Fármacos: Caminhos para reduzir a dependência do país

Indústria estuda caminhos para reduzir a dependência do país na importação de insumos

A interrupção das cadeias produtivas e logísticas globais decorrente da pandemia da Covid-19 evidenciou o alto risco de depender de apenas uma fonte de insumos farmacêuticos ativos (IFA). Importador de mais de 90% dos fármacos que consome, o Brasil viu-se, de repente, sem suprimento garantido de ingredientes necessários para a formulação de medicamentos, justamente quando mais necessitava deles.

A mesma situação foi observada em muitos outros países, colocando em pauta a relevância de discutir a retomada da produção nacional ou regional desses insumos.

Embora conte com pequena produção local de IFA, o Brasil abriga uma ampla e bem estruturada indústria farmacêutica, responsável por suprir a demanda nacional por remédios, especialmente dos produtos classificados como genéricos, ou seja, que não contam mais com direitos de patente.

A existência desse parque produtor de medicamentos, com toda a tecnologia adequada e alta qualidade reconhecida, representa uma grande oportunidade para investimentos na produção de fármacos que teriam acesso facilitado a esses clientes.

A produção de fármacos não é novidade no Brasil. Até 1990, o país produzia aproximadamente a metade dos IFA que consumia.

“Antes do governo Collor de Mello, fazíamos até antibióticos, mas ele promoveu uma abertura de mercado ampla e abrupta e isso abalou a indústria farmoquímica”, explicou Norberto Prestes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi).

Ele ressaltou que, na época, início dos anos 1990, a China estava atraindo investimentos produtivos em todos os setores industriais, oferecendo amplas vantagens.

A abertura brasileira estimulou a importar os insumos farmacêuticos em vez de produzi-los aqui.

“Foi um erro estratégico, pois os fármacos são insumos essenciais e isso ficou muito claro durante a pandemia, quando os estoques de medicamentos se esgotaram e não havia como recompô-los, tanto pela elevação de demanda mundial quanto pela falta de estrutura logística”, comentou Prestes.

Como explicou, Estados Unidos e Europa também transferiram sua produção farmoquímica para a China, mas preservaram estruturas e capacidade tecnológica para retomar a produção interna, ao contrário do Brasil.

“Esses países mantiveram uma produção mínima, em termos estratégicos, até de um ponto de vista militar, além da visão de saúde pública”, considerou.

“Os Estados Unidos, com a pandemia, anunciaram plano de produzir 180 moléculas farmacêuticas, produtos que estavam em falta; eles alinharam universidades, institutos de pesquisa, indústrias e governo para fazer isso”, informou.

A Índia, segundo a Abiquifi, está investindo US$ 8 bilhões para produzir 30 intermediários de sínteses, evitando a dependência de suprimentos chineses, ainda mais importante agora, com a tensão crescendo entre China e Taiwan.

“Até a Nova Zelândia lançou um edital para oferecer US$ 4 bilhões para ‘nerds’ farmoquímicos que consigam melhorar processos produtivos”, apontou.

Prestes considera grandes as oportunidades para incentivar a produção brasileira de IFA.

O mercado local pode ser considerado pequeno em comparação com o norte-americano (que é 40 vezes maior) ou o chinês, mas é considerável.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior sistema público universal de atendimento médico do mundo e engloba o fornecimento de medicamentos. Isso faz do Ministério da Saúde o maior comprador de remédios do país.

O Brasil conta com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulamentador e fiscalizador dos medicamentos e insumos que é reconhecido internacionalmente.

“A Anvisa é a única agência reguladora dos países do Brics com assento no ICH [Conselho Internacional para Harmonização de Regulamentos Técnicos para Farmacêuticos para Consumo Humano], isso nos dá uma grande vantagem, além de possuirmos uma respeitada indústria farmacêutica”, afirmou.

“A população mundial segue crescendo, está havendo o aquecimento global e várias migrações de pessoas pelo mundo, tudo indica uma tendência de aparecimento de novas pandemias e crises de abastecimento globais; precisamos estar preparados para isso”, considerou.

A Abiquifi estima o mercado mundial de IFA em US$ 200 bilhões, com previsão de crescer 60% até 2025.

