IYC 2011 – Medicamentos: Saúde reforçada com avanços da Química
A criação de moléculas capazes de manter saudável o corpo humano ou de restabelecer suas condições normais, superando doenças ou distúrbios fisiológicos, é a mais nobre das aplicações da química. Isso pode ser entendido tanto pelo lado humanitário e altruísta quanto pelo fato de a descoberta de fármacos resultar de complexas e desafiadoras pesquisas.
Não menos relevante é o apelo econômico: o mercado mundial de produtos farmacêuticos foi estimado pela Organização Mundial da Saúde em quase US$ 860 bilhões em 2006. De lá para cá, esse número cresceu e deve manter essa trajetória, considerando que boa parte da população mundial ainda está longe de receber tratamento médico adequado. (veja dados estatísticos do setor na pág. 58 desta edição.)
No Brasil, antes de 1990, houve um esforço coordenado oficialmente para a criação de uma indústria nacional de medicamentos que resultaria numa base sólida para a síntese de fármacos, a ponto de desafiar os grandes mercados produtores. Esse impulso arrefeceu com a mudança de metas e estratégia do governo federal naquele ano, retirando quase todo o apoio ao setor, que foi dramaticamente reduzido. Além da perda de patrocínio, contribuiu para o malogro a falta de uma indústria local de intermediários de síntese e de insumos relacionados à produção de fármacos, um elo fraco dessa cadeia produtiva.
Há alguns anos, a produção local de fármacos voltou a receber a devida atenção por parte do governo federal, que fortaleceu a base para pesquisas científicas na área. O esforço começou pelos medicamentos genéricos, inicialmente pela formulação de remédios com princípios ativos importados, seguida pela produção local de alguns desses fármacos, a quase totalidade deles com patentes caducas. Uma pequena parcela teve quebrados os direitos de proteção intelectual por motivos humanitários, caso de alguns antirretrovirais aplicados nas terapias contra a aids.
O foco oficial passou a ser a substituição das importações de moléculas farmacêuticas, em especial aquelas relacionadas aos medicamentos fornecidos pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Replicar a técnica já desenvolvida há décadas em outro lugar do mundo não é exatamente o sonho dos pesquisadores da química de medicamentos. “Pelo menos isso ajuda a desenvolver massa crítica para projetos futuros”, considerou o pesquisador e professor Adriano Andricopulo, do grupo de cristalografia do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (campus de São Carlos), doutor em química orgânica pela Universidade Federal de Santa Catarina e pós-doutorado em química medicinal pela Universidade de Michigan (EUA).
A produção desses princípios ativos “genéricos”, desprovidos de proteção patentária, acaba interessando mais aos laboratórios farmacêuticos, gerando receita de forma rápida mediante investimento relativamente baixo, em comparação com o desenvolvimento de moléculas inovadoras. “O caminho da inovação radical em fármacos é longo e precisamos dominá-lo, mas do ponto de vista empresarial ainda é melhor substituir o que já existe”, comentou Edson Lima, diretor da divisão farmoquímica do Laboratório Cristália, que se destaca entre os nacionais como forte investidor em pesquisa e desenvolvimento. Lima é farmacêutico (UFRJ), mestre em química orgânica e pós-doutorado pela Universidade de Harvard (EUA).
Por ter atuado tanto no campo científico – foi pesquisador da UFRJ e também do Farmanguinhos – quanto na indústria, Lima atesta que o hiato entre a academia e os laboratórios ainda persiste, mas está sendo reduzido. “Aquela desconfiança mútua, pela qual o pesquisador era acusado de só querer publicar e a indústria de só querer dinheiro, felizmente está mudando, com a academia descobrindo as empresas como parceiras sólidas”, comentou. O Cristália, por exemplo, mantém mais de vinte parcerias com universidades e institutos de pesquisas nacionais.
