Glicerina Produção cresce e estimula novos usos
Que a economia brasileira vai bem, ninguém discorda. Há um segmento de mercado, entretanto, cujos negócios estão indo muito bem. Até há pouco tempo um “patinho feio”, a glicerina adquiriu status diferenciado com a descoberta de novas aplicações, cada vez mais nobres. Ganhou versatilidade e a produção está em alta. Por outro lado, a demanda é cada vez maior, tanto no mercado interno como no externo. E as perspectivas são animadoras.
“O mercado está crescendo. As pesquisas não param e, a cada dia, descobrem-se novas aplicações para a glicerina. Este produto está deixando de ser um problema, para ser a solução de muitos setores”, afirma Felipe Camargo, gerente da unidade Soapstock & Acid Oils (especializada na comercialização de resíduos e glicerinas) da Aboissa Óleos Vegetais.
Camargo relata que, recentemente, surgiram duas novas aplicações no país. Na construção civil, a glicerina funciona como um substituto de um plastificante de alto valor, aplicado para fazer o concreto deslizar pela tubulação, acelerando os trabalhos, mas com grande praticidade. Na nutrição animal, a glicerina serve como fonte energética para aves e suínos, principalmente, substituindo itens caros como o óleo de frango e o óleo de soja degomado. Estas aplicações já estavam em prática em outros países.
Eduardo Oliva, gerente operacional da UniAmérica Brasil, também é testemunha de que “há muitos estudos e trabalhos para o desenvolvimento de novos usos para a glicerina de origem biodiesel”. Ele diz que se prevê a utilização de um éster dela em produtos usados na extração de petróleo em águas profundas. Ele se refere à glicerina com grau de pureza de 80%.
Andrea Gaia, coordenadora de insumos fracionados diversos da UniAmérica, acrescenta: “No Brasil, grande parte da glicerina de biodiesel (glicerol a 80%) passa pelo processo de bidestilação, tornando-se útil para diversos fins em indústrias de tintas, vernizes, têxtil, entre outras. Há projetos para utilização de glicerina na perfuração de poços, em ração animal e em plástico biodegradável, que deverão consumir grande parte ou a totalidade do que se produz atualmente.” A euforia é tanta que Andrea acha que o Brasil poderá até mesmo se tornar um importador de glicerina a curto prazo.

O peso da China – Há 13 anos na Aboissa, Camargo lembra que, em 2005, a produção de glicerina tinha apenas dois destinos: ou era exportada para a China, muitas vezes sem valor comercial, ou era queimada nas caldeiras. “Hoje, com a melhoria contínua nos processos, podemos afirmar que o produto brasileiro conquistou e vem conquistando novos mercados internacionais. E, no mercado interno, existem novas aplicações e muitos projetos em estudos.”
Oliva pondera que o mercado mudou muito, nos últimos anos, com a chegada do biodiesel. “Hoje, a maior parte da produção da glicerina de biodiesel é exportada de maneira bruta, com 80% de glicerol. O principal mercado de destino é a China, onde é usada para queima e produção de outros produtos.” Andrea assinala que é “um combustível barato, em relação às demais fontes”.
Oliva avalia que, no mercado interno, o uso da glicerina bruta “ainda é muito restrito”, como na alimentação de suínos. A principal utilização fica por conta das indústrias de tintas, vernizes e química, ocupando o lugar da glicerina de saponificação, que está sendo destinada às fábricas de alimentos, cosméticos e farmacêuticos.
“A glicerina de saponificação vem tendo a sua produção e comercialização diminuída, nos últimos meses, por conta do alto custo do produto”, explica. “Com o aumento dos preços das matérias-primas para produção de sabão/sabonete, é mais rentável aos fabricantes deixar a glicerina no próprio produto, em vez de extraí-la.” Assim, os segmentos de tintas, vernizes e químicos migraram para a glicerina bidestilada de biodiesel. A demanda dessa glicerina gira em torno de 75 mil a 80 mil t/ano no Brasil, considerando os produtos de origem animal e vegetal.
A China é o maior consumidor mundial. No ano passado, os chineses importaram do Brasil cerca de 55 mil toneladas de glicerina, ou seja, praticamente o dobro das suas compras efetuadas em 2010, pelas informações de Camargo. E a tendência, frisa, “é continuar crescendo”. O executivo avalia que as vendas externas são “uma excelente opção de venda”. Detalhe: “Os chineses reconhecem a qualidade da nossa glicerina. Então, tudo ficou mais interessante.”

Oliva adiciona que o principal destino da glicerina bruta de biodiesel é o mercado externo, já que não há, no Brasil, uma utilização mais efetiva para o produto. Ele acredita, entretanto, que essa situação possa mudar nos próximos anos, por causa das novas utilizações. Analisando apenas os dois últimos anos, o país registrou um aumento de 10,21% nas exportações, passando de 144.483 t em 2010 para 155.940 t em 2011.
O otimismo reinante também está alicerçado no fato de que o crescimento da economia brasileira empurra os setores de cosméticos, alimentação, tintas e domissanitários para cima. Essa realidade tem relação direta no comportamento dos preços. “Não houve qualquer redução de preços na glicerina bruta e na bidestilada desde outubro de 2011”, indica Camargo. Pelo contrário. “Hoje, a tendência é de alta. E, por conta disso, alguns fornecedores já estudam a possibilidade de ampliar a produção.” Rodrigo D’Amaro, gerente de vendas da Química Anastácio, corrobora: “A atual tendência dos preços é de alta.”
Na opinião de Oliva, o mercado nacional sofre a influência dos preços no exterior, principalmente da China, que é o comprador número um. Assim, quando a China compra mais, os preços aumentam no mercado interno. Por conta da balança dos preços, muitos produtores se sentem mais atraídos pela possibilidade de colocar o produto no mercado internacional.
Biodiesel – O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), criado em 2004, é um dos fatores que estimulam a produção de glicerina. Com a perspectiva de o Brasil passar a adotar uma mistura maior de biodiesel no diesel comum (de 5% para 10%, a curto prazo), haverá mais glicerina disponível para comercialização no país e no exterior. Diante disso, Camargo acredita que “a reação imediata será uma queda nos preços, mas a curto e médio prazo o mercado voltará a absorver a produção, retomando os valores atuais”.

