Fontes de energia: Brasil precisa aproveitar todas

Abeq: Copo meio cheio, copo meio vazio

Olá, leitoras e leitores. Algumas notícias recentes tocam em assuntos já discutidos neste espaço. Quando se considera o contexto nacional, há a sensação constante do copo pela metade, parece meio cheio ou meio vazio dependendo de quem e quando se olha. Mas invariavelmente está sempre pela metade, para qualquer assunto. Fontes de Energia, por exemplo.

Fontes de energia: copo meio cheio

  • As gerações hidráulica, eólica e solar responderam por 91,4%, na média, da energia elétrica distribuída pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), entre os meses de janeiro e abril, de acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
  • A cogeração em operação comercial no Brasil é de 20,4 GW, com 652 usinas. A produção de eletricidade a partir de bagaço de cana-de-açúcar é feita em 386 usinas, totalizando 12,3 GW instalados, ou 60,3% do total da cogeração.O licor negro da produção de celulose é a segunda fonte mais relevante: 21 usinas, 3,4 GW instalados, 16,7%. A cogeração derivada de cavaco de madeira chega a 880 MW instalados, ou 4,3%, provenientes de 70 usinas, e a produzida com biogás é de 371 MW instalados (1,8%) em 50 usinas. Por sua vez, a cogeração a gás natural tem 93 usinas, 3,152 GW instalados (15,4%). Outras fontes detêm 299 MW instalados em 32 usinas ou 1,5% restantes.
  • Considerando a capacidade instalada, 87,3% da eletricidade do Brasil é renovável: hidrelétrica, solar, eólica e biomassa. A energia nuclear adiciona 1%.

Fontes de energia: copo meio vazio

  • Considerando o total de energia consumido no Brasil, 55,3% são de fontes não renováveis, 53% são fontes emissoras de gases de efeito estufa (GEE), excetuando a parcela de 1,3% de energia nuclear. A indústria química consumiu, em 2021, 75.520 GWh, 23.060 GWh como eletricidade. A tabela 1 apresenta os números detalhados (EPE, 2022). O consumo da indústria química foi equivalente a 7,66% da indústria ou 2,15% da oferta interna total de energia no Brasil.
  • Analisando a tabela 1 em detalhe, e considerando que 87,3% da eletricidade é renovável, a indústria química utilizou 20.931 GWh de energia de fontes renováveis ou 27,72% do total. Outra informação que chama atenção na tabela é que a Indústria, inclusive a Indústria Química, não utiliza energia nuclear, que é 1% da oferta total e que o MME não prevê que isso mude, pelo menos até 2027.

Copo meio cheio, meio vazio - ABEQ ©QD Foto: iStockPhoto
Notícias da IChemE

Quem ainda acompanha este texto já deve ter percebido onde quero chegar. Vou reforçar meu ponto com uma notícia da IChemE, descrita no parágrafo seguinte.

A Nucor Corporation, a maior produtora de aço dos EUA, e a Purdue University em Indiana, também nos EUA, anunciaram que estão considerando o uso de SMRs da NuScale para alimentar suas respectivas instalações. Os pequenos reatores modulares (SMRs, do inglês small modular reactors) em questão, VOYGR SMR da NuScale, baseiam-se na comprovada tecnologia de reator refrigerado a água pressurizada que emprega a circulação natural acionada pela gravidade do refrigerante primário para operação normal e modo de desligamento. A vida útil do módulo é de 60 anos e é abastecido com dióxido de urânio enriquecido (UO2) a menos de 4,95%. O projeto modular dos reatores significa que é fácil aumentar a geração conforme os requisitos de capacidade aumentam, e cada um pode ser enviado para o local da usina por caminhão, trem ou barcaça. Os módulos têm capacidades que variam de 77 a 924 MWe. A estrutura final ocupa uma área de 4 por 23 m (cerca de 10 contêineres) e é levada ao local de uso em três partes.

Já se falou de microrreatores nucleares neste espaço (“Baterias nucleares, carros elétricos e reservas de lítio no Brasil”). A energia nuclear não gera GEE, nem contribui com as mudanças climáticas. O eVinci da Westinghouse produz até 5 MW de eletricidade e calor e ocupa o espaço de um contêiner, enquanto que o VOYGR SMR da NuScale ocupa o espaço de 10 contêineres lado a lado.

A energia nuclear no Brasil

O ex-presidente do Brasil em sua visita oficial ao presidente da Federação Russa tinha como um dos assuntos alegados o interesse em reatores nucleares modulares da Rosatom (empresa russa). Como o atual presidente do Brasil mantém a simpatia pelo tzar acidental, talvez o assunto volte. Aparentemente o conceito da Rosatom é diferente. Os reatores são maiores, instalados em barcaças ou galpões.