“A China não dará conta de produzir tudo isso”, disse Prestes, lembrando que a metade das indústrias de IFA no mundo produz apenas para suprir seus mercados locais. Apenas um terço das empresas abastece outros países.

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Bezerra: política setorial não pode mudar a cada governo ©QD Foto: Divulgação/Abifina/Anré TelleS

“O Brasil será o sexto mercado consumidor de medicamentos no mundo em 2030”, afirmou Antonio Bezerra, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina).

“Temos uma indústria farmacêutica competente e de alta qualidade, porém vulnerável pela dependência de insumos importados.”

A Abifina acompanha desde 1986 o desenvolvimento da química fina no Brasil, atividade que perdeu força nos ano 1990 com a abertura comercial do governo Collor de Mello.

“De lá para cá, tivemos alguns projetos incipientes que duraram pouco, pois faltou segurança jurídica, quando mudava o governo, mudavam as diretrizes e os projetos morreram, faltava e falta uma visão de longo prazo”, salientou.

“Em menos de sete anos, não se faz nada em química fina.”

Bezerra avalia que o setor está em uma fase de baixa, pois o governo atual está abrindo mais e mais a economia, incentivando as importações.

“Remontar um setor industrial é muito demorado, no caso dos antibióticos precisaremos sair da estaca zero, não há mais nada sendo produzido por aqui, aliás, essa produção está muito concentrada na China”, comentou.

A pandemia até despertou o interesse pelo tema, mas houve pouca receptividade oficial. “O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação nos ouviu, formou um Grupo de Trabalho específico, o GT Farma, mas não houve progresso”, disse Bezerra.

“Falta uma política de Estado, que envolva também outros ministérios, como Economia, Saúde e Defesa, com estabilidade e visão de longo prazo.”

As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), criadas em 2009 para favorecer o acesso a medicamentos e produtos de saúde considerados estratégicos para o SUS mediante o fortalecimento da produção nacional, constituem um modelo bem sucedido de incentivo, mas não foi ampliado.

“Estudos do IPEA mostraram que o Brasil reduziu gastos de pelo menos R$ 3 bilhões nos 60 a 70 produtos participantes”, disse Bezerra.

“Porém, não houve rodadas adicionais para definir novos produtos estratégicos para incluir outras IFA no programa.”

A redução do custo dos medicamentos permite atender mais pacientes do SUS sem aumentar a despesa, fato que justifica manter e ampliar as PDP.

No momento, o setor acompanha e apoia a tramitação do Projeto de Lei 1505/2022, apresentado pelo senador Eduardo Gomes, de Tocantins.

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Pacheco: é possível e viável investir na produção de IFA

“Esse PL pretende criar um marco legal que incentive o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica no setor químico em geral”, defendeu Ricardo Pacheco, CEO do Laboratório Cristália, que produz medicamentos e também IFA, possuindo duas farmoquímicas tradicionais, uma farmoquímica oncológica e duas plantas de biotecnologia.

No pico da demanda pelos produtos do kit intubação, no auge da Covid-19, o laboratório quadruplicou sua produção e investiu R$ 40 milhões em uma linha de envase para suprir a demanda brasileira.

Com a normalização da demanda, a empresa estuda a exportação dos produtos para países da América Latina.

Pacheco aponta a experiência do Cristália como exemplo de que é possível e viável investir na produção local de IFA.

“Qualquer empresa que esteja disposta a investir seriamente tem condições de produzir IFA de forma verticalizada, como fazemos, mas cada empresa deve observar sua vocação para determinar as linhas de produtos que mais se adequem à sua produção”, salientou.

O marco legal que pode ser criado a partir do PL 1505 “formará o alicerce legal para impulsionar a articulação entre os atores envolvidos no ecossistema da saúde, integrado por universidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e o setor produtivo nacional e internacional”, explicou.

Isso permitirá ampliar investimentos não só em fármacos e medicamentos, mas também em reagentes para diagnóstico, vacinas e aparelhos eletrônicos, hoje importados, gerando déficit comercial elevado.

