará um mercado global ainda paralisado pela crise. Com isso, espera-se que muitas plantas antigas, de baixa eficiência e alto custo operacional, sejam paralisadas temporária ou definitivamente, conforme cada caso.
“Quem vai ditar o tamanho dessas paradas será o desempenho residual dos países emergentes, o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que estão fora do olho do furacão”, comentou.
O resultado se refletirá diretamente no índice médio de ocupação de capacidades. Ramos estima que o setor estará operando com 82% de ocupação (em eteno) nos meses finais de 2009, uma redução acentuada em comparação com julho de 2008, mas ainda considerada suficiente para a sobrevivência da indústria.
“Com mais um ano de crescimento, ainda que baixo, na Índia e na China seria possível chegar a 85% de ocupação, e em 2010 voltaríamos a 88%, a média nos anos de baixa do setor”, disse. A recuperação paulatina da atividade levará ao religamento de fábricas e ao anúncio de novos projetos.
Os dados atuais indicam forte retração econômica no primeiro semestre de 2009, com possibilidade de melhora nos seis meses seguintes. Isso exigirá ajustes orçamentários nas indústrias petroquímicas, buscando reduzir custos.
“Quem comprou muito com base em financiamentos ficará em situação mais difícil”, alertou. “Mas quem tiver alguma reserva de caixa poderá comprar concorrentes ou investir em condições favoráveis.” Ele espera que esse tipo de movimento apareça a partir de 2010.
De 2010 em diante, o mundo precisará se acostumar com o deslocamento do consumo de resinas plásticas da Europa e Estados Unidos para o continente asiático.
“Ao final de 2009, a Ásia consumirá mais resinas que os EUA, pela primeira vez”, prognosticou. Isso significa que o parque transformador asiático terá novos impulsos de expansão, enquanto seus congêneres europeus e norte-americanos ficarão sob intensa pressão.
Matérias-primas escassas – O melhor indicador da perplexidade mundial é o preço do petróleo, segundo Ramos. Entre junho e novembro deste ano, a cotação média do barril de óleo leve passou de US$ 147 para US$ 49, ou seja, uma queda de dois terços.
A demanda global no período foi cortada em 3 milhões de barris por dia, de um total de 87 milhões de bpd, retração puxada pelos EUA (-1,5 milhão de bpd) e Europa (-900 mil bpd). “O corte na demanda não explica a magnitude da queda do preço”, analisou.
Além disso, os membros da Opep (OrganizaçãodosPaísesExportadores de Petróleo) já cortaram 2,4 milhões de bpd na sua produção. E devem anunciar novas reduções de oferta, por volta de um milhão de bpd. Países produtores fora da Opep não têm capacidade para expandir sua produção nesse ritmo.
“Mesmo assim, o preço do petróleo não voltará ao patamar anterior, e deverá ficar na média de US$ 80 por barril durante 2009, caso haja uma recuperação modesta da economia mundial”, afirmou.
Para a petroquímica, o petróleo barato torna mais atraente o craqueamento da nafta do que a operação de fornos de etano, principalmente pelo fato de oferecer mais co-produtos. Atualmente, dois terços da capacidade dos novos projetos petroquímicos prevêem o uso de etano como carga.
“Enquanto isso, o preço médio global do gás natural não baixou tanto, pois são produtos com dinâmicas de mercado totalmente diferentes”, explicou Ramos. Considera-se que o uso do gás só é viável com uma relação de preço de 1:6 (um para seis) em relação à nafta.
A recuperação do “prestígio” da nafta dá alento às cadeias químicas dos aromáticos, que tinham poucos sonhos de ampliar a produção por falta absoluta de insumos. O mesmo vale para o butadieno, considerado escasso.
No panorama geral, os polietilenos ainda terão fôlego de sobra para expandir a oferta, enquanto o polipropileno tende a se estabilizar, pois depende da disponibilidade de correntes residuais das refinarias.
Ramos considera que os polietilenos podem recuperar um pouco do terreno que perderam para o polipropileno nos últimos anos. Além disso, o PVC consolida sua posição nos produtos para a construção civil, como tubos, esquadrias e perfis, aplicações nas quais ainda possui amplas vantagens econômicas.
“O PVC é produzido por poucas companhias e transformado por empresas de grande porte em todo o mundo, mas depende muito do comportamento dos preços da eletricidade, fundamental para a produção do cloro”, considerou.
