FENASAN – Marco regulatório em transição estimula os debates em saneamento
Principal feira e congresso do saneamento no país, a próxima Fenasan, de 18 a 20 de setembro, em São Paulo, vai manter a sua vocação de trazer a público novas soluções tecnológicas e de repercutir os temas político-institucionais mais importantes do setor. Com 20 mesas redondas, por volta de 200 expositores, 230 trabalhos técnicos aprovados de um recorde de 300 inscritos, a expectativa é de atrair até 2 mil congressistas no Encontro Técnico da Aesabesp e de 20 mil visitantes especializados circulando pelo Pavilhão Branco do Expo Center Norte.
Em sua 29ª edição anual, o evento promovido pela Associação dos Engenheiros da Sabesp (Aesabesp) marca também o início de uma parceria com a prestigiosa feira alemã Ifat, considerada a mais importante do mundo em tecnologias e soluções ambientais, realizada a cada dois anos em Munique, mas já com versões regionais na África do Sul, China, Índia e Turquia.
“Neste ano, o apoio será mais técnico, inclusive com a realização de uma mesa redonda organizada pelos alemães, mas a intenção é a partir de 2019 tornar a Fenasan a versão nacional da Ifat”, explicou o presidente da Aesabesp, Olavo Sachs. Segundo ele, além do prestígio e know-how dos alemães com as feiras, a parceria vai tornar a Fenasan mais completa em soluções ambientais, agregando expositores, e por consequência palestras e debates, sobretudo da área de resíduos, visto tradicionalmente o evento da Aesabesp ser muito voltado para tratamento de água e efluentes/esgotos.
Ainda segundo Sachs, essa parceria só não foi consolidada neste ano porque uma Ifat China, em Guangzhou (há outra em Xangai), ocorre também entre 18 e 20 de setembro. Essa coincidência de calendário, afirma o presidente, pode fazer com que as edições futuras da Fenasan sejam marcadas em outro mês. Só para se ter uma ideia da importância da Ifat, a última, em Munique, em maio de 2018, reuniu 3.305 expositores de 58 países e 142 mil visitantes de 162 países, que circularam pelos 260 mil m² do pavilhão de exposições Messe München.

Clima quente – Além dos 230 trabalhos aprovados, o Encontro Técnico Aesabesp deste ano terá mesas redondas interessantes nos três dias do evento, como as que debaterão sobre os planos de segurança de água para sistemas de pequeno, médio e grande porte; tecnologias de coleta de resíduos urbanos; ocupação de solo; e destinação de lodos de esgotos. Um destaque nesse sentido é a mesa redonda em conjunto com os alemães, promovida pela Ifat, que debaterá possibilidades de cooperação entre os dois países para enfrentamento de problemas ambientais.
Mas uma mesa redonda que deve catalisar as atenções e refletir o clima atual do setor de saneamento no Brasil ocorre no dia 19 de setembro, quando serão discutidos os impactos da proposta de reforma para o setor, ou seja, a Medida Provisória 844, assinada em 6 de julho pelo presidente Michel Temer e que altera o marco regulatório do setor, a Lei do Saneamento, a 11.445/2007.
A MP, que está valendo, mas ainda precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional até 20 de novembro (caso não seja aceita ou alterada, ela cai), colocou o setor em clima beligerante, no qual os postos de confronto são ocupados de um lado pelo setor público e do outro, pelo privado. O centro da celeuma está em pontos da MP que favorecem o aumento da participação das concessionárias privadas no saneamento, que hoje só respondem pelo atendimento de 6% dos municípios (apesar de anualmente serem responsáveis por 20% dos investimentos no setor).
O ponto mais polêmico da medida é o artigo 10-A, que passa a obrigar os municípios a abrirem chamada pública quando do término dos chamados contratos de programa, celebrados até então entre as prefeituras e as companhias estaduais sem licitação para executar os serviços de saneamento nas cidades. Pela MP, os municípios precisarão publicar edital de chamamento público para “angariar a proposta de manifestação de interesse mais eficiente e vantajosa para a prestação descentralizada dos serviços públicos de saneamento”.
Isso, aliás, segundo o advogado especialista em infraestrutura, Eduardo Gurevich, é um preceito constitucional, já que, segundo o artigo 37, inciso 21, da Constituição Federal, a administração pública tem a obrigação de buscar as melhores opções de serviços por meio de licitação.