O Cristália tem tradição de investir em novos produtos, dedicando 4% de seu faturamento anual para Pesquisa e Inovação, além de contar com um conselho científico formado por notáveis.

O centro de P&I, com instalações exclusivas, está situado dentro do complexo industrial de Itapira-SP, e 40% dos seus projetos são dedicados à inovação radical, com grande parte deles na área da biotecnologia.

Integrar iniciativas – O Brasil já conta com alguns mecanismos de incentivo à produção de fármacos que deveriam ser melhorados e integrados, contando com um marco legal adequado, como explica Marcelo Mansur, CEO da Nortec, fabricante nacional de mais de 30 IFA, com diversos graus de verticalização, em Xerém-RJ.

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Mansur: verticalização precisa fazer sentido econômico

“A verticalização é maior nos desenvolvimentos mais recentes”, comentou.

A companhia é a única fabricante mundial do IFA benznidazol, usado contra a Doença de Chagas, e a maior produtora de antiretrovirais do Ocidente.

Mansur observa que, enquanto o Brasil abriu seu mercado e desincentivou a produção local, nos anos 1990, China e Índia tomaram decisões de médio e longo prazo que permitiram absorver parcela importante da produção mundial.

“Eles incentivaram investimentos mas também criaram distritos industriais especializados, formaram universidades com padrão de excelência e adotaram políticas cambiais e tributárias para exportar de forma muito competitiva; com isso, o mundo ficou dependente deles”, salientou.

Atualmente, a Coreia do Sul está seguindo esse modelo e escalando sua produção. Os Estados Unidos editaram atos legislativos para voltar a investir no ramo.

O CEO da Nortec menciona a existência no país de bons mecanismos de apoio, mas que deveriam ser reforçados, caso das PDP.

“Nas duas rodadas, foram contratados vários projetos, muitos deles com grande sucesso, outros foram descontinuados; nos antiretrovirais, por exemplo, nos tornamos quase autossuficientes”, salientou.

Ele também apontou o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com papel importante num setor que exige investimentos constantes e a longo prazo.

“No passado, o BNDES ofereceu linhas de crédito para o complexo de saúde, mas isso perdeu força há alguns anos”, comentou.

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Linha de produção de IFA da Nortec, em Xerém-RJ

Mansur também considera, olhando o caso chinês, que a formação de distritos industriais não é novidade no Brasil. A própria Nortec está sediada em um, em Xerém.

“Temos várias plataformas industriais prontas, é um bom ponto de partida”, salientou.

Ao mesmo tempo, ele alerta que o mundo todo está olhando para investimentos produtivos no setor como forma de reduzir a dependência de fornecedores asiáticos.

“Se demorarmos muito para tomar as decisões certas, vamos ficar para trás, pois uma fábrica leva de três a quatro anos para ser montada, o processo de aprovação regulatória consome mais três anos, ou seja, o tempo para colocar um IFA no mercado é de oito anos, no mínimo”, explicou.

A favor dos investimentos, ele aponta que a falta de fármacos no mundo deve permanecer.

Como apontou Bezerra, da Abifina, a China adotou padrões ambientais e de qualidade mais elevados e isso levou ao fechamento de unidades industriais em vários setores, inclusive em química fina.

“A oferta de insumos, como a de fármacos, está restrita”, comentou.

Mansur entende que o país precisa fazer uma opção por um modelo de desenvolvimento em produtos para saúde.

“Ou se adota a política de livre mercado total e se deixa que tudo se ajuste normalmente, ou é preciso tomar outros rumos; com planejamento e apoio, tudo é possível”, afirmou.

Durante a pandemia, o país demonstrou ter base industrial e conhecimento para ampliar rapidamente a produção dos itens do kit intubação.

A Nortec, por exemplo, dedicou uma planta fabril inteira para fabricar o sedativo midazolam. Agora, o setor está mostrando capacidade de reação para ofertar mais antigripais.

“Podemos até competir com gigantes internacionais, já há empresas brasileiras fazendo isso muito bem”, afirmou. Mas ele admite que a luta é desproporcional.

“A China conta com 2 mil a 2,5 mil fabricantes de IFA, aqui no Brasil somos 15 empresas”, comparou.