O Brasil tem 5% das reservas conhecidas de urânio, figurando como o 7º país com mais urânio no mundo. Como comparação, os EUA têm a 14ª maior reserva, cerca de ¼ da brasileira. Como já comentado por aqui, se queremos desfossilizar a indústria, temos que levar em conta a energia e a matéria-prima que são por ela demandadas.

Voltamos ao copo pela metade. A matriz energética brasileira é muito melhor que a média do resto do mundo, mas está longe de ser neutra em emissões de GEE. Especificamente, nossa indústria química é muito dependente de fontes não renováveis que geram GEE. Já deveríamos estar construindo biorrefinarias baseadas em diferentes fontes – bagaço de cana, lixívia negra da produção de celulose, glicerol da produção de biodiesel, resíduos agropecuários, lixo orgânico doméstico – e, sim, deveríamos aumentar a participação da energia nuclear na nossa matriz energética

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Correção

Se o Conselho de Ciência e Tecnologia (CCT) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) não tem engenheiros químicos, o CNPE (Conselho Nacional de Políticas Energéticas), ligado ao Ministério de Minas e Energia (MME), conta com a participação da Profa. Dra. Suzana Borschiver, Professora Titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, engenheira química e conselheira da ABEQ. A Profa. Suzana atua nas áreas de Economia Circular e Prospecção Tecnológica. É a pessoa certa no lugar certo. Precisa ser ouvida.

Engenheiros Químicos do Mundo, uni-vos! ABEQ 2023
Engenheiros Químicos do Brasil, uni-vos! ABEQ 2022

Referências

“Balanço Energético Nacional 2022”. EPE, https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2022. Acessado 1o de junho de 2023.

“Cogeração de energia vai crescer em 2023”. Canal Bioenergia, https://www.canalbioenergia.com.br/cogeracao-de-energia-vai-crescer-em-2023/. Acessado 31 de maio de 2023.

“ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico”. ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, http://www.ons.org.br:80/paginas/sobre-o-sin/o-sistema-em-numeros. Acessado 1o de junho de 2023.

“Renováveis responderam por mais de 90% da geração elétrica de janeiro a abril”. agência epbr, 29 de maio de 2023, https://epbr.com.br/renovaveis-responderam-por-mais-de-90-da-geracao-eletrica-de-janeiro-a-abril/.

“Rosatom to Build Russia’s First Land-Based Small Modular Nuclear Reactor (SMR)”. Construction Europe, 26 de abril de 2023, https://www.construction-europe.com/news/rosatom-to-build-russia-s-first-land-based-small-modular-nuclear-reactor-smr-/8028548.article.

Golub, Dmítri. “Rússia quer participar da construção de unidades de energia nuclear no Brasil, diz Putin”. Russia Beyond BR, fev de 2022, https://br.rbth.com/economia/86434-russia-disposta-participar-construcao-novas-unidades-energia-nuclear-brasil.

IChemE. Major US steel producer and the US’ Purdue University consider using SMRs. https://www.thechemicalengineer.com/news/major-us-steel-producer-and-the-us-purdue-university-consider-using-smrs/. Acessado 31 de maio de 2023.

Small Modular Reactor — New Nuclear Trend. https://rosatomnewsletter.com/2023/03/02/small-modular-reactor-new-nuclear-trend/. Acessado 1o de junho de 2023.

Química e Derivados - André Bernardo é Engenheiro Químico formado na Escola Politécnica da USP ©QD
André Bernardo é Engenheiro Químico formado na Escola Politécnica da USP

O AUTOR

André Bernardo é Engenheiro Químico formado na Escola Politécnica da USP, com mestrado em Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos pela Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e Doutorado em Engenharia Química pela UFSCar. Trabalhou no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e em diferentes indústrias químicas. Atualmente é professor do departamento de Engenharia Química da UFSCar. contato: [email protected]

 

ABEQ

A Associação Brasileira de Engenharia Química (ABEQ) é uma entidade sem fins lucrativos que congrega profissionais e empresas interessadas no desenvolvimento da Engenharia Química no Brasil. É filiada à Confederação Interamericana de Engenharia Química. Seu Conselho Superior, Diretoria e Diretoria das Seções Regionais são eleitos pelos associados a cada dois anos.
Mais informações: https://www.abeq.org.br/

fonte: Revista Química e Derivados – Edição número 645 – página 30 –  Ano LV ©QD

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