Perspectivas 2017 – Etanol: Produção e demanda caem, mas usinas investem nos canaviais e esperam preços adequados
A escalada da produção de etanol, verificada desde 2013, sofrerá uma puxada de freio este ano. “Na safra 2016/17, devemos ter uma produção total de 27,19 bilhões de litros – 10,2% a menos que no exercício anterior –, dos quais 11,62 bilhões de litros de etanol anidro e 15,57 bilhões de litros de etanol hidratado. O consumo combustível, anidro mais hidratado, é estimado pela Datagro em 26,45 bilhões de litros”, prevê Plínio Nastari, presidente da consultoria especializada no setor sucroalcooleiro.
O consumo para alcoolquímica e todos os usos industriais e domiciliares deve ficar em 1,68 bilhão de litros. As exportações caem para 1,15 bilhão de litros, e a importação deve atingir 1,23 bilhão de litros. Nastari comenta que a queda da atividade econômica é a grande razão por trás da redução do consumo para alcoolquímica e usos industriais: “A queda na venda de automóveis e o encolhimento da construção civil são elementos importantes que justificam a queda observada no uso de etanol como insumo para a indústria”.
Esses dados coincidem com as projeções da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que indicam que a atual safra deverá totalizar 27 bilhões de litros de etanol, sendo 43% de etanol anidro, aditivo misturado na gasolina; e os 57% restantes de etanol carburante. As exportações e importações devem responder por algo em torno de 5% cada. Pelas contas de Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico, 10% da oferta interna de álcool é destinada às exportações e ao consumo não carburante (bebida, limpeza, etc).
“Esperávamos uma oferta de cana de 640 milhões de toneladas para processar, na região Centro-Sul, e mais 50 milhões no Nordeste. E, provavelmente, a moagem vai ficar em 605 milhões de t, uma quebra de 12,3%”, declara Rodrigues. O Brasil deverá produzir 655 milhões de t este ano. No ano passado chegou a 670 milhões de t. A safra atual de cana-de-açúcar começou em abril de 2016 e termina em março deste ano.

Segundo Rodrigues, a diminuição da produção se deveu, “basicamente, por causa dos canaviais envelhecidos, que perdem produtividade. Além disso, 40% da região Sul foi afetada por geadas e a colheita teve que ser antecipada. Essa cana de 4 a 5 meses, muito jovem, reduziu a qualidade da matéria-prima. E ainda aconteceram outros fenômenos climáticos, como o veranico de final de maio e o de agosto-setembro, e a escassez de chuvas em abril e agosto”. A combinação desses fatores afetou a oferta de cana.
Nastari lembra que, na safra 2015/16, encerrada em 31 de março de 2016, na região Centro-Sul, e em 31 de agosto de 2016, na região Norte-Nordeste, foi atingido o recorde de produção de etanol no Brasil, com 30,42 bilhões de litros, sendo 11,67 bilhões de litros de etanol anidro, e 18,74 bilhões de litros de etanol hidratado.
O consumo de etanol combustível absorveu 28,69 bilhões de litros de anidro e hidratado. O consumo para alcoolquímica e todos os usos industriais e domiciliares sugou 2,15 bilhões de litros; a exportação representou 1,94 bilhão de litros; e a importação, 0,77 bilhão de litros.
Para a próxima safra, 2017/18, que será iniciada em 1º de abril, a Datagro estima uma produção de etanol de 26,91 bilhões de litros; o consumo combustível total de 25 bilhões de litros; consumo para alcoolquímica e todos os usos industriais e domiciliares de 1,5 bilhão de litro; exportação de 1,1 bilhão de litros; e importação de 1 bilhão de litros.
Equilíbrio – Atualmente, Rodrigues diz que há um equilíbrio entre a oferta e a demanda de álcool. Ele assinala que houve uma redução na oferta de cana e de etanol: “Há quatro anos, com a baixa nos preços do açúcar no mercado internacional, os usineiros brasileiros direcionaram muito mais cana para a produção de etanol. Agora, com a melhora nos preços do açúcar, foi reduzida a oferta de etanol hidratado carburante, mas não a do anidro”.
