Perspectiva: Demanda firme exige investir na química
Projetos químicos e petroquímicos iniciam o milênio com ambiente econômico favorável a novos projetos, inclusive para abater déficit da balança comercial
A aurora do terceiro milênio da era cristã encontra a indústria química brasileira esperançosa quanto ao aumento de vendas e de rentabilidade, quadro propício para a realização de investimentos produtivos no País. A imagem do navio singrando águas calmas com vento em popa ilustra a perspectiva geral dos vários segmentos da área. No entanto, alguns fatores negativos se insinuam, complicando o exercício da adivinhação.
A proposta inicial deste trabalho pretendia delinear os horizontes da indústria química durante os próximos mil anos, tarefa reconhecida impossível pela inexistência de bola de cristal com tão longo alcance. Fixou-se um horizonte mais factível de dez anos, aliviando alguns dos entrevistados por conceder-lhes indulgência plena por decurso de prazo. “Daqui a dez anos ninguém vai se lembrar do que eu falei”, confidenciou um deles.
Dez anos pode ser considerado prazo razoável para amortizar um grande investimento petroquímico, mas para o ofício árduo da consultoria moderna, situada mais próxima da ciência que da vulgar cartomancia, representa a eternidade.
Mesmo considerando apenas os próximos 24 meses já se torna difícil traçar com segurança o rumo dos negócios. Basta verificar as atuais condicionantes citadas por todos: o comportamento dos preços do petróleo, os humores da recessão norte-americana e o quadro eleitoral brasileiro para 2002.
O ponto de partida é o ano 2000, no qual a indústria química brasileira faturou US$ 42,3 bilhões, tendo importado US$ 10,6 bilhões e exportado US$ 4 bilhões. Os números foram apresentados pela Abiquim, cujos levantamentos estatísticos mostram que o setor ocupou, em média, 88% da capacidade instalada durante o ano. O volume de investimentos programados na atividade soma US$ 9,1 bilhões entre 2001 e 2005, perfazendo a média anual de US$ 1,8 bilhão. “É muito pouco para atender às necessidades do mercado brasileiro, pois já estamos operando no limite”, avaliou o presidente da entidade, Carlos Mariani Bittencourt.

Ambiente econômico
A previsão do início de 2001 para o crescimento do PIB supera o índice de 4,1% alcançado em 2000, segundo o Ipea, e pode até ser surpreendente, se mantido o ritmo de negócios do início de ano. “O governo acertou a moeda em 1999, meio sem querer, e já iniciou processo de redução de juros, estimulando a atividade produtiva”, comentou o consultor Thomas Unger. “Em linhas gerais o ambiente é favorável para investimentos em vários setores.”
“O desenvolvimento econômico do Brasil provoca aumento na demanda por produtos químicos, em especial das resinas plásticas”, concorda o consultor Lauro Moreira, representante da consultoria internacional Parpinelli Tecnon para o Brasil. Além das boas oportunidades de investimentos em vários ramos, como o de alimentos e tratamento de água, ele salienta o efeito multiplicador de empregos para profissionais qualificados na área química, importante fator de transferência tecnológica. “Além disso, o Brasil se livrou do fantasma da variação cambial, ao contrário da Argentina”, comentou.
Mesmo imune às flutuações cambiais, os brasileiros acompanham com apreensão as manobras dos Estados Unidos para conseguir o chamado “pouso suave” da economia. Já se emitem sinais de desaquecimento da atividade produtiva na América do Norte, provocando a redução dos juros primários pelo Federal Reserve. Embora o governo americano tenha nova tripulação, o manche do Fed continua nas mãos cautelosas de Alan Greenspan.
Resta saber se a equipe do republicano George W. Bush manterá a tradição partidária de reduzir ao mínimo sua atuação no ambiente de negócios, ao contrário dos democratas, usualmente intervencionistas. Qualquer “barbeiragem” nos próximos meses provocará “aterrissagem forçada” da economia americana, deprimindo os negócios em escala mundial, inaugurando período de crise.
“Durante os próximos dois anos a recessão americana será o fator determinante para investimentos no mundo”, disse Unger. Apesar disso, se houver um enfraquecimento do dólar frente ao euro, os efeitos nas exportações brasileiras podem ser positivos. O pior dos mundos seria a combinação de recessão americana profunda combinada com crise local de liquidez, como aconteceu em agosto de 1998. “A situação brasileira já melhorou muito, mas ainda há compromissos da ordem de US$ 55 bilhões a saldar”, avaliou. “Se houver o soft landing (pouso suave), não haverá nenhum problema.”
O desenvolvimento econômico do País é vital para o setor químico. Segundo Unger, a elasticidade média química e petroquímica é de 2,5 vezes o crescimento do PIB. Para cada ponto percentual de incremento no PIB, a atividade química nacional cresce 2,5 pontos.
“Se houver forte recessão nos EUA, a demanda por produtos químicos e petroquímicos do Oriente vai cair, derrubando o preço internacional da nafta e também o desses produtos”, comentou Moreira. O excesso de oferta pode ser perigoso para mercados pouco protegidos como o brasileiro.
Superada satisfatoriamente a recessão dos EUA, em 2002 a variável política interna ganha a prioridade nas avaliações de projetos de investimentos. “Caso um partido totalmente contrário à orientação econômica atual vença a eleição presidencial, o que considero improvável, poderia haver retração de investimentos”, comentou Unger.