Perspectivas 2012 – Saneamento – Desapego ao marco regulatório afeta ritmo de investimentos
O ano começa para o setor de saneamento básico com obstáculos difíceis de serem superados. No curto prazo, precisará conviver com a tradição brasileira de ver obras importantes de infraestrutura literalmente pararem em anos de eleição, caso de 2012, com pleitos municipais marcados para o segundo semestre. No médio e longo prazo, os desafios são considerados ainda mais críticos pelos participantes desse maltratado setor e envolvem tristes traços da alma brasileira: o desapego à lei e a falta de comprometimento, sobretudo da classe política, em resolver problemas sociais crônicos. Não custa lembrar que o Brasil ainda coleta apenas 44,5% do esgoto gerado, dos quais meros 39% são tratados. Além disso, mesmo com a maior parte da população hoje contando com água tratada, as perdas na rede chegam a 41%.
Compartilha dessa visão crítica do mercado Yves Besse, o vice-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon). Para ele, depois de quase cinco anos de um período com promessa de diminuir o atraso do setor, após a publicação do marco regulatório em 2007 e da maior disponibilidade de dinheiro público para investir, os problemas brasileiros crônicos na área ficaram em evidência.
“Ficamos anos reivindicando o marco regulatório e mais dinheiro para o setor. Hoje temos os dois, mas mesmo assim os investimentos não andam como deveriam”, afirmou Besse, também presidente da CAB Ambiental, concessionária privada do grupo Galvão que conta com 13 contratos (11 concessões plenas ou parciais e 2 PPPs), com a alta probabilidade de obter mais cinco em 2012 e que se tornou recentemente sócia do BNDESPar, o qual adquiriu 33,42% de suas ações. Mesmo satisfeito com a alta injeção de capital do banco estatal na CAB, que desembolsou R$ 120 milhões na operação, o que deve ajudar não só nos projetos em andamento como nos futuros, note-se que falando setorialmente a satisfação não é a mesma.
O marco regulatório, a lei 11.445/2007 (regulamentada pelo decreto 7217/2010), pelo acompanhamento do presidente da Abcon, Paulo Roberto de Oliveira, também não se mostrou ainda eficaz em um ponto muito importante. Embora seja uma lei de diretrizes, portanto sem a capacidade de conferir poder de fiscalização ou punição para o governo, ela determina que sejam considerados nulos os contratos de concessão firmados sem o estabelecimento prévio de planos de saneamento municipais. Ocorre que, até o final de 2010, quando o setor e o governo consideravam o ideal para a apresentação dos planos, pouquíssimas cidades haviam regularizado suas situações. Mas agora elas precisarão ficar atentas, segundo Oliveira. Isso porque o decreto regulamentador determina que, a partir de janeiro de 2014, os municípios que ainda não tiverem estabelecidos e aprovados seus planos de saneamento não terão acesso a recursos a fundo perdido ou mesmo financiados pela União.
Sem a devida atenção à nova lei, a estimativa do governo é a de que apenas 10% dos municípios brasileiros estejam com a situação regularizada. Isso significa que apenas esse pequeno percentual criou um plano, concedeu os serviços para uma concessionária privada ou estatal, regularizou seus antigos contratos com companhias estaduais ou então realizou algum outro tipo de modalidade de contrato, como subconcessão, PPP ou locação de ativos.
“Parece que o marco regulatório é uma dessas leis que não pegaram no país”, disse Yves Besse. Nada garante, por exemplo, que as restrições de crédito previstas pelo decreto regulamentador para 2014 não gerem um acordo entre os partidos políticos que controlam os municípios a fim de reverter a decisão.
“Uma questão tão séria no país continua sujeita à política pequena, não interessada em investir em obras que ficam literalmente escondidas embaixo da terra”, disse Besse.
Até mesmo a aproximação de eventos importantes no Brasil, a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, servem para deixar o cenário futuro mais duvidoso. “Temos percebido que os estados estão concentrando os projetos para estádios e outras obras, relegando ao segundo plano o saneamento”, disse. E essa escolha, na sua opinião, pode ser uma aposta perigosa. “Imagina uma mortandade de peixes na lagoa Rodrigo de Freitas durante uma prova de remo nos jogos olímpicos no Rio ou qualquer outra evidência de falta de saneamento, como mau cheiro? O Brasil vai estar em exposição e a imprensa internacional pode não ser tão desatenta quando estiver em peso por aqui”, complementou.
Aquém do necessário – Essa falta de atenção devida no saneamento é refletida nos números disponíveis para demonstrar, por exemplo, o andamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entre 2007 e 2014, abrangendo as duas fases do programa do governo federal, foram previstos R$ 81,2 bilhões para financiamento de obras ou investimentos a fundo perdido bancados pelo Orçamento Geral da União (OGU). Somadas as contrapartidas previstas de estados e empresas tomadoras dos recursos, esse valor prometeria ultrapassar os R$ 90 bilhões.