O PVC também poderá enfrentar obstáculos de cunho ambiental. A China, um grande produtor, obtém eteno pela via acetilênica, oriunda da queima de carvão e calcário. Trata-se de tecnologia antiquada, cara e poluidora. “As plantas chinesas só são viáveis porque têm escala gigantesca e não há alternativas disponíveis”, afirmou.
A resina PET (tereftalato de polietileno) provou ser imbatível nas garrafas de bebidas, mas tem preços deprimidos pelo excesso de capacidade produtiva mundial instalada. Além disso, parte do paraxileno estava sendo direcionada para aumentar a oferta de gasolina, majorando o custo.
“Essa situação deve ser revertida com a crise e a evolução do mercado tende a enxugar os excedentes globais, permitindo recuperar a rentabilidade”, afirmou Ramos.
O poliestireno não tem recebido ampliações, mas sua demanda ainda cresce, porém em ritmo lento. A tendência é de recuperação de margens.
No Brasil, o grupo Unigel adquiriu a unidade de produção de monômero mantida pela Dow em Camaçari- BA, garantindo o suprimento para a sua planta de polimerização de Cubatão-SP e o atendimento aos consumidores do monômero.
Projetos maduros – Um alento para quem ainda pretende investir em novas capacidades produtivas: os custos caíram significativamente, invertendo uma tendência altista instaurada há pelo menos três anos.
“O custo total de investimento em petroquímica estava subindo na média de 20% ao ano nos últimos anos, fato que levou alguns projetos ao cancelamento”, informou Ramos.
Ele espera uma queda de pelo menos 50% nesses custos. A Braskem está se beneficiando dessa situação nas plantas que ergue na Venezuela, em parceria com a Pequiven.
Em fase de detalhamento de engenharia e contratação de equipamentos críticos, os projetos lograram obter reduções de preços nos últimos meses.
Além disso, agora há maior disponibilidade de serviços de engenharia e montagens, e os prazos de entrega de equipamentos foram encurtados.
Foram montadas duas joint ventures entre as companhias. A primeira, denominada Propilsur, construirá uma unidade de desidrogenação de propano com tecnologia contratada com a UOP.
A olefina obtida alimentará a fábrica contínua de polipropileno (Spheripol) para 450 mil t/ano. Esse projeto está orçado em US$ 3 bilhões, com previsão de entrar em operação em 2011.
A outra jv, a Polimerica, terá um cracker de etano de gás natural para 1,3 milhão de t/ano de eteno, alimentando três trens capazes de fazer o total de 1,1 milhão de t/ano de polietilenos. A empresa contratou, para tanto, tecnologia da Ineos/Basell e deverá estar concluída em 2013.
Em Paulínia-SP, a Braskem inaugurou sua planta para 350 mil t/ano de PP que recebe propeno da refinaria vizinha (Replan), volume complementado com parte do propeno disponível na Revap, de São José dos Campos-SP. Essa transferência do gás é feita por carretas rodoviárias parecidas com as usadas para levar gás de cozinha (GLP).
Na área internacional, a Braskem deixou de lado os planos que acalentou durante anos na Bolívia e começa a desenvolver idéias semelhantes no Peru, país também produtor de gás natural.
“Imaginamos um cenário global no qual a Europa e os Estados Unidos reduzirão sua capacidade de produção de petroquímicos, valendo-se de importações, isso abre uma grande oportunidade também para a América Latina, em países dotados de matérias-primas com custo aceitável”, explicou Ramos.
No entanto, as análises de investimento também devem considerar vulnerabilidades políticas.
Brasil, México e Argentina já contam com parques petroquímicos instalados e expertise no setor. Mas carecem de petróleo e gás. A descoberta do petróleo no pré-sal abre uma perspectiva fantástica para toda a cadeia petrolífera e petroquímica, mas ainda depende de análises de viabilidade econômica.
O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, afirmou publicamente que os investimentos da estatal não serão diminuídos. Sem contar os campos do pré-sal, cuja exploração exige desenvolver sistemas de exploração e de logística mais adequados, a companhia detém reservas em quantidade sufi ciente para suprir a demanda doméstica por combustíveis e insumos petroquímicos durante décadas.