Essa redução levou, de acordo com o diretor da Unica, à diminuição das exportações. Com isso, há equilíbrio esse ano entre as exportações e as importações de etanol. A tendência, de abril de 2016 a março de 2017, é de uma estabilidade em torno de 1,4 bilhão de litros.

Nastari recorda: “O Brasil já chegou a exportar 4,68 bilhões de litros de etanol na safra 2008/09. No ano civil de 2008, foram 5,1 bilhões de litros. Desde então, a crise do setor de açúcar e etanol, causada pela intervenção no preço da gasolina, e a alteração da política fiscal, fez com que diminuísse a disponibilidade de produto para exportação”.
Com relação ao nível dos preços praticados, Rodrigues explica que ele é formado diariamente, dependendo da oferta e da demanda: “Tudo vai depender da política de preços da gasolina mantida pela Petrobras, que está alinhada com o mercado internacional. É isso que vai fazer flutuar o preço do etanol”.
O etanol também depende da política tributária: 85% do mercado se concentra nos Estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Na análise de Nastari, no último ano, os preços subiram refletindo a menor oferta. “Estimamos que, em 2017, os preços do etanol continuarão pressionados por uma oferta ainda controlada”, acrescenta.
RenovaBio – Para Rodrigues, já é possível divisar, entretanto, uma alteração na oferta de cana por conta da renovação dos canaviais e a busca de maior produtividade. O que poderá impactar a produção de açúcar e de etanol nos próximos anos.
A maior mudança, no entanto, na opinião do executivo, deverá ser protagonizada pelo programa RenovaBio, que ele considera um marco na história do desenvolvimento do setor, comparável ao lançamento do Proálcool (1975) e do surgimento dos carros a etanol e flex – a oferta de cana dobrou no país, entre 2004 e 2008, por causa dos veículos flex.
“Desde que foi lançada a frota flex do Brasil, em março de 2003, o consumo de etanol hidratado cresceu bastante, passando de 4,75 bilhões de litros em 2004/05, para 14,54 bilhões de litros em 2016/17”, observa Nastari. “O consumo de etanol anidro passou de 7,69 para 11,91 bilhões de litros. No mesmo período, o consumo de etanol para alcoolquímica e todos os usos industriais e domiciliares passou de 1,02 para 1,68 bilhão de litros”.
Rodrigues narra que o governo pretende colocar a nova regulação em consulta pública, em março próximo: “A grande expectativa para 2017 é que se concretize a regulação e se defina a participação do etanol na matriz energética. Aí, os empresários terão mais segurança para investir”. Nastari concorda: “O setor precisa de uma regulação que defina como se dará a competitividade do etanol em relação à gasolina”.
O secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Márcio Félix Bezerra, anunciou o lançamento do programa RenovaBio 2030 em audiência pública da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas do Senado Federal, no dia 8 de novembro do ano passado. A audiência teve por objetivo debater a influência dos biocombustíveis no cumprimento das metas brasileiras estabelecidas no Acordo do Clima de Paris.
De acordo com a definição do Ministério, o RenovaBio 2030 é uma iniciativa que busca garantir a expansão da produção de biocombustíveis no país, baseada na previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e financeira, em harmonia com o compromisso brasileiro na COP21 e compatível com o crescimento do mercado.
Por meio do diálogo entre governo e os diversos agentes que atuam no mercado de energia, o RenovaBio buscará convergências sobre a relevância do biodiesel, do etanol e de novos biocombustíveis, com vistas à definição do papel dos biocombustíveis na matriz energética nacional. O resultado dessa iniciativa será fundamental para o diagnóstico setorial, para a identificação de necessidades e para o planejamento de ações de curto, médio e longo prazos.
A COP 21, a Conferência do Clima da ONU, realizada no final de 2015, em Paris, definiu metas para frear as emissões de gases de efeito estufa, uma maneira de enfrentar as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. Essas emissões cresceram 3,5% no Brasil, em 2015, em relação a 2014, segundo balanço divulgado pelo Observatório do Clima, rede que reúne 40 organizações da sociedade civil.
