Petrobras – Barreiras externas e internas emperram plano de recuperação

A paralisação dos petroleiros, iniciada no primeiro dia de novembro, atingiu plataformas, refinarias e terminais, impactando parcialmente as operações da estatal e, consequentemente, a produção de hidrocarbonetos e seus derivados, faz parte de uma queda de braços interna.

Essa é a resposta dos funcionários das empresas integrantes do chamado sistema Petrobras contra as medidas que vêm sendo adotadas pelo presidente da companhia, Aldemir Bendine. Mais do que isso, é uma demonstração de força do corporativismo petroleiro, que já protagonizou pesadas derrotas a governos anteriores.
Anunciada há pelo menos dois meses, a greve deflagrada pelos sindicatos dos petroleiros em todo o país é mais uma agravante na maior crise vivida pela Petrobras em seus mais de 60 anos de atividades.
Os ânimos internos estão acirrados desde o anúncio do plano de negócios para 2015-2019, que reduziu o volume de recursos a serem alocados em projetos, empreendimentos e ações estruturantes da corporação e estabeleceu um plano de desinvestimentos, que compreende também a venda de ativos. São medidas consideradas necessárias pelo mercado e pelos especialistas do setor frente ao endividamento crescente da estatal e da sangria causada pela corrupção, envolvendo executivos da estatal, de empreiteiras e fornecedores de bens e serviços.
Corte na carne – Além dos impactos em toda a cadeia produtiva, as medidas implementadas por Bendine também reverberam internamente, uma vez que abrangem uma reestruturação corporativa, com diminuição no número de diretorias e gerências executivas (eram mais de 50 e podem ficar em torno de 30), e um programa de redução da jornada de trabalho, com a respectiva redução salarial para os que aderirem ao programa.
O corte na carne se estende até o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Miguez de Mello (Cenpes), principal executor da política de PDI da empresa, que tem parceria com dezenas de instituições em todo o país. Estão sendo avaliadas as áreas/gerências a serem enxugadas e os projetos que serão suspensos ou mesmo descontinuados na instituição que tem ajudado a Petrobras a se posicionar como líder tecnológica em águas profundas e conquistar vários prêmios.
Inclusive o que foi entregue no final de outubro a um ex-gerente do Cenpes, Antonio Carlos Capeleiro Pinto, que há quase uma década está em uma gerência relacionada ao pré-sal, na área corporativa. Ele recebeu o OTC Distinguished Achievement Award for Individuals por sua “contribuição para o desenvolvimento técnico e gerenciamento dos campos de petróleo em águas profundas e ultraprofundas”. Prêmio justificado, que alimenta ainda mais o espírito corporativista de “quem faz a empresa são os petroleiros”.
O corte se estende também aos trabalhadores terceirizados, que hoje representam uma parcela significativa da empresa (e, ameaçados, somam voz aos grevistas). E abrangem a participação em eventos (o que explica a ausência da Petrobras na OTC Brasil 2015, realizada em outubro) e gastos com mídias externas e internas. Essas medidas se aplicam a todas as subsidiárias, incluindo Petrobras Distribuidora e Transpetro.
Conselho instável – Prevista para ser implementada a partir de 1º de dezembro, essa reestruturação não vem obtendo o consenso no próprio conselho de administração, que vem passando por consecutivas deserções. A começar pelo seu presidente Murilo Ferreira e do vice-presidente Clovis Torres Junior, ambos licenciados desde setembro (até 30 de novembro).
Menos de 48 horas depois da deflagração da greve e prisão, na Bahia, de um dos conselheiros (Deyvid Bacelar, representante dos empregados), Torres Junior renunciou. Não se sabe ainda se o presidente licenciado, Murilo Ferreira, vai seguir o mesmo caminho.
Tanto Ferreira como Torres Júnior têm cargos executivos na Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, e seriam nomes ‘cotáveis’ para o comando de uma companhia como a Petrobras. Ferreira teria sido inclusive um dos nomes avaliados quando da escolha de Bendine. Por isso há quem afirme que a ausência dos dois nesse momento seria estratégica, para evitar possíveis desgastes no caso de uma troca de comando na estatal.
A instabilidade no conselho, conduzido agora pelo professor da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Nelson Guedes de Carvalho, reflete o ambiente interno da companhia presidida por Bendine.
Resistência interna – Sanear as finanças da empresa e reduzir o endividamento é uma das prioridades de Bendine. Mais do que isso, é a missão que lhe foi conferida quando nomeado presidente da petroleira, mesmo sem consenso nas hostes governamentais e nos partidos políticos. Para ter sucesso nessa tarefa, não basta sua experiência no setor financeiro nem tampouco o voto de confianças dos ministros de Minas e Energia, Eduardo Braga, e da Fazenda, Joaquim Levy.