Dessa forma, a companhia reafirma o interesse em erguer o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), com o intuito de agregar valor ao óleo pesado extraído da Bacia de Campos, hoje vendido em parte para o exterior com deságio.
José Sérgio Gabrielli promete manter os planos petroquímicos da estatal
O Comperj, sediado em Itaboraí-RJ, está sendo desenvolvido pela Petrobras, com participação do grupo Ultra. Demais companhias petroquímicas nacionais e estrangeiras aguardam a definição do modelo de negócios para verificar se poderão pleitear posições no cracker ou nas linhas de segunda geração.
Pressão ambiental – Países desenvolvidos, especialmente os europeus, acentuaram as pressões de cunho ambiental contra atividades industriais, entre as quais a indústria química se destaca. Embora a crise econômica possa dar um alívio temporário, os controles e pressões serão intensificados no longo prazo.
Antes da eclosão das dificuldades financeiras, várias companhias químicas e refi narias de petróleo anunciaram investimentos para capturar o gás carbônico que emitiriam para a atmosfera, armazenando-o em minas de carvão desativadas para uso futuro, talvez daqui a dez anos, quando for desenvolvida tecnologia economicamente viável de aproveitamento do gás.
Ramos considera que a instituição de taxas para a emissão de gases geradores do efeito estufa, entre eles o CO2, poderá tornar plausíveis algumas idéias. “Na Europa já se fala em multar as emissões em 40 euros por metro cúbico de gás carbônico emitido”, afirmou.
O mecanismo de cobrança está sendo preparado para evitar que as indústrias migrem para países fora do bloco europeu e depois exportem para lá seus produtos. A idéia é taxar os importados na mesma proporção que seus similares domésticos.
“O pior é que não vejo nenhum licenciador de tecnologia preocupado em desenvolver processos que minimizem ou eliminem a geração de gases do efeito estufa”, criticou Ramos. “Eles adotaram a estratégia do avestruz.”
O uso de etanol para a geração de olefinas representa uma alternativa menos agressiva ao ambiente, uma vez que a cana-de-açúcar (no caso brasileiro) absorve grande quantidade de CO2 durante seu crescimento e acumulação de sacarose.
Mas, segundo o vice-presidente da Braskem, esses projetos são viáveis por conta própria, gerando resinas termoplásticas de qualidade premium, com preço superior ao das commodities. “Esses projetos não precisam de créditos de carbono para alcançar viabilidade econômica”, confirmou.
A Braskem constrói em Triunfo-RS instalações para produzir 200 mil t/ano de polietilenos verdes, que demandarão 460 milhões de litros/ano de etanol. O projeto foi orçado em R$ 500 milhões e tem previsão de partida para 2011.
Segundo Ramos, já existe um acordo firmado com a Toyota Tsusho para a exportação dessa resina para o Japão, onde será transformada em peças de automóveis. Empresas européias e dos EUA também se interessam pelo produto para confeccionar embalagens sofisticadas.
Na linha das resinas verdes, a Dow Brasil e o grupo Crystalserv formaram uma parceria para produzir etanol, eteno e polietilenos em Minas Gerais mediante investimento orçado em um bilhão de reais. A produção de resinas será de 350 mil t/ano, com início a partir de 2011.
Mais rápido que elas, a Solvay Indupa vai produzir, em Santo André- SP, 60 mil t/ano de eteno com etanol fornecido pela Copersucar a partir de 2010. Segundo o CEO da Solvay Indupa, Augusto Didonfrancesco, a olefina verde permitirá ampliar a produção local de PVC.
Augusto Didonfrancesco: cadeia do PVC ganha novo reforço no
“Teremos uma resina totalmente obtida de fontes naturais: açúcar de cana e sal”, comentou.
A companhia produziu eteno de álcool nas décadas de 60 e 70, até que a Petroquímica União a suprisse com olefina petroquímica de menor custo.
A Quattor divulgou recentemente a tecnologia que desenvolveu para produzir polipropileno usando como insumo a glicerina, subproduto da produção de biodiesel. A empresa espera ter produção comercial da resina em 2012.
Consolidação – A Quattor conseguiu aglutinar os ativos petroquímicos da Região Sudeste, unindo capitais dos grupos Unipar, Suzano Petroquímica e Petrobras, mediante movimentos rápidos e ousados de aquisições.