Lima também observa que mesmo a nacionalização de ativos sobejamente conhecidos é um trabalho complexo e estrategicamente interessante. “O Brasil importa 80% dos fármacos que consome, quando o desejável seria importar no máximo entre 40% e 50%”, afirmou. A atividade de formulação de medicamentos (galênica) com moléculas importadas sempre foi feita no Brasil, com sucesso, mas as sínteses ainda precisam de incentivos. “O governo federal tem oferecido apoio, com programas como o Complexo Industrial da Saúde, visando à redução das importações ou à formação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, que deram mais visibilidade aos pesquisadores antes isolados”, comentou. Esses incentivos devem motivar investimentos em todas as fases da cadeia produtiva de fármacos.
Cabe lembrar que a produção de moléculas complexas, como é o caso dos fármacos, parte de moléculas menores (intermediários) e exige o concurso de vários ingredientes, passando por uma série de reações sucessivas, com variados índices de rendimento. “Temos no Brasil uma lacuna nos intermediários de síntese, agentes redutores e até em solventes específicos, que precisa ser superada”, considerou Lima.
“Não precisamos fazer todos os catálogos, basta produzir os insumos estratégicos em quantidade adequada”, considerou Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro, experiente pesquisador e professor da UFRJ (na Faculdade de Farmácia e no Instituto de Química), que obteve o grau de doutor em 1978 na Université Scientifique et Médicale de Grenoble, França, e é coordenador científico do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (Lassbio) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Fármacos e Medicamentos (INCT-Inofar).
Barreiro recomenda aglutinar e coordenar os interesses dos três segmentos envolvidos: universidades, governo e empresas. Como as universidades sabem fazer moléculas e devem seguir ampliando seu conhecimento, o governo precisa incentivar a produção dos intermediários estratégicos para agregação de valor em etapa posterior. As empresas, por sua vez, contando com políticas oficiais definidas, poderão investir no setor com segurança. “A Índia fez isso, da maneira dela”, comentou.
Ele até considera que esse quadro possa favorecer investimentos das indústrias químicas e de petróleo. “O Brasil é a sétima economia mundial, mas se apoia em produtos de baixa tecnologia; caso queira ser um player químico mundialmente relevante, precisa atuar também no campo farmacêutico”, afirmou. “Só não pode ficar como está, é muito cômodo ser apenas um mercado.”
O relacionamento da universidade com os laboratórios farmacêuticos tem melhorado, com sensível aumento do interesse destes, como atesta Barreiro. Ele explica que os laboratórios nacionais preferiram o caminho da inovação incremental, ou seja, melhorar pouco a pouco os produtos disponíveis. Por sua vez, os laboratórios multinacionais são mais afeitos aos riscos e têm batido às portas das universidades à procura de moléculas “que falem português”. “Ainda não houve nenhum contrato fechado, mas só a perspectiva de aproveitamento das pesquisas já estimula muito os alunos”, comentou.
Além dos custos e riscos inerentes à pesquisa e ao desenvolvimento de fármacos, Barreiro aponta a falta de pessoal qualificado na indústria nacional para dialogar com a academia. “São poucos os laboratórios locais que têm em seus quadros pós-graduados ou doutores para tratar de inovação radical, isso cria uma certa resistência”, considerou.
Aos dois anos de atividade (embora o projeto tenha surgido há seis anos, no escopo do Instituto do Milênio), o INCT-Inofar, que congrega uma rede nacional de instituições de pesquisa, já tem três projetos avançados (na fase pré-clínica) com moléculas promissoras com o nível de inovação desejado. Isso não quer dizer que Barreiro ignore a pesquisa incremental. “Pelo contrário, as universidades precisam investir também nas inovações incrementais, embora os pequenos avanços geralmente não rendam publicações”, defendeu.

Ele citou dois grandes êxitos de avanços incrementais obtidos no Brasil. O primeiro deles foi alcançado pelos pesquisadores Luiz Carlos Dias e Adriano Siqueira, da Universidade de Campinas (Unicamp), que estudaram e replicaram a produção da atorvastatina (o fármaco mais vendido do mundo, indicado para o controle do colesterol), avaliando gargalos e a possibilidade de otimizar e melhorar a produção. “Eles conseguiram introduzir melhorias significativas no processo que lhes renderam o privilégio de patente concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, uma grande vitória”, exaltou.