Bendine precisa conseguir o apoio e consenso do conselho de administração e também dos principais dirigentes e gerentes executivos da estatal, funcionários de carreira que defendem seus projetos a unhas e dentes (principalmente na área de exploração e produção).
Desfalcados em suas áreas, muitos gerentes e lideranças corporativas ressentem-se das medidas adotadas por Bendine sem ouvir todas as partes interessadas. Daí a resistência interna cada vez maior ao atual presidente, que tem na greve mais uma oportunidade para mostrar sua capacidade de gerenciar crises, dessa vez no âmbito interno.
A extinção de cargos gerenciais (e, consequentemente, de bônus salariais pelas funções) e a redução da jornada de trabalho são os motivos pecuniários por trás da greve geral dos petroleiros. Mas também há as tradicionais bandeiras em defesa da companhia, que tem sido a força motriz de boa parte da economia do país.
Ficou no papel – O programa de desinvestimento, que estabeleceria, entre outras ações, quais os ativos a serem vendidos, tropeça em algo muito maior: uma decisão política, de Governo. Em agosto, no dia 24, o Diário Oficial da União, publicou medida conjunta dos ministérios de Minas e Energia (MME) e da Fazenda, criando um grupo de trabalho para estudar impactos da venda de ativos da Petrobras.
Dois meses e meio depois, não se tem notícias desse grupo de trabalho que, a princípio, seria formado por quadros dos dois ministérios, a despeito de tentativas de partidos do governo e da oposição de indicarem pessoas de sua confiança. Os ministérios defendem que os trabalhos devem ser feitos por técnicos qualificados para esse fim e não por assessores políticos.
Tampouco há informações se foram realizadas reuniões de trabalho, adiadas mais de uma vez por viagens dos dois ministros. O mote do grupo de trabalho perdeu força devido à queda nos preços das ações da companhia, que levaram inclusive ao adiamento de uma venda inicial de ações (IPO) da Petrobras Distribuidora.
Parte invisível – Na avaliação de técnicos do governo, seria considerável o impacto da venda de parte da distribuidora, com uma rede de aproximadamente 8 mil postos distribuídos em todo o país (parte própria e parte de parceiros), representando em torno de 30% do mercado.
Some-se a isso a parte que não é tão visível da distribuidora, mas que responsável por uma parcela enorme do faturamento: o mercado consumidor. Mais da metade dos quase 58 milhões de m3 em produtos (combustíveis e derivados automotivos) comercializados no ano passado, cerca de 30 milhões, foram para frotas públicas e privadas, de transporte de carga e passageiros, além do atendimento direto a grandes grupos industriais de vários segmentos (mineração, automotivo, agronegócio etc.).
A empresa também tem negócios na área de asfalto – é a maior fornecedora individual desse item, para as três instâncias de governo (federal, estadual e municipal) – e na área de aviação, com presença em mais de uma centena de aeroportos espalhados pelo país, em todos os estados da federação. E ainda responde pelo gerenciamento (supply house) de boa parte dos produtos químicos utilizados pela Petrobras em suas operações de exploração e produção em todas as bacias offshore – de Santos à Sergipe-Alagoas.
A área de asfalto é vista como um bom negócio: a empresa tem um amplo parque fabril, com sete fábricas próprias de produção e outras quatro da subsidiária integral Stratura Asfaltos (fábricas compradas da Ipiranga). Essas unidades fabris têm como principal vantagem competitiva o fato de estarem localizadas em pontos estratégicos do Nordeste (Ceará e Bahia), Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) e Sul do país (Paraná e Rio Grande do Sul). Ou seja, próximas de refinarias da Petrobras (que produzem o asfalto básico) e em regiões onde há forte demanda e concentram as principais empreiteiras que realizam obras em rodovias e vias urbanas.

Produção é prioridade – O programa de desinvestimento e o saneamento das finanças da Petrobras são tarefas que Bendine tem de realizar sem deixar de zelar pelos ativos que geram receita para a companhia. Ou seja: pelos projetos de desenvolvimento da produção no pré-sal, que triplicou em dois anos e meio; bem como pela frota de plataformas offshore que produzem a maior parte do petróleo e gás natural da companhia. Manter os níveis de crescimento da produção é um desafio contínuo – e o core business da petroleira.