Após a consolidação da Braskem, que dominou o panorama dos pólos petroquímicos gaúcho e baiano, ficou evidente a importância de criar um competidor com musculatura suficiente para confrontála e também aos ávidos exportadores asiáticos.
Inicialmente, a Petrobras comprou a Suzano Petroquímica para, no movimento seguinte, colocar suas participações acionárias no embrião da Quattor.
A Unipar tratou de adquirir participações dos demais acionistas na Petroquímica União. Isso implicou assumir também a antiga, porém atualizada, unidade de produção de PEBD de alta pressão da Dow (ex-Union Carbide) em Cubatão-SP. Ainda faltam alguns detalhes para a formação completa da Quattor.
“Já operamos como empresa única, mas ainda não conseguimos atuar com um único CPF, meta a ser alcançada em breve”, afirmou Vitor Mallmann, presidente da Quattor.
Ele explicou que a companhia possui, no início de dezembro, 99,2% das ações da Petroquímica União, empresa que tinha a maior pulverização do capital social em toda a petroquímica nacional. Esse percentual permite o fechamento do capital e o resgate das demais posições.
Além desse lance, ainda há uma situação a ser resolvida na planta de polietilenos do Rio de Janeiro, antes conhecida por RioPol. “Essa unidade foi construída com um financiamento internacional que precisa ser transferido para a Quattor, porém não estamos em um bom momento para renegociações”, comentou. O contrato vigente foi firmado com juros muito mais favoráveis do que os disponíveis atualmente.
A participação acionária em poder do BNDES na RioPol migrará para a Quattor, existindo um acordo para tanto, segundo o executivo.
A RioPol exporta anualmente 150 mil t/ano de polietilenos, cumprindo o contrato firmado na sua fundação com o licenciador de tecnologia, com preços ligeiramente inferiores ao do mercado doméstico. Para Mallmann, isso não constitui nenhuma dificuldade, pois a exportação garantida permite rodar a planta com alta ocupação, estimada em 90% para os últimos meses de 2008.
Até julho, houve restrições no suprimento de gás natural que limitaram o uso da capacidade total em 80% a 85%. “Ainda temos problemas de suprimento garantido por falta de gás na região de Campos”, afirmou.
No antigo pólo petroquímico paulista, a unidade de insumos básicos da Quattor (ex-Petroquímica União) concluiu em outubro a sua parada geral de manutenção, retomando seus níveis habituais de produção. A entrada em operação dos novos fornos a gás de sobras de refi no foi postergada para janeiro de 2009.
“Houve atrasos por falta de mão-de-obra qualifi cada, serviços de engenharia e equipamentos para concluir os trabalhos na Revap, difi culdades típicas do momento de euforia pré-crise”, explicou.
A chegada do etano em Santo André-SP permitirá ampliar em 200 mil t/ano a oferta de eteno, alimentando a nova fábrica de 230 mil t/ano de polietileno da Quattor, que já está pronta e condicionada.
Os ganhos de produção da central paulista permitiram enviar suprimento adicional de 40 mil t/ano para a Carbocloro (50% Unipar e 50% Oxychem) poder ampliar sua produção de dicloroetano, ocupando capacidade ociosa. Para isso contribuiu também a ampliação da unidade de cloro (em mais 100 mil t/ano) e soda (mais 112 mil t/ano) da empresa.
Integração total – A formação da Quattor alterou a visão do mercado por parte dos fornecedores de resinas agora integrados.
“Há muita proximidade entre todas as áreas da companhia, especialmente dos negócios de polietilenos e polipropileno, tanto que fazemos seminários em conjunto olhando para aplicações e clientes, deixando de lado a visão limitada por cada resina”, explicou o gerente de marketing de polietilenos, Rafael Navarro. Dessa forma, é possível encontrar a alternativa que melhor satisfaz às necessidades dos clientes.
Ele explicou que ainda é difícil prever o comportamento do mercado de resinas para os próximos meses. “De forma geral, caso o nível de emprego no Brasil seja mantido, o consumo de polietilenos tende a se manter estável ou a crescer”, disse.
Com aplicações diversificadas, em segmentos como embalagens termoencolhíveis e esticáveis, produtos agroindustriais e alimentos, essas resinas não sofreram retração de demanda até novembro.
Houve, nesse período, um acirramento da concorrência com produtos importados de várias origens.