Também vitorioso foi o trabalho dos pesquisadores Angelo da Cunha Pinto e Bárbara Vasconcellos (da UFRJ), que conseguiram sintetizar o fármaco sunitinibe, indicado para o tratamento de algumas formas de câncer. “Esse produto não está na lista do SUS, mas os pacientes o obtêm mediante decisões judiciais”, explicou. A molécula é protegida por patente, mas é possível conseguir uma licença para produzi-la no país por razões humanitárias, como já se tornou frequente no caso dos antirretrovirais (contra a aids).
A gênese dos fármacos – Concorrem para a apresentação de novas substâncias químicas ativas o aproveitamento de produtos naturais e a síntese de moléculas inovadoras, ambos com graus idênticos de relevância. “O Brasil é imenso, com problemas de saúde complexos e de vários graus, que não admitem uma solução única, exigindo conciliar formas terapêuticas para oferecer tratamento adequado para todos”, ponderou Barreiro.
Há vários pesquisadores com larga carreira dedicada ao estudo de espécies vegetais (e também de micro-organismos marinhos) que contenham moléculas com propriedades terapêuticas notáveis, a exemplo da pesquisadora Vanderlan Bolzani, da Unesp de Araraquara-SP, homenageada na reunião deste ano da Sociedade Brasileira de Química, em Florianópolis (vide QD-510, de junho, pág. 64). Barreiro observa que essas moléculas são complexas demais para serem inventadas em laboratório e ocultam mecanismos de atuação ainda desconhecidos.
Apesar disso, o desenho de moléculas para síntese em escala industrial, baseado em um modelo natural ou não, tem suas vantagens. “A obtenção de moléculas por extração e purificação é uma alternativa que muitos laboratórios adotam com sucesso, exigindo expertise própria nessa atividade”, comentou Edson Lima, ressaltando não ser essa a linha de atuação estratégica do Laboratório Cristália. Quando a produção depende de insumos naturais, há dificuldades com sazonalidade, eventuais variações de concentração de substâncias, interferências de contaminantes e entraves logísticos que podem ser custosos.
Especialista em química molecular, planejamento e modelos computacionais desde o seu pós-doutorado, Adriano Andricopulo salienta os grandes avanços obtidos nos últimos anos. “Com a química computacional, já podemos saber antecipadamente como uma molécula se comporta em relação às proteínas e a sua farmacocinética, ou seja, o que acontece com ela quando introduzida no corpo humano”, explicou.
Sob a direção de Andricopulo, o Laboratório de Química Medicinal do Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural do Instituto de Física de São Carlos (USP) elaborou o PK/DB, o primeiro e ainda único banco de dados de propriedades farmacocinéticas de uso livre do mundo, que pode ser acionado pela internet: http://miro.ifsc.usp.br/pkdb. “É uma ferramenta poderosa para predizer as propriedades de um fármaco com base na sua estrutura molecular”, explicou. O sistema lida com 1.389 compostos, apresentando dados sobre absorção, distribuição, metabolismo e excreção. Segundo informou, a quantidade de visitas ao PK/DB tem sido enorme.
Andricopulo, relacionado entre os dois mil intelectuais de destaque do século XXI pelo International Bibliographical Centre, de Cambridge, aponta os modelos computacionais como promotores de profundas transformações no desenvolvimento de moléculas. “Antes disso, era preciso testar milhares de moléculas contra um determinado alvo para identificar substâncias promissoras; hoje isso se faz por triagem virtual, avaliando milhões de possibilidades com grande rapidez e custos menores”, informou. Trata-se do High-Throughput Screening (HPS).