Oliva, como um grupo grande de especialistas, salienta que a glicerina oriunda da produção de biodiesel não é aplicável nos segmentos alimentícios, cosméticos e farmacêuticos. “Por conter traços de metanol, em razão do processo de produção do biodiesel, há restrição ao uso desse tipo de glicerina naqueles segmentos”, explica.
D’Amaro também vê restrições de uso para a glicerina de biodiesel. Ele justifica essa percepção com o fato de que a participação de mercado da empresa não tem sofrido alterações com a entrada desse produto no comércio.
Conta a favor dos produtores nacionais a possibilidade de adquirir destiladores de alta tecnologia. Camargo pensa que o setor acompanhou bem a evolução do mercado de glicerina. “Na era pré-biodiesel existiam oito ou nove unidades de destilação do produto. Hoje, operam mais de 15. Quem ganha com isso é o consumidor.”
Andrea estima que a UniAmérica comercialize, hoje, cerca de 50 mil t/ano de glicerina, cifra que representa ao redor de 20% do mercado. Segundo ela, as perspectivas da empresa para este ano são de “crescimento significativo”, tanto nas vendas de glicerina derivada do processo de fabricação do biodiesel quanto na tradicional. “Estamos capacitados, com pessoas especializadas nesses produtos e mercados, atendendo à demanda nacional e nos posicionando no mercado externo.” A UniAmérica possui unidades nos Estados Unidos e na Europa.
Oliva faz uma advertência. Ele considera que há muitas empresas no mercado para destilar a glicerina bruta. Porém, “nem todas possuem tecnologia para tanto e, muitas vezes, acabam não conseguindo manter um padrão de qualidade no produto final”.

A UniAmérica é uma empresa especializada na negociação de matérias-primas estratégicas entre a indústria de produção de óleos vegetais, oleoquímicos, químicos, petroquímicos e demais segmentos, como alimentício, tintas e vernizes, higiene e limpeza, rações animais e biocombustíveis. Está no mercado há dez anos.
A Aboissa Óleos Vegetais atua desde 1987 como representante e corretora na comercialização de commodities, entre elas a glicerina. A empresa trabalha embalada nas boas perspectivas do mercado. “Hoje, as indústrias de biodiesel estão cada vez mais investindo em tecnologia de ponta, melhorando a qualidade e se adequando às necessidades do mercado. Quem acompanhou esse setor desde o início sabe o quanto foi sofrido comercializar a glicerina. A realidade atual é diferente: a tendência é melhorar cada vez mais. Em 2012 esperamos prestar um trabalho de qualidade aos nossos fornecedores e parceiros e, claro, oferecendo sempre o que temos de melhor, a especialização. O mercado exige qualidade. E só encontra qualidade quando lida com um especialista da área”, arremata.
Aplicações – O leque de aplicações da glicerina é muito mais amplo atualmente. Segundo Camargo, a glicerina bruta, oriunda do biodiesel, atende os setores da construção civil, nutrição animal, destilação, defensivos agrícolas e energia. E a glicerina bidestilada é utilizada nos setores alimentício, farmacêutico, cosmético, higiene e limpeza, tabaco, explosivos, papel, plásticos, química fina, tintas e vernizes, lubrificantes e têxtil. “Os mercados nacional e internacional trabalham com dois tipos de qualidade: grau de pureza de 70% e 80%”, observa. Para D’Amaro, os principais usos estão nos segmentos de tintas e cosméticos.
A pauta de usos da glicerina bidestilada de saponificação é a seguinte, de acordo com Oliva:
Cosméticos – Por não ser tóxica, nem irritante, sem cheiro e sabor, a glicerina tem sido aplicada como emoliente e umectante em pastas de dente, cremes de pele, loções pós-barba, desodorantes, batons e maquiagens.
Alimentos – Pode ser usada como umectante e para conservar alimentos e bebidas, tais como refrigerantes, balas, bolos, molhos para saladas, cobertura de doces, sobremesas geladas, pastas de queijo e carne e rações animais.
Tintas e vernizes – Usada na fabricação de resinas alquídicas.
Farmacêutico – É um dos ingredientes na composição de cápsulas, supositórios, anestésicos, xaropes, antibióticos e antissépticos.
Tabaco – É empregada no processamento de tabaco para tornar as fibras do fumo mais resistentes e evitar quebra. É empregada na composição dos filtros, como veículo de aromas e na fabricação de triacetina.
Têxtil – Amacia e aumenta a flexibilidade das fibras.
Outros – Fabricação de dinamite, lubrificante, papel-celofane e adesivos.
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