“O mercado mundial caiu muito forte, e os excedentes foram espalhados com preço baixo por todo o mundo”, explicou. A desvalorização do real conteve apenas parcialmente a invasão estrangeira, pois foi menor que a queda de preço das resinas.
Segundo Navarro, os transformadores asiáticos voltaram a comprar resinas em novembro, aliviando a pressão sobre o Brasil. A transferência da queda das cotações do petróleo na cadeia produtiva dos plásticos é lenta.
A parada geral do pólo paulista implicou na redução de produção das linhas de baixa densidade convencional, em Santo André e Cubatão.
“Conseguimos formar estoques suficientes para abastecer o mercado sem a necessidade de recorrer a compras de outros fabricantes”, comentou. Além disso, as vendas para a Argentina foram reduzidas durante a parada.
A chegada do etano da Revap é esperada com ansiedade por Navarro. Trata-se de planta com tecnologia diferente de todas as unidades existentes no país, fornecida pela Chevron.
“Essa planta será especializada em polietileno de alta densidade para sopro e para alto peso molecular, tipos que produzimos hoje na RioPol”, explicou.
A idéia é manter operantes as duas fábricas de baixa densidade, cujas quatro linhas de produção foram atualizadas tecnologicamente e estão em perfeito estado de conservação.
A unidade de polietileno da Quattor no Rio (a RioPol) deverá fechar o ano com a produção acumulada de 430 mil a 440 mil t.
“Faltou etano para encher a planta, com capacidade nominal para 540 mil t/ano”, disse. Essa unidade opera atualmente com grande ocupação, também porque oferece resinas para o pré-marketing da nova fábrica paulista.
PVC binacional – A Solvay Indupa mantém suas fábricas de Santo André- SP e Bahía Blanca (Argentina) em perfeita sintonia, com fluxos combinados de materiais e produtos finais entre si. Isso significa aproveitar as melhores oportunidades de produção de monômero de cloreto de vinila (MVC) e do seu polímero (PVC).
A unidade paulista vai concluir ainda neste ano a ampliação da produção de hidróxido de sódio de 120 mil para 170 mil t/ano.
Em PVC, o aumento será de 245 mil para 300 mil t/ano. “Até o fi m de 2010, estaremos produzindo 235 mil t/ano de soda e 350 mil t/ano de PVC”, informou o CEO da Solvay Indupa, Augusto Didonfrancesco.
Para tanto, a companhia está providenciando o aporte de matérias-primas, incluindo as 60 mil t/ano de bioeteno, obtido do etanol.
Na Argentina, a capacidade de PVC está sendo ampliada de 220 mil para 260 mil t/ano até 2010, com investimento de US$ 60 milhões. Somando todas as plantas regionais, os investimentos da companhia chegam a US$ 500 milhões entre 2006 e 2010.
Esses investimentos pretendem manter a posição de destaque da companhia na produção de PVC e soda cáustica do Mercosul.
“O grupo Solvay detém 70% da Solvay Indupa e é o terceiro maior produtor mundial desses negócios, incluindo desde polímeros de massa (PVC) até os especiais, além de especialidades químicas e farmacêuticas”, comentou Didonfrancesco.
A evolução do portfólio tem lastro na melhoria tecnológica dos processos e dos produtos para mercados mais exigentes, além da integração total do suprimento de matérias-primas estratégicas.
Neste ano, a Solvay Indupa criou, com a empresa argentina Rafael Albanesi S.A., a joint venture Solalban Energia (58% Solvay Indupa) para construir uma termoelétrica, com turbinas de ciclo combinado (da Pratt & Whitney) alimentadas a gás, na planta de Bahía Blanca.
A usina terá capacidade de produção de 120 MW de eletricidade a partir do segundo trimestre de 2009, a ser ampliada posteriormente para 165 MW.
O gás natural será fornecido pela Albanesi e a eletricidade será sufi ciente para suprir totalmente às necessidades da petroquímica, com o excedente direcionado para outros clientes.
No Brasil, a Solvay Indupa recebeu US$ 1,4 milhão pela primeira venda de créditos de carbono referentes à redução de 42 mil t/ano de emissões de gases do efeito estufa em Santo André-SP.
Isso foi conseguido pela substituição de óleo combustível por gás natural nos fornos e caldeiras da companhia, a primeira do pólo petroquímico paulista a obter esses créditos previstos no Protocolo de Kyoto.