As poderosas ferramentas computacionais ajudam muito, mas não isentam os pesquisadores de possuir amplos e sólidos conhecimentos tanto sobre as moléculas quanto sobre os alvos a atingir. “Ao contrário do que alguns alunos mais folgados imaginam, não basta colocar alguns parâmetros no computador e esperar que ele aponte a molécula certa para cada caso”, enfatiza Andricopulo. Ele cita como exemplo a Doença de Chagas, na qual o alvo a atingir é uma proteína, a cruzaína. “O pesquisador precisa conhecê-la muito bem para identificar quais moléculas podem ser eficazes contra ela e, indo além, ver como funciona, se funciona, como otimizá-la e depois produzi-la”, explicou. O grupo de pesquisas de São Carlos está estruturado para integrar a pesquisa virtual com a experimental, tudo no mesmo ambiente.
Cada candidata virtual precisa ter sua eficácia biológica comprovada. A partir daí, o pesquisador recomenda proteger a descoberta. “Tendo a patente, é preciso procurar um parceiro comercial para formar uma associação mutuamente proveitosa”, orientou. Ele também nota a maior aceitação de laboratórios nacionais e multinacionais pelos resultados das pesquisas básicas feitas no Brasil nos anos mais recentes.
Ao mesmo tempo, o pesquisador não acolhe o termo “inovação radical”. “A inovação precisa ser cotidiana, entrar na agenda nacional em qualquer modalidade, buscar novas moléculas que atuem por mecanismos inovadores”, afirmou. Laboratórios nacionais costumam temer a demora na obtenção de retorno financeiro dos investimentos em pesquisas. “De fato, elas demandam tempo e dinheiro, mas precisam ser consistentes”, afirmou.
Andricopulo também é coordenador do Centro de Referência em Química Medicinal para Doença de Chagas da Organização Mundial da Saúde (WHO, da ONU). Essa é uma das chamadas doenças negligenciadas, que ocorrem em países pobres, sem mercado consumidor capaz de sustentar a pesquisa e o desenvolvimento de novos fármacos e medicamentos, como se dá com os anti-hipertensivos, os remédios para disfunção erétil ou contra o Mal de Alzheimer. “As doenças negligenciadas afetam um bilhão de pessoas no mundo”, apontou. Ele entende que o governo deveria dar mais estímulos para as pesquisas nesse campo, praticamente ignorado pelos grandes laboratórios.
O centro de referência na Doença de Chagas é um projeto da Organização Mundial da Saúde (WHO, em inglês) que foi estabelecido em 2008, contando com a participação direta da USP-São Carlos e da Unicamp, com a colaboração de outras instituições. Trata-se de uma rede mundial de pesquisas com um único centro na América Latina. “Todo o conhecimento gerado nessa doença é compartilhado por todos os integrantes, com o objetivo de chegarmos a um medicamento eficaz”, explicou.

O projeto tem enfoque humanitário, sem alcance comercial (até porque beneficiará comunidades pobres, incapazes de pagar pelos remédios), e tem entre seus membros alguns laboratórios farmacêuticos globais. “Eles colaboram com materiais para os ensaios e farão a parte dos testes clínicos com as moléculas que serão descobertas, estas pertencerão à WHO, que as licenciará para os interessados”, comentou. Segundo informou, já se registram avanços, tendo sido identificadas moléculas mais potentes e seletivas, mas que ainda requerem mais estudos.
No campo das doenças negligenciadas, o Laboratório Cristália tem especial interesse na Doença de Chagas e na Leishmaniose. “Recebemos a missão do Ministério da Saúde de desenvolver a produção local de duas moléculas porque o fabricante atual se desinteressou em manter a oferta”, comentou Lima.
“Trazer remédio de fora não garante a soberania nacional, e povo sem saúde não se educa, não se desenvolve”, alertou o pesquisador Barreiro. Ele salienta que, por não serem comercialmente atraentes para os laboratórios, a maioria dos remédios para as doenças negligenciadas tem mais de 50 anos e apresenta uma série de efeitos colaterais, motivo para a baixa adesão dos pacientes aos tratamentos.