Ocorre que até meados de dezembro de 2011 apenas R$ 16,8 bilhões foram desembolsados, em um ritmo aquém do necessário. A meta do governo (se é que ela existe realmente, visto que o governo sequer faz cumprir o marco regulatório) é universalizar os serviços até 2030. Segundo o Ministério das Cidades, isso será possível se o nível atual de recursos disponíveis para o setor (cerca de R$ 11 bilhões por ano) for aplicado e ligeiramente ampliado. Mas, para começar, apenas R$ 7 bilhões são de fato aplicados em projetos e, além disso, levantamento da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) afirma que, para atingir essa meta de universalização de 20 anos, o montante teria de ser elevado para R$ 17 bilhões/ano.

Para Yves Besse, o descompasso entre dinheiro disponível e projetos em andamento tem a ver, em primeiro lugar, com gestão ineficiente dos responsáveis pelo saneamento. “São inúmeras empresas, 80% delas companhias públicas estaduais, 20% municipais e apenas 10% de concessionárias privadas. Uma minoria eficiente e uma maioria quebrada que não consegue acessar o dinheiro”, resumiu.
Para Besse, outro ponto que dificulta a aplicação do dinheiro, oriundo da Caixa Econômica Federal e do BNDES, é a estrutura político-eleitoral do país. Com eleição a cada dois anos, há uma constante interferência em processos em andamento. Quando uma cidade resolve fazer uma concessão, ou o estado uma PPP, depois de um ano no poder normalmente, demora todo o seu mandato para fazer a concorrência e permitir que a sócia ou a concessionária se instale. E muitas vezes o processo até ultrapassa o mandato do poder concedente, emperrando a entrega de propostas ou a conclusão da licitação. Isso ocorreu, por exemplo, em Joinville-SC. A situação pode ser pior ainda quando há um novo vencedor na eleição, o que leva muitas vezes à revisão de contratos do candidato derrotado e mais atraso nos projetos.
“É uma estrutura que favorece a lentidão dos projetos”, disse. Neste ano, por exemplo, com as eleições municipais, Yves Besse acredita que processos de concessões garantirão o faturamento do ano apenas até maio, mesmo assim serão conclusões de concorrências de anos anteriores. “Depois disso, para tudo e só devem continuar as PPPs, que são projetos estaduais”, disse.
Ajuda privada – Para acelerar o saneamento, a experiência global diz que a ajuda do setor privado é fundamental. As concessionárias privadas hoje representam 10% do saneamento brasileiro, atendendo 229 municípios, entre concessões e PPPs, o que representa 16 milhões de pessoas (ver a seguir entrevista com o presidente da Abcon, Paulo Roberto de Oliveira). Com o ritmo atual um pouco mais acelerado, o setor espera atender a 30% da população até 2017.
Mesmo depois de um 2011 considerado fraco, por se tratar do primeiro ano do mandato do governo Dilma, ainda paralisado em investimentos, há muitas licitações em andamento. No estado de São Paulo, as cidades de Votorantim, Piracicaba, Presidente Prudente e Atibaia são exemplos. Isso sem falar em projetos da Sabesp voltados para a iniciativa privada, em modelos de PPPs, como concorrências para o esgotamento sanitário do litoral norte e os sistemas de produção de água de São Lourenço, na região de Boituva.
Fora de São Paulo, há licitações importantes de PPPs em Alagoas, para produção de água na região de Arapiraca; outra para tratar esgoto em Recife-PE; no Rio de Janeiro (AP5), além de concessão plena de água e esgoto em Parati-RJ; PPP na Cosan-RS; e projetos em Santa Catarina (Tubarão e Itapurá).
A CAB Ambiental deve aproveitar bem essa onda de investimentos. Segundo Yves Besse, ela recentemente venceu uma concessão plena de água e esgoto em Cuiabá-MT, um projeto com financiamento de R$ 900 milhões e que durante 30 anos se encarregará do serviço oferecido aos 600 mil habitantes da cidade. Nessa concorrência, a CAB venceu a Foz do Brasil, do grupo Odebrecht. Também Tubarão-SC foi vencida por oferta da CAB Ambiental, negócio que assim como o de Cuiabá ainda está em processo de formação de sociedade de propósito específico (SPE), etapa necessária para dar início à concessão.
Com as novas concessões, a empresa já espera elevar sua receita para R$ 250 milhões em 2012. Depois de passar por uma frustrada oferta pública de ações na bolsa (IPO) em março de 2011, com a sociedade firmada com o BNDESPar a CAB espera estar envolvida nos próximos cinco anos em projetos que totalizem R$ 1,5 bilhão. Nada mal para o ainda carente setor de saneamento, principalmente se as demais concessionárias privadas também conseguirem manter ritmo parecido de investimentos.