Mansur entende que é cada vez mais importante verticalizar a produção de IFA, buscando dominar a cadeia completa.

“As etapas finais do processo estão dentro do rigoroso sistema regulatório e este exige controle de qualidade das etapas iniciais, não é possível desconectar as etapas, sem mencionar a flexibilidade logística que se alcança com a verticalização”, reforçou.

“Porém, tudo isso precisa fazer sentido economicamente, um IFA produzido hoje talvez só justifique a produção integrada dos intermediários daqui a 20 anos, até lá será preciso importá-los.”

Ele citou produtos que começam com a soja brasileira, submetida à fermentação na América Central e enviada para a China para fazer um intermediário que depois volta ao Brasil para a produção de IFA.

“Se todas essas etapas fossem internalizadas aqui, o custo seria 20 vezes maior, melhor focar na produção do IFA, a etapa mais densa em tecnologia”, considerou.

“Temos produtos em que fazemos tudo, em outros fazemos 6 ou 7 das 10 a 12 etapas de síntese, em outros só fazemos as últimas reações; é preciso ver até que ponto é viável verticalizar”, afirmou.

A Nortec vem intensificando a verticalização nas linhas mais recentes de produtos. A ideia é iniciar a produção com commodities, que tem custo baixo e alta disponibilidade.

“Partir da química básica até as sínteses avançadas é um percurso complexo, é preciso contar com apoio estatal para suportar o tempo de maturação que é longo e também para garantir a compra dos produtos, atualmente o SUS não favorece o IFA nacional nos medicamentos que adquire”, ressaltou. As PDP fazem isso.

Mansur explica que a produção farmacêutica no Brasil é concentrada nos genéricos e a meta é ter preços finais sempre mais baixos.

“Lá fora, todos os IFA são subsidiados, precisamos fechar essa lacuna”, apontou. “E ainda temos que suportar o famoso custo Brasil.”

Em agosto, a Nortec deve finalizar a construção de sua primeira planta para produção de drogas de alta potência, como insumos oncológicos e imunossupressores.

“Essa unidade requer uma engenharia especial, com altíssima segurança para os operadores, porque esses produtos são aplicados em dosagens muito baixas e qualquer exposição acidental pode provocar danos à saúde deles”, explicou. Iniciada a produção, a empresa entrará com o pedido de registro na Anvisa.

A primeira produção será utilizada para ensaios analíticos e clínicos, formando o dossiê necessário para avaliação por parte da agência, etapa que deve consumir de 6 a 8 meses. “Iniciamos esse projeto em 2017 e só teremos autorização para comercializar os produtos em 2023 ou 2024”, comentou.

Mansur vê na inovação radical uma atividade cara, mas que pode ser compensadora, embora não seja este o objetivo da companhia, fundada há 40 anos.

“Inovação radical é a criação de moléculas, nossa atividade é criar processos industriais para produzir comercialmente essas moléculas”, explicou, ao apontar a existência de indústrias brasileiras que investem na inovação radical com sucesso.

Em compensação, a Nortec acompanha com atenção o mercado de IFA para genéricos.

“Há muitas patentes caducando nos próximos anos, precisamos nos preparar com antecedência para termos produtos aprovados tão logo expire a proteção patentária, a fim de oferecê-los no tempo certo para os clientes”, comentou Mansur.

A pressa se explica: a indústria farmoquímica da Índia também monitora esse mercado e tem uma forte estrutura de produção.

Quem chega tarde nesse mercado perde a oportunidade de fechar contratos com os melhores preços.

A biotecnologia é vista como uma oportunidade por Mansur, sendo capaz de produzir novas moléculas com alta precisão e eficiência. “A produção é uma questão de escala e de especialização, há muita ciência e tecnologia envolvidas nisso”, considerou.

“O investimento é elevado, exige ter um projeto muito grande e com demanda garantida para compensar.”

Ele afirmou que a Europa conta com polos de produção especializada em biotecnologia. China, Índia e a Coreia do Sul também estão entrando nesse segmento promissor.

Novas propostas – As dificuldades encontradas durante o auge da pandemia para o suprimento de insumos levaram várias entidades setoriais a buscar alternativas.

