Depois de registrar uma queda de 2% no faturamento líquido em 2009, o setor de tintas e vernizes do Brasil espera crescer 3,4% em 2010, com a recuperação dos segmentos de indústria geral e manutenção, os mais afetados pela crise mundial.
A previsão considera um aumento de 5% no PIB, um desempenho factível.
“Cuidado com as falsas ilusões: comparado com um ano ruim, pode-se alcançar um crescimento grande, porém pouco significativo para o setor”, alertou Fernando Val y Val Peres, presidente do conselho diretivo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas (Abrafati) e também diretor-comercial da Sherwin-Williams no Brasil.
Ele comentou que o desempenho dos vários segmentos abrangidos por essa indústria foi variado, mas houve queda de faturamento em cada um deles. Ao todo, o setor faturou R$ 5,29 bilhões em 2009, contra R$ 5,4 bilhões no ano anterior.
Responsável pelo maior volume produzido e pela maior parte do faturamento setorial, o segmento de tintas decorativas imobiliárias foi o menos afetado pela crise econômica em 2009, perdendo apenas 0,6% das vendas em volume, de 864 milhões de litros para 859 milhões, segundo a Abrafati.
Mesmo assim, o segmento teve uma forte retração nos primeiros meses do ano, quando os pedidos de compra pararam de chegar às fábricas.
Peres: normas de construção exigem respeito à qualidade
“A cadeia varejista encerrou 2008 com estoques elevados e fez a desova nos primeiros quatro meses de 2009, embora continuassem vendendo, em ritmo lento”, explicou Peres.
Nesse quadrimestre, a queda de atividade na produção de tintas chegou a 18%, felizmente recuperada ao longo do ano, principalmente no segundo semestre.
Peres aponta os incentivos de crédito oficial (BNDES e Caixa Econômica Federal) para a construção civil e a desoneração tributária parcial dos materiais de construção como fatores que permitiram a recuperação do segmento das tintas e vernizes imobiliários.
Além disso, o mercado começa a preferir as tintas aprovadas no Programa Setorial da Qualidade (PSQ), reduzindo a atuação de concorrentes desleais e de fraudes. Mesmo assim, durante 2009, as linhas premium, de qualidade e preços mais elevados, foram as que apresentaram maior retração. Isso derrubou a rentabilidade das operações.
Como os demais segmentos tiveram um desempenho pior, as tintas imobiliárias responderam por 78% do volume setorial de produtos, estimado em 1.108 milhões de litros em 2009. Para 2010, com a previsão de uma retomada dos demais segmentos, essa participação deve se aproximar da média histórica de 70%, sobre um volume global 3,4% maior, que chegará a 1.145 milhões de litros.
Durante 2009, embora a comercialização de imóveis novos tenha se mantido na faixa de três mil unidades mensais, a mesma do ano anterior, o ritmo de lançamentos imobiliários arrefeceu.
“A média mensal de lançamentos era de três mil unidades em 2008 e caiu para duas mil unidades, considerando toda a região metropolitana de São Paulo (RMSP)”, afirmou Carlos Alberto de Moraes Borges, vice-presidente de tecnologia e qualidade do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi).
Outra mudança notável é o crescimento do número de lançamentos fora da capital paulista, mas dentro dos 39 municípios da RMSP. A relação era de 80%/20% em favor da capital, mas passou a ser de 50%/50% em 2009. “Isso se explica por ser mais fácil adquirir terrenos para incorporação fora da capital”, explicou Borges. Em 2009, a RMSP registrou mais de 25 mil lançamentos.
Na análise do Secovi, o mercado brasileiro conseguiu atingir um crescimento sustentável na área imobiliária. As construtoras atuam racionalmente, com olhos no potencial de mercado. O cenário para os próximos anos é muito favorável, tendo em vista o desempenho da economia nacional e a realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.
