Não há dúvidas de que grande parte dos investimentos previstos para o Brasil em 2010 será direcionada para a infraestrutura, segmento vitaminado pelo início das preparações para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016, pelo avanço dos projetos do pré-sal e, principalmente, por ser um ano eleitoral.
Não por acaso, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) terá em 2010 o maior orçamento de sua curta história: R$ 29,8 bilhões, valor 80% acima dos R$ 16,59 bilhões aprovados para 2007, quando foi criado.
Um eventual sucesso do programa poderá ser um dos trunfos para ajudar a atual ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a arrecadar votos para chegar à Presidência da República.
No entanto, o apagão elétrico de novembro, causado por supostos danos ao sistema de transmissão de energia provocados por tempestades, o agravamento das enchentes em áreas urbanas e a falta de boas estradas em todo o país, além do registro de dezenas de mortes decorrentes das fortes chuvas dos últimos meses, são alguns exemplos de como o Brasil ainda tem muito a fazer nessa área.
Para Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o financiamento será o grande desafio para transformar as perspectivas de aportes nos setores de infraestrutura em investimentos de fato.
“Caberá às autoridades públicas e aos agentes privados iniciar o planejamento das ações necessárias para transformar as oportunidades em negócios e investimentos concretos, em desenvolvimento econômico e social”, avalia.
Segundo a Abdib, em 2009, o volume de investimentos nesse segmento, incluindo recursos públicos e privados, ficou ligeiramente acima do valor aplicado em 2008, de R$ 106,8 bilhões.
O resultado foi considerado satisfatório por Godoy, por se tratar de um ano marcado pela forte crise financeira mundial, mas ainda está aquém da real necessidade do setor.
Nos cálculos da Abdib, são necessários R$ 160,9 bilhões anuais ao longo de vários anos consecutivos, sem interrupção, para que sejam minimizados os chamados “gargalos de infraestrutura” do país.
Godoy: investimentos do setor continuam aquém do necessário
“No setor, sentimos os efeitos da crise internacional, especialmente com relação ao crédito, que ficou escasso e caro. No entanto, apesar das dificuldades, os resultados foram positivos. Não registramos interrupção ou cancelamento de projetos de infraestrutura, apenas adiamentos de projetos ainda não contratados, principalmente aqueles voltados à exportação”, afirma Godoy.
Na avaliação da Abdib, num primeiro momento – entre o fim de 2008 e os primeiros seis meses de 2009 –, as turbulências financeiras trouxeram muitas incertezas ao mercado brasileiro e fizeram secar o volume de verbas disponíveis para novos investimentos.
Mas, a partir do segundo semestre, as condições de crédito para infraestrutura começaram a se normalizar, incluindo as operações de mercado de capitais, que haviam sido praticamente extintas no período mais crítico da crise.
“Além disso, os aportes extraordinários de recursos do Tesouro Nacional para o orçamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para 2009 e 2010 colaboraram para dar tranquilidade às operações de estruturação dos financiamentos”, relata Godoy.
Perspectivas de vulto – Na avaliação da Abdib, a partir deste ano, os investimentos anuais em infraestrutura devem se acelerar e, no prazo de cinco anos, os valores aplicados deixarão o nível atual de R$ 100 bilhões anuais e alcançarão o recomendado patamar de R$ 160 bilhões por ano.
As perspectivas de crescimento dos aportes levam em conta os projetos relacionados aos setores de transporte, energia e petróleo (pré-sal).
Segundo cálculos do BNDES, a demanda por empréstimos em 2010 para a infraestrutura será de R$ 54 bilhões, 20% superior ao montante de 2009. A Abdib lembra que há uma clara trajetória de elevação de desembolsos do banco de fomento para a área.
Durante todo o ano passado, o BNDES desembolsou R$ 46,5 bilhões para o setor, um crescimento de 32% sobre os R$ 35,1 bilhões registrados em 2008. Os segmentos que receberam os maiores aportes do banco no período foram o de energia elétrica (R$ 11,1 bilhões), transporte rodoviário de cargas (R$ 8,1 bilhões), transporte dutoviário (R$ 6,6 bilhões), transporte rodoviário (R$ 4 bilhões), telecomunicações (R$ 2,1 bilhões) e transporte metroviário (R$ 1,2 bilhão).