Em conformidade com o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o país emitiu 1,927 bilhão de t de CO2 contra 1,861 bilhão de t em 2014. O desmatamento foi, segundo o estudo, o principal responsável pelo aumento, o que contrariou a tendência de queda no lançamento de poluentes, esperada em um ano de recessão, com retração de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB).
O Brasil poderá, assim, dobrar a produção de etanol em 13 anos, ou seja, atingir um patamar em torno de 56 bilhões de litros em 2030. Dentro dos conceitos de sustentabilidade ambiental e econômica, deverão ser estabelecidas regras para comercialização e o investimento em novos biocombustíveis, como o etanol de segunda geração (a partir do bagaço ou da palha da cana), o biodiesel HVO (óleo vegetal hidrotratado), o diesel de cana, o biogás/biometano (substitui o diesel na frota que transporta cana) e o bioquerosene.
“Mais do que antes, o etanol é o combustível do futuro. Quando se leva em conta o conceito do poço-a-roda, os biocombustíveis representam a única solução disponível para atingir as metas de descarbonização previstas no Acordo do Clima de Paris. As principais montadoras preconizam o uso de misturas elevadas de etanol para permitir a adoção de motores cada vez menores, com elevadas taxas de compressão”, explicou Nastari.
“O Brasil e outros países com potencial para desenvolver a produção sustentável de etanol de biomassa, principalmente de cana-de-açúcar, têm uma oportunidade muito grande de estabelecer as bases seguras para o desenvolvimento sustentado desta atividade tão importante para a economia, a geração de empregos e o meio ambiente”, prossegue o consultor. “Mas, para que isso aconteça é preciso definir a regulação de mercado que viabilize esta expansão pelo setor privado. Sem isso, continuaremos falando apenas de potencial”.Investimentos – Em compasso de espera pelas novidades que deverão vir com o RenovaBio, os investimentos do setor se restringem à própria atividade, como na recuperação de canaviais, aumento de produtividade, tecnologia, plantio com GPS e plantio com colheita mecanizada. “Os investimentos atuais estão acumulados no processo de produção e na busca de produtividade agrícola. Os investimentos em usinas só devem acontecer após o lançamento do RenovaBio”, arremata Rodrigues.
“Atualmente existem 354 usinas em operação no Brasil. Desde 2009, 81 unidades fecharam as portas e não há nenhum projeto em implantação neste momento”, destaca Nastari. O consultor salienta que, de concreto, há investimentos em mecanização, cogeração de energia elétrica e formação e treinamento de mão-de-obra.
No entanto, “estão praticamente paralisados os investimentos em expansão da capacidade de moagem. A oferta de açúcar e etanol avaliada em uma mesma unidade de açúcares totais recuperáveis, está estável no nível de 87 milhões de toneladas desde 2010”.
Outra face da moeda é que há, conforme Nastari, várias novidades tecnológicas. “Novas variedades de cana, mais produtivas, novas técnicas de cultivo como a meiosi (plantio intercalar), plantio de mudas pré-brotadas, e na extração, que tem permitido uma redução do teor de umidade no bagaço e, portanto, maior eficiência das caldeiras. O setor produtor está se virando para superar a crise e oferecer produtos de forma competitiva, cobrindo os custos de produção que subiram com a mecanização do plantio e colheita, e com o aumento dos salários médios”.
A partir de 2006 o Brasil foi superado pelos Estados Unidos como maior produtor de etanol do mundo. Em 2000, os EUA produziam 6 bilhões de litros por ano; em 2016 atingiram 58,15 bilhões de litros. No mesmo período, o Brasil foi de 10,6 bilhões de litros de etanol para a produção, em 2016, de 30,42 bilhões de litros.
A diferença, ressalta Nastari, é que o etanol produzido no Brasil advém de cana-de-açúcar e é considerado avançado até nos Estados Unidos. Tem um balanço energético altamente positivo, de 9,1 para 1, e substitui entre 65% e 81% das emissões de CO2 da gasolina. O etanol produzido nos EUA vem do milho, é considerado convencional, tem um balanço energético de 1,32 para 1, e substitui apenas 35% a 40% das emissões de CO2 da gasolina.