A construção do conhecimento nos fármacos exige abordagem interdisciplinar. “No passado, muitos recursos foram gastos com a divisão entre pesquisa pura e aplicada, isso não vale mais”, criticou. Sem a ciência básica, não se compreende a fisiopatologia e, portanto, não se consegue agir contra nenhuma doença. “Muitos medicamentos foram descobertos nos laboratórios industriais, mas isso foi no passado, hoje as novas moléculas vêm da pesquisa básica, feita nas universidades de todo o mundo e isso nem sempre é contabilizado adequadamente”, afirmou.
Ele questiona os custos relacionados pelos laboratórios na criação e licenciamento de novas moléculas, sempre por volta da casa do bilhão de dólares. “Esse número é sempre exagerado, mesmo considerando os projetos que fracassam”, avaliou. Levando em conta o faturamento mundial de US$ 860 bilhões do setor e a alocação de 10% desse montante para pesquisas, Barreiro aponta o investimento anual de US$ 86 bilhões para gerar 15 moléculas boas por ano. “Isso quer dizer que a indústria está investindo muito para produzir pouco, pois antigamente a média anual de novas moléculas chegava a 50”, comentou. “Os acionistas não devem estar lá muito felizes.”

Além das bancadas – Uma vez identificada a molécula mais promissora para um determinado resultado pretendido, é preciso transpor esse conhecimento para as prateleiras dos hospitais e farmácias, mediante atividades complexas, demoradas e burocráticas. Em geral, a participação científica química para por aqui, dando lugar para testes clínicos padronizados internacionalmente, avaliações de entidades regulatórias oficiais e análises de mercado.
“Os pesquisadores científicos desconhecem as dificuldades dessa parte regulatória, como a burocracia dos órgãos oficiais, tarefa que os laboratórios enfrentam todos os dias”, comentou Edson Lima. Ele salienta que o Brasil tem pouca experiência para avaliar e aprovar moléculas inéditas. Normalmente, os laboratórios nacionais pegam as moléculas conhecidas e prontas no mercado internacional e fazem por aqui a fase três (estudo terapêutico ampliado), após a qual o produto pode ser comercializado.
Lima comenta a experiência do laboratório com o carbonato de lodenafila, a primeira molécula totalmente desenvolvida no Brasil para disfunção erétil. “Do laboratório até colocarmos o produto final nas prateleiras, foram cinco anos de testes clínicos e mais um ano e meio para a Anvisa dar a aprovação final”, informou. “Essa aprovação demorou demais, foi o preço do pioneirismo.” Até mesmo a avaliação toxicológica das novas moléculas, uma das fases iniciais, tem deficiências no Brasil, segundo Lima.
Esse é um dos motivos que afastam os laboratórios da inovação radical. “Novos marcos regulatórios, mais adequados, estão sendo desenvolvidos no país, e eles podem abrir novas oportunidades”, considerou. Enquanto isso, as indústrias se concentram na nacionalização de princípios ativos com patentes caducas ou próximas da caducidade. “Há vários produtos importantes com patentes expirando nos próximos anos, e precisamos ter uma estratégia para aproveitar esses negócios, já sabendo que os chineses e os indianos estão atentos também”, considerou.
Lima ainda ressaltou que a produção em escala de qualquer fármaco é complexa. “Há vários desafios embutidos. Como controlar a reação em alto volume e como obter alto rendimento sem perder a pureza são alguns deles”, apontou.
Uma das formas de aproximação entre pesquisadores e laboratórios aparece quando uma instituição desenvolve um insumo específico. Nesse caso, a instituição ou os seus profissionais podem criar uma empresa para fazer avançar o projeto até um certo ponto, a partir do qual se torna vantajoso vender a ideia para uma grande corporação. “No exterior, isso é muito comum e há muita gente fazendo pesquisa de alta qualidade no Brasil que poderia seguir esse caminho”, afirmou.Especializado em produtos para hospitais (anestésicos e analgésicos) e para tratamento do sistema nervoso central, o Laboratório Cristália possui 28 patentes internacionais em produtos, processos e formulações, além de um pipeline estruturado para várias outras. A linha de produtos finais chega a 400 itens.