Alavanca eleitoral – Em ano de eleições, o PAC foi turbinado com recursos totais de R$ 29,8 bilhões reservados para 2010. Esse montante, que consta no relatório final do orçamento de 2010, foi aprovado no fim do ano passado, horas antes de o Congresso Nacional entrar em recesso.
Inicialmente, a proposta encaminhada pelo governo previa aportes da ordem de R$ 22,5 bilhões, mas, ao ser redigido o texto final, o valor foi inflado em R$ 7,3 bilhões. Porém, cabe ressaltar que dinheiro aprovado não significa verba gasta, pois há vários projetos do PAC com execução pífia.
Desde janeiro de 2007 até agosto de 2009, os investimentos do programa de aceleração totalizaram R$ 338,4 bilhões, entre gastos e contratações, segundo o oitavo balanço do PAC, divulgado em outubro. O montante equivale a 53,6% do total previsto para ser aplicado até o fim de 2010, de R$ 646 bilhões, incluindo recursos dos ministérios, das estatais federais, dos estados, municípios, das empresas privadas e das pessoas físicas. As ações concluídas totalizam R$ 210 bilhões, ou 33,3% do total.
Na divisão dos investimentos totais acumulados até agosto (de R$ 338,4 bilhões), as estatais responderam por R$ 107,1 bilhões; os ministérios, por meio do Orçamento Geral da União (OGU), foram responsáveis por R$ 28,2 bilhões; o setor privado, por 83,6 bilhões; os financiamentos ao setor público totalizaram R$ 5,7 bilhões; e os empréstimos às pessoas físicas (para a compra de habitação) alcançaram R$ 113,8 bilhões.
Na avaliação de Godoy, entretanto, “muitos conflitos no trâmite do investimento postergam ou até paralisam obras importantes para o desenvolvimento do país”. “Ao analisarmos os balanços anteriores, percebemos que a execução orçamentária do programa é crescente, mas é evidente que há entraves atrapalhando a condução dos projetos, como os conflitos na área de licenciamento ambiental e nos processos de licitação, contratação e fiscalização”, afirmou.
Por causa desses conflitos e falhas de gestão nas etapas que antecedem as licitações de projetos de infraestrutura, cerca de R$ 20 bilhões deixaram de ser investidos nos últimos cinco anos pelo governo federal, incluindo principalmente projetos de infraestrutura. Entre 2004 e 2008, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), foram autorizados R$ 72 bilhões para investimentos, mas somente R$ 52 bilhões foram empenhados.
No ano passado, até agosto, de um orçamento de R$ 32,3 bilhões para investimentos, apenas R$ 12,8 bilhões foram empenhados, dos quais só R$ 2,8 bilhões foram pagos. Apesar das dificuldades de gestão e dos conflitos ambientais, o governo e as estatais federais conseguiram investir um volume de recursos maior no ano passado, incluindo setores ligados à infraestrutura. O esforço das estatais federais, sobretudo a Petrobras, colabora neste sentido, analisa a Abdib.
De janeiro a novembro de 2009, o governo federal pagou R$ 25,8 bilhões em investimentos, principalmente para o setor. Foi um nível recorde de execução orçamentária dos investimentos da União. Em relação ao valor observado no mesmo período de 2008, de R$ 21,8 bilhões, os pagamentos de 2009 representaram crescimento de 18%. Apesar do recorde alcançado no ano passado, a execução orçamentária ainda é tímida diante do orçamento a ser executado. Segundo a Abdib, os investimentos realmente pagos até novembro (R$ 25,8 bilhões) corresponderam a 48% do orçamento de investimentos para 2009, de R$ 53,7 bilhões.
As empresas estatais federais também conseguiram acelerar a execução orçamentária. No acumulado de janeiro a outubro de 2009, elas investiram R$ 53,6 bilhões, de acordo com dados do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), do Ministério do Planejamento. Trata-se do maior valor aplicado pelo conjunto de estatais federais desde janeiro de 1995, considerando os dez primeiros meses do ano, em valores constantes, atualizados pela inflação do período. Esse valor corresponde a 67% do orçamento das 68 empresas estatais federais, que soma R$ 79,9 bilhões para 2009. As empresas do grupo Petrobras são responsáveis pela maior parte desse desempenho.