Esse ponto abre a possibilidade para o setor privado fazer suas ofertas em condições iguais com as estatais, que contam com essa espécie de reserva de mercado há 40 anos. Para o presidente da Associação Brasileiras das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Roberto Tavares, porém, essa permissão pode também criar um mecanismo de favorecimento de investimentos em cidades mais ricas, onde as concessionárias privadas teriam mais interesse em participar das licitações, e de esquecimento dos municípios mais pobres. “A empresa privada precisa ter lucro, ela não vai operar em municípios deficitários”, diz. Segundo Tavares, citando o exemplo de seu estado, Pernambuco, no qual ele preside a estatal Compesa, há 100 municípios, dos quais 170 com contratos de programa, que dão prejuízo para a companhia, mas cujos serviços são feitos por meio dos subsídios cruzados, ou seja, por adicionais na tarifas dos municípios mais “ricos”.
Essa economia de escala, continua o executivo, só é possível no atual modelo, que para ele corre o risco de não mais existir com a extinção dos contratos de programa. Não custa lembrar que Pernambuco, mesmo com os subsídios cruzados, tem índices ruins de saneamento: registra perdas de água na distribuição de 2%, de abastecimento de água de 77% e coleta apenas 30% do esgoto, dos quais 68% são tratados, segundo o SNIS 2016. Abcon rebate – As argumentações da Aesbe são rebatidas pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços de Água e Esgoto (Abcon). Para começar, o perfil de atuação das concessionárias privadas no Brasil explica que as empresas não buscam apenas grandes contratos: 58% de suas concessões são em municípios até 20 mil habitantes, sendo 72% até 50 mil habitantes. Aliás, segundo explica o diretor de relações institucionais da Abcon, Percy Soares, mesmo as companhias estatais, quando assinam contratos de programa, em muitos casos priorizam municípios mais rentáveis, relegando vários outros, que acabam por ter serviços autônomos.
“Os benefícios do subsídio cruzado nunca foram provados de fato, tanto é assim que ainda estamos muito longe da universalização dos serviços no Brasil, mesmo sob esse arcabouço legal”, diz. A economia de escala nos serviços de saneamento, possível quando se integram várias cidades com perfis econômicos diferentes, segundo Soares, não é inviabilizada com a MP 844. Pelo contrário, diz o diretor, já que um artigo da lei na verdade permite a regulamentação da formação de consórcios de cidades para licitações regionais. “A economia de escala, onde uma cidade pode arcar em sua tarifa por serviços em outras, também é interessante para o setor privado”, explica. Para isso, continua, bastaria as prefeituras se organizarem em regiões e assinarem contratos regionais, com a iniciativa privada ou mesmo com as companhias estatais. Um ponto também divergente entre as partes é o fortalecimento do papel da Agência Nacional das Águas (ANA), que passa a ter a responsabilidade de instituir normas de referências nacionais – que precisariam ser aceitas pelas agências regionais – para a regulação da prestação de serviços públicos de saneamento e o estabelecimento de regras para a sua atuação, a sua estrutura administrativa e as suas fontes de recursos. Nesse caso, o ponto nevrálgico da discordância entre as partes se refere ao fato de a medida provisória condicionar o acesso aos recursos públicos federais ou à contratação de financiamento com recursos da União apenas a quem cumprir as normas de referência regulatórias da ANA.
Isso significa que apenas companhias de saneamento subordinadas a agências regionais, estaduais ou municipais que seguem as normas editadas pela ANA poderão acessar o dinheiro público. Os “estatistas” temem a perda de autonomia das agências que regulam atualmente os titulares dos serviços e a possibilidade de ficarem sem os recursos federais caso não se enquadrem nas novas regras. Já o diretor da Abcon, Percy Soares, explica que foi esse mesmo modelo na década de 70, com o Planasa, que criou as companhias estaduais.

“É um contrassenso contestar essa condicionante da MP, já que o Planasa também condicionou o acesso aos recursos federais aos estados que organizassem suas próprias empresas de saneamento”, diz.
O advogado Eduardo Gurevich vê com bons olhos o novo papel da ANA, que para ele dá segurança jurídica para investimentos em saneamento. “Como está hoje, em que mesmo cidades vizinhas têm regulamentações diferentes para saneamento, o obstáculo é muito grande para o financiamento e a participação privada, em todos os seus modelos de atuação, seja em PPP ou em concessões”, diz. Segundo Gurevich, seria um passo muito importante para o saneamento dar à ANA o papel de padronizar e uniformizar as normas do setor.