Aos jovens – A química dos medicamentos é um campo de trabalho de forte alcance social e também representa desafios importantes para quem quiser dedicar a ela sua carreira. “Entre os estudantes que chegam à UFRJ, percebo um porcentual significativo de jovens que aspiram a coisas novas, indo além dos padrões antigos, como o caminho dos concursos públicos”, comentou Barreiro. A esses interessados em desafios intelectuais e na inovação científica ele recomenda estudar continuamente, pela vida toda. “É o que diferencia o bom do ótimo, uma distância grande, já entre o bom e o ruim a distância é bem pequena”, afirmou. “Surgem novas moléculas a cada ano e sempre temos mais perguntas do que respostas, isso é estimulante.”
Ele também percebe que os jovens alunos respondem bem às demandas sociais. “Um pesquisador precisa conhecer a dimensão social da sua atividade, além de ter uma forte noção de ética, sendo honesto sempre”, recomendou. O futuro da química de medicamentos está garantido com as novas gerações, desde que elas não se rendam ao complexo de “vira-lata” e não se acomodem.
Barreiro apenas lamenta que a educação fundamental esteja sendo tão descuidada no Brasil, com reflexos na formação superior. “Já estão faltando engenheiros e logo faltarão trabalhadores qualificados em todos os níveis”, prevê.
Adriano Andricopulo identifica um interesse crescente pela pesquisa na química dos medicamentos, estimulado por atividades mais consistentes na área. “Várias universidades estão abrindo vagas nesse campo e também os laboratórios farmacêuticos passaram a contratar mais pesquisadores brasileiros, tanto aqui quanto no exterior”, comentou. Com isso, as perspectivas de trabalho são hoje bem melhores do que eram há alguns anos.
Ao mesmo tempo, Andricopulo considera necessário aprimorar a formação na área. “A multidisciplinaridade está avançando especialmente nos fármacos, portanto é preciso interconectar esses conhecimentos”, avaliou. A USP de São Carlos começou a oferecer um curso de graduação em Ciências Físicas e Moleculares, voltado para o planejamento de fármacos e substâncias bioativas, que está formando sua quarta turma. “É um curso moderno, interdisciplinar, cujos formandos estão sendo bem recebidos pela academia e pelas indústrias”, disse.
Edson Lima se lembra da curiosidade que tinha quando jovem de saber como podiam as moléculas dos medicamentos restabelecer as funções do metabolismo e curar as doenças. Essa curiosidade o levou à faculdade de farmácia e, mais tarde, para o mestrado e doutorado em química orgânica. Há sete anos trabalhando no Laboratório Cristália, ele comanda as atividades de produção e também de pesquisa e desenvolvimento farmoquímico, com equipe formada por seis especialistas de várias áreas. “A companhia tem outras divisões para farmacotécnica e também para biotecnologia”, afirmou.
Lima observa que há uma tendência clara, em âmbito mundial, para o aproveitamento de produtos de origem biológica, oriundos de fermentações, por exemplo, no desenvolvimento e produção de fármacos. “Os jovens estudantes devem buscar especialização em alguma das áreas da biotecnologia, como engenharia genética ou fermentações, o mercado sinaliza nessa direção”, recomenda.
No entender de Barreiro, o olhar do pesquisador deve ir do fármaco para a doença. “Um medicamento vai além disso, ele é um promotor da saúde, age mesmo antes de a doença se instalar”, explicou. A intervenção dos fármacos nos processos crônicos, como câncer, diabetes e Alzheimer, costuma ser a mais desafiadora para os cientistas.
Parabéns pelo artigo! Verdadeiramente inspirador para nós estudiosos quimicos.