PAC 2 – Ainda no primeiro semestre deste ano, deverão ser anunciados os projetos de investimentos que farão parte do PAC 2, envolvendo áreas não beneficiadas no primeiro PAC. A intenção do governo federal é montar uma carteira de projetos para oferecer também aos investidores estrangeiros. O BNDES será encarregado de buscar investimentos para o Brasil em outros países e, para isso, pretende criar os chamados “Fundos Brasil” com o setor privado e o mercado de capitais.
Em entrevistas concedidas no fim do ano passado, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que o PAC 2 resultará em uma “febre de investimento”. “O Brasil virou o sonho de consumo das grandes empresas e grandes corporações. Assim como todas as empresas achavam que tinham que ter um pezinho na China, todo mundo vai querer ter um pé no Brasil”, disse.
Além das áreas tradicionais, como energia e habitação, os novos investimentos darão prioridade a setores ainda pouco explorados, como o ferroviário. “O transporte por ferrovia tem de vir para ficar. O Brasil tem dimensões de continente”, disse Bernardo.
Leilões de concessão – Ao longo de 2009, foram realizados em âmbito federal apenas cinco leilões de concessão na área de infraestrutura, grande parte deles (quatro) vinculada ao setor energético. A Abdib chama a atenção para a ausência do tradicional leilão de concessão de blocos para prospecção e exploração de petróleo e gás natural, que não foi realizado em 2009 por causa das indefinições em relação ao novo marco regulatório do setor. Ainda na área de energia, o leilão de concessão da usina de Belo Monte, no rio Xingu (PA), foi transferido para 2010 por causa da demora na liberação da licença ambiental pelo Ibama. Com capacidade para 11,2 mil MW e investimentos previstos de R$ 16 bilhões, essa usina faz parte do PAC e iria a leilão originalmente em outubro do ano passado.
O leilão de concessão do trem-bala, que ligará as cidades de Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, é outro megaprojeto do PAC transferido para 2010. A previsão era de que esse leilão ocorresse no segundo semestre de 2009, mas foi adiado por causa da reformulação do modelo de financiamento público oferecido às empresas interessadas no empreendimento. Com edital de licitação já publicado para consulta pública, a expectativa da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é de que o leilão do trem de alta velocidade (TAV) seja realizado em maio próximo. Com investimentos calculados em R$ 34 bilhões, as obras do trem-bala devem ser totalmente concluídas no prazo de cinco anos, o que coloca o projeto definitivamente fora da malha de transportes para a Copa do Mundo de 2014.
Marco do pré-sal – Os projetos que tratam do novo marco regulatório para a exploração do petróleo na camada pré-sal devem concentrar as atenções do governo nos primeiros meses deste ano. No momento, quatro projetos de lei tramitam no Congresso Nacional. Entre os pontos em discussão estão o estabelecimento do modelo de partilha na produção, a criação de uma empresa estatal para controlar as reservas e a transformação da Petrobras em operadora única, entre outros assuntos. A decisão a respeito dessas questões será fundamental para o setor privado estudar a participação nos futuros investimentos e para que o governo consiga realizar leilões de áreas exploratórias ainda este ano.
Segundo cálculos da Abdib, para atender às demandas que surgirão com a exploração das reservas do pré-sal, a cadeia brasileira de bens e serviços terá de investir algo em torno de US$ 400 bilhões nos próximos anos. “O objetivo é instalar no Brasil uma indústria forte, competitiva, com alto teor tecnológico, com capacidade de atender encomendas no mercado interno e também com capacidade para exportar, com custos e prazos competitivos”, diz a entidade.
Segundo a Abdib, para que essa meta seja cumprida, é preciso incrementar o treinamento de mão-de-obra em diversos níveis profissionais, modernizar a logística voltada para as operações exploratórias e dar condições para que a indústria brasileira possa produzir no próprio país as sondas de perfuração, hoje fabricadas no exterior. Nos próximos cinco anos, a Petrobras pretende investir US$ 174 bilhões, montante que inclui os projetos de exploração do pré-sal.