Pontos em comum – Em meio aos embates em torno da MP 844, porém, parece haver consenso entre as duas partes que há necessidade de o saneamento básico brasileiro contar com recursos privados. Não à toa, o próprio presidente da Aesbe, como dirigente da Compesa, fez a principal PPP da área, na região metropolitana de Recife, onde 15 municípios contam com a BRK Ambiental como parceira da companhia no serviço de esgotamento sanitário. “Um país continental como o Brasil precisa ter várias opções para alcançar a universalização dos serviços”, diz Tavares.
A Abcon, nesse sentido, ao atualizar os números do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), criado em 2013 com metas para universalização até 2033, reiterou a mesma conclusão.
Corrigindo os valores apenas pelo IPCA, a associação concluiu que são necessários R$ 24 bilhões por ano para o país chegar à universalização dos serviços em 2033. “Quando estamos em um ano
bom, no máximo são investidos R$12 bilhões, com a estrutura basicamente estatal. É evidente que o setor precisa da iniciativa privada”, diz Soares.

Para o diretor da Abcon, o estímulo ao setor privado com a MP 844 é uma oportunidade única para acelerar esse processo de combate ao déficit representado por 100 milhões de pessoas sem tratamento de esgoto. E com a medida provisória isso se dará de forma mais rápida, ao contrário de um projeto de lei, como quer a Aesbe, o que poderia levar anos. “As concessionárias privadas
têm mais facilidade de crédito e têm como acessar vários fundos internacionais que não investem muito por aqui por falta de segurança jurídica, o que pode ser corrigido com a MP“, diz.
Segundo Soares, o setor privado precisa ser encarado como parceiro e não como concorrente do setor público, o que não seria sequer possível tamanha a dimensão do país. “Em um cenário muito otimista, as concessionárias privadas atenderiam no máximo a 30% dos municípios”, afirma.
Tempo de espera – Além da importância do congresso para discutir o setor, a presença dos expositores durante a Fenasan também deve ser proveitosa para os visitantes. E viceversa: se na feira não é propriamente um local para fechar negócios, visto muitos potenciais clientes serem de companhias públicas de saneamento e levando em conta o momento de crise, o encontro promete ser adequado para se apresentar para futuras qualificações e participações em processos licitatórios. Um exemplo desse último caso ocorre com a Aquamec, tradicional fornecedora de sistemas e equipamentos para as mais variadas alternativas de tratamentos de água, efluentes e resíduos, com representações de tecnologias de muitas empresas internacionais. Segundo explica o diretor da empresa, Marco Fomicola, a empresa vai aproveitar a Fenasan para destacar, entre outras tecnologias, três sistemas em processo de nacionalização.

O primeiro é o sistema completo de dessalinização de água do mar da finlandesa Vodaflo, baseado em membranas de osmose reversa com o pré e pós-tratamento. A segunda tecnologia são unidades móveis e compactas para produção de água potável, com membranas de ultrafiltração, da italiana Idro. E a terceira é um sistema para geração de energia por meio do biogás do lodo de esgoto da também italiana Mapro.
Segundo Formicola, as nacionalizações visam manter o portfólio de soluções diversificado para uma possível retomada do mercado. “O momento agora é de espera. O volume de solicitações de propostas, embora ainda não gere negócios significativos, reflete esse clima de expectativa no setor e é um bom momento para mostrar novidades”, diz. Compartilha dessa visão Federico Lagreca, o diretor comercial da Suez Brasil, grupo francês que participa da Fenasan com foco principal de apresentar produtos e equipamentos voltados para o controle de perdas de águas nos sistemas de abastecimento.
“Neste momento de crise, a criatividade e a inovação abrem possibilidades de novos negócios no mercado brasileiro,” diz Lagreca. Segundo o diretor, a grande novidade da exposição será mostrar os resultados da sinergia entre a Suez e a recém-adquirida GE Water, que agrega aos serviços soluções inteligentes para gestão de redes de água, equipamentos e soluções químicas. “Agora o leque de soluções é muito mais amplo para atender os clientes públicos e privados”, afirma. Entre as várias soluções do grupo de atuação global, a Suez vai detalhar na feira casos de estações de dessalinização de água, de tratamento de água potável e de efluentes domésticos e industriais para cidades. Uma tendência que a empresa pretende deixar clara é a de soluções integradas para tornar as cidades mais inteligentes, com responsabilidade ampliada no trato com a água, resíduos e energia. A Suez também vai participar do congresso com palestras sobre eficiência energética em sistemas e processos de tratamento de água, sobre gerenciamento de água subterrâneas e também sobre melhoria de desempenho nos serviços de redes de água.