Esse é um ponto de honra para os executivos da área de Exploração e Produção, liderados pela diretora Solange Guedes. Afinal, esta é a área que tem assegurado quase todos os maiores louros para a empresa, assim como os maiores ganhos, tanto em saltos de produção e avanços tecnológicos como também em valorização da estatal na primeira década desse século.Marcos que Solange Guedes fez questão de destacar durante a OTC Brasil 2015, terceira edição do evento internacional, que foi realizado pela primeira vez fora dos Estados Unidos há quatro anos, no Rio de Janeiro. Ela elencou, primeiro, a redução de custos e de tempo que a empresa vem assegurando em atividades chaves.
Desde 2010, a estatal conseguiu diminuir em mais de 50% o tempo de construção dos poços do pré-sal. Baixou também o custo de produção (lifting cost) por barril nesta fronteira – está em torno de US$ 9, em comparação com a média das principais oil companies do mundo, que é de US$ 15. Ela destacou ainda a alta eficiência operacional, de 92,4%, na média dos últimos três anos (meta defendida pela ex-presidente Graça Foster).
Pré-sal é crucial – “A Petrobras atingiu uma combinação única de custos, produtividade e eficiência. Como consequência, um portfólio muito competitivo”, foi o recado da executiva, que fez questão de destacar a alta produtividade dos poços do pré-sal, que possibilitou à companhia triplicar a produção na região em 30 meses.
Ela frisou que a produção de óleo e gás natural operada pela Petrobras no pré-sal se manteve acima de 1 milhão de barris de óleo equivalente por dia (boed, inclui gás natural) em setembro, com produção média de 1,028 milhão de boed. “Tivemos um recorde histórico de 1,12 milhão de boed no dia 15 de setembro”, comemorou.
Neste mesmo 15 de setembro, foi batido novo recorde diário de produção operada de petróleo no pré-sal, com 901 mil barris por dia (bpd). Ao longo desse mês, a produção média de óleo operada no pré-sal foi de 828 mil bpd, cerca de 40% dos 2,06 milhões de bpd produzidos no país pela estatal no mesmo mês – o que representou uma redução de 6,7% em relação a agosto (2,21 milhões de bpd). A queda se deveu, segunda a petroleira, a paradas programadas de grandes plataformas, com destaque à P-52, para manutenção. O volume de óleo médio extraído nos nove primeiros meses de 2015 é de 2,13 milhões de barris de petróleo por dia (bpd).
Segundo dados da Petrobras, que ainda não fechou os números de outubro, a produção média de petróleo e gás natural no Brasil e no exterior somaram 2,72 milhões de boed em setembro – abaixo do recorde histórico registrado em agosto, quando esse volume alcançou 2,88 milhões boed. Já a produção de gás natural, excluído o volume liquefeito, foi de 75,0 milhões de m³/dia – contra 77,2 milhões de m³/dia em agosto. Números que estão ameaçados pela paralisação.
Nos dois primeiros dias da greve, a petroleira contabilizou uma queda de produção de 273 mil barris de petróleo, o que corresponde a 13% da produção diária no Brasil. Segundo a Petrobras, 7,3 milhões de metros cúbicos de gás natural deixaram de ser disponibilizados para o mercado, o que equivale a 14% do gás ofertado diariamente.
Mais impactos – Com a perda de produção, também será reduzida a arrecadação de tributos recolhidos em favor da União Federal, estados e municípios, como os Royalties e a Participação Especial. Ou seja: novo percalço na economia dessas regiões que contam com esses recursos. Por enquanto, não há sinais de risco de desabastecimento, de acordo com a estatal. Mas isso vai depender de como Bendine vai conduzir essa negociação.
No início de outubro, na tentativa de atenuar o clima de descontentamento, ele destacou o papel dos funcionários na trajetória da empresa, ao comemorar os 62 anos da Petrobras, no dia 3 daquele mês. Segundo ele, “a companhia segue como símbolo da imensa capacidade de realização e de superação dos brasileiros. Essa condição especial não teria sido alcançada sem a dedicação e o empenho dos funcionários ao longo deste período”, declarou o executivo em teleconferência para todas as unidades da petroleira.
Ele reconheceu que a empresa passava por um momento de desafios e de grandes aprendizados. “Para nós, da diretoria da empresa, é inspirador ver o trabalho cotidiano de todos que fazem parte da Petrobras, com a missão de tornar a empresa cada vez mais sólida e transparente, para seguir em frente de forma sustentável, em um cenário de dificuldades para toda a indústria de petróleo. Com a competência e o engajamento de cada um, não tenho dúvidas de que vamos superar os obstáculos e alcançar nossos objetivos”, afirmou. Os petroleiros ouviram. Mas decidiram cruzar os braços.