Borges também citou o programa governamental “Minha Casa, Minha Vida”, voltado para o setor de baixa renda, como iniciativa importante para diminuir o déficit habitacional no Brasil. “Esse programa deveria durar mais que os dois anos previstos; isso mostra que ainda não temos uma política permanente para habitação”, lamentou.
A disponibilidade de recursos financeiros para moradia popular saltou de R$ 10,4 bilhões, em 2005, para R$ 40,6 bilhões em 2008. “Antes, esses financiamentos eram obtidos apenas do FGTS, agora eles vêm também do Orçamento Geral da União, que adicionou quase R$ 17 bilhões em 2009”, afirmou. Além disso, o Minha Casa recebeu R$ 24,4 bilhões.
Segundo Borges, as classes A, B e C apresentam redução percentual de jovens, exatamente a parcela populacional que mais compra imóveis.
“Em sentido contrário, encontramos 41% de pessoas com menos de 20 anos nas classes D e E”, disse. Esse potencial de mercado só se desenvolverá mediante a desburocratização dos procedimentos creditícios oficiais e da redução dos prazos de incorporação e agilização do licenciamento ambiental, além de exigir a doação de terrenos por parte das prefeituras, que também precisam acelerar a concessão de alvarás. “Um dos maiores entraves está em encontrar terrenos de baixo custo para esses empreendimentos”, comentou.
O aumento do peso das moradias populares também impactará os métodos de construção e os materiais usados por eles. São projetos de margem de lucro reduzida em relação aos empreendimentos tradicionais, portanto, exigem alta eficiência e boa gestão tecnológica dos construtores para evitar prejuízos. “As exigências de sustentabilidade também são crescentes e devem incentivar o uso de energia solar, por exemplo, ainda muito cara no Brasil”, comentou. A entrada de construtoras estrangeiras nesse mercado deve impulsionar a evolução tecnológica do setor.
Isso também deve se refletir nos aspectos regulatórios da construção civil. A especificação dos materiais deve obedecer às normas oficiais, garantindo a qualidade final das obras e a satisfação dos clientes, além de reduzir ao mínimo os impactos ambientais. “Existem índices mínimos de habitabilidade estipulados em normas oficiais que não podem ser esquecidos, mesmo quando se pretende reduzir custos”, comentou Borges.
Fernando Peres comentou que a Abrafati está acompanhando as mudanças normativas em materiais de construção e até apoiou a elaboração das normas oficiais sobre tintas. “O Minha Casa, Minha Vida é muito importante para nós, porque se todas essas obras usarem tintas no acabamento teremos um aumento de 2% no volume de tintas consumido no Brasil”, explicou. Ele também informou que as reformas de casas, especialmente das classes C e D, também reagiram aos estímulos no segundo semestre de 2009 e devem ser fortes em 2010.
Dílson Ferreira, presidente-executivo da Abrafati, considera que os juros cobrados aos consumidores ainda são elevados, embora tenham sido reduzidos durante 2009.
Ferreira: eliminar burocracia não custa nada e ajuda muito
“Isso é fundamental para investimentos de longo prazo, como a compra de residências”, afirmou.
A redução da carga tributária também traz resultados positivos para as cadeias beneficiadas e deveriam ser prolongadas e estendidas a outros setores.
Ferreira reconhece que essas medidas impactam o caixa do governo e, por isso, podem enfrentar resistências. “Porém, a eliminação de burocracias estéreis que emperram programas como o Minha Casa, Minha Vida não custa absolutamente nada para os cofres públicos e traz resultados imediatos”, afirmou.
Linha automotiva – A indústria automobilística nacional também foi fortemente incentivada com uma enxurrada de financiamentos com juros baixos para o consumidor final e um alívio tributário temporário durante 2009. Mesmo assim, o volume de tintas vendido às montadoras no Brasil caiu 5%, de 48 milhões para 46 milhões de litros, segundo a associação setorial. “Isso se explica pela queda nas exportações de carros, que não foi compensada pelo crescimento do mercado interno”, comentou Peres.
Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostram que as vendas de automóveis no Brasil cresceram de 2,82 milhões de unidades em 2008 para 3 milhões em 2009. Porém a produção nacional caiu de 3,216 milhões para 3,05 milhões no mesmo período. A queda nas vendas ao exterior causou essa retração.
“Estamos em um momento de crise e transição na indústria automobilística mundial”, explicou Antonio Carlos Oliveira, 1º vice-presidente da Abrafati e diretor de sistemas automotivos da DuPont para a América Latina. Ele mencionou como exemplo o fato de a China ter ultrapassado os EUA na produção anual de carros. Além disso, os países emergentes já compreendem 32% do mercado mundial de carros. O Brasil é o sexto maior produtor mundial e o quinto mercado consumidor.
Ao lado dessas mudanças, Oliveira informou que a capacidade mundial de produção de veículos chega a 87 milhões de unidades por ano, porém o mercado global não passa de 55 milhões de unidades. “Por isso, o Brasil não consegue exportar mais e importa tantos carros”, explicou.
Ele comentou que ainda há consolidações a serem feitas nessa indústria, ou seja, ainda há um número muito grande de fabricantes. As montadoras buscaram aumento de competitividade pressionando seus fornecedores, entre eles os produtores de tintas.
Reflexo de mudanças de mentalidade mundial, o setor de tintas automotivas também precisou se adaptar às novas e exigentes normas de proteção ambiental e dos indicadores de sustentabilidade de toda a cadeia produtiva. Esses foram os impulsos para a adoção de linhas de baixa emissão de vapores de compostos orgânicos (VOC) e também dos produtos de base aquosa.
Quanto aos incentivos fiscais proporcionados à venda de carros no Brasil, Oliveira os considerou praticamente insignificantes, embora com forte apelo psicológico.
“Como cada carro brasileiro carrega cerca de 35% de impostos no seu preço de venda, a redução de IPI oferecida durante 2009 resultou em um alívio irrisório”, explicou.
Mais significativo para alavancar as vendas de carros novos foram as linhas de financiamento com prazos mais longos e juros baixos, que ajustaram melhor o valor das parcelas com o bolso dos compradores.
Para 2010, a Anfavea espera um aumento de 3,3% na produção nacional de veículos, chegando a 3,15 milhões de unidades. Para tanto, segundo o especialista, será preciso manter as fábricas em plena operação durante sábados, domingos e feriados.
No segmento de repintura automotiva, os resultados não foram melhores. Em 2009, o segmento amargou uma queda de 5% nos volumes vendidos, caindo de 49 milhões para 46 milhões de litros, segundo a Abrafati. “Esperamos um crescimento de 3% em 2010, voltando para 48 milhões de litros”, disse Peres.
Linha industrial – Foi o pior segmento em 2009, com queda de 8%, encolhendo de 171 milhões para 157 milhões de litros vendidos. A Abrafati espera que o segmento recupere 4% de suas vendas em 2010, principalmente aproveitando a onda de projetos do Plano de Aceleração Econômica (PAC) do governo federal. “O PAC ainda está muito devagar, mas deve deslanchar em 2010, que é ano de eleição”, avaliou Peres.
As obras do setor de infraestrutura compraram 30% menos tintas em 2009, em relação ao ano anterior. Também as atividades de manutenção industrial, públicas e privadas, foram postergadas, com prejuízo para os fabricantes de tintas. “Esperamos que o poder de compra das classes menos favorecidas seja mantido, para impulsionar a venda de eletrodomésticos que também consomem tintas industriais”, disse Peres.
Dentro desse segmento, apenas as tintas marítimas tiveram bom resultado e mantêm perspectivas ainda melhores. “A indústria naval está muito aquecida com as encomendas de navios e plataformas para exploração de petróleo”, explicou. “As vendas dessas tintas devem crescer muito até 2012, pelo menos.”