“Em uma reunião no Ministério da Agricultura, saiu o plano nacional de fertilizantes, com metas estipuladas para 2050, o setor farmacêutico também percebeu que muitos problemas enfrentados por ele eram semelhantes aos dos produtores de agroquímicos e insumos de defesa animal, portanto há convergências, especialmente nos intermediários de síntese”, comentou Norberto Prestes, da Abiquifi.

“Encontramos vulnerabilidades que precisam ser enfrentadas em conjunto até para gerar escala suficiente para justificar os investimentos, temos diálogo com a Abiquim para temas que envolvem a indústria química básica, contando com apoio da Frente Parlamentar da Química.”

A Abiquifi e o Ministério da Saúde fizeram um estudo, finalizado neste ano, que identificou as 50 moléculas mais importantes para o mercado nacional.

“Avaliamos dados oriundos de prescrições médicas em hospitais e farmácias privadas, equivalentes a 35% do mercado nacional, depois refinados para identificar moléculas em fase de expansão de consumo”, explicou.

Das 50 moléculas selecionadas, apenas sete tem produção local, embora alguns dos itens tenham mais de 30 anos de mercado, sem proteção patentária.

“Ninguém investe neles porque o retorno é baixo”, verificou. O Ministério da Saúde compra aqui mesmo 70% dos medicamentos que distribui, evidenciando a relevância de garantir o suprimento de insumos.

“Até 2028, caducarão várias patentes importantes de fármacos, isso representa uma oportunidade para suprir o mercado local e até exportar”, avaliou.

O trabalho agora, encabeçado pela Abiquifi, é identificar quais dessas 50 moléculas poderiam ter produção nacional viável e alinhar esforços de pesquisa e do governo para concretizá-la.

“Precisamos desde logo definir as moléculas viáveis, desenvolver competências, reforçar a estrutura de produção e definir uma política de Estado, que não mude com o governo”, salientou.

Ele adianta que esse esforço precisa incluir empresas internacionais interessadas em produzir aqui seus fármacos.

Outro caminho é desenvolver rotas biotecnológicas, que geram insumos farmacêuticos por processos fermentativos.

“É um bom momento para investir nisso, mas saliento se tratar de um sistema caro para estruturar e já houve experiências frustradas no país”, disse.

Ele comentou que são feitos esforços em biotecnologia farmacêutica há 20 anos no Brasil, com pouco sucesso.

“Deram tiros em alvos errados, agora a pauta é mais simples e pode dar certo”, afirmou.

As dificuldades na biotecnologia vão além dos laboratórios de pesquisa e das fábricas.

“Acompanhamos cinco startups desse segmento e elas relataram ter sofridos prejuízos de US$ 6 milhões com a demora excessiva para liberação alfandegária de células para pesquisa, porque os agentes não estavam preparados para lidar com esse tipo de produto e as células foram inutilizadas, como investir num país que faz isso?”, lamentou.

Outras formas de obter insumos farmacêuticos são os fitoterápicos e os produtos de origem animal.

“O anticoagulante heparina é obtido da mucosa intestinal de suínos e bovinos; o Brasil produz a mucosa com alta qualidade e exporta quase tudo, depois importa a heparina”, explicou Prestes.

“A heparina produzida aqui contém 33% a mais de tributos do que a importada.”

Como informou, as grandes indústrias de carnes do país estão investindo nisso, já estão na fase regulatória; superada essa fase, o Brasil poderá ser o segundo maior produtor mundial de heparina”, salientou.

Nos fitoterápicos, o país tem condições de liderar o mercado mundial, posição ocupada hoje pela Alemanha, avaliou Prestes.

“Eles têm grande tradição nisso, 60% dos remédios que um alemão consome são fitoterápicos, por aqui, esse indicador é de 1,5%”, comparou.

Nesse campo, ele aponta bons exemplos brasileiros.

“A Centroflora faz a pilocarpina, um derivado do jaborandi, e exporta 90% da produção; nos Estados Unidos, já lançaram um colírio feito com pilocarpina”, disse.

“Também há investimentos em P&D nesse segmento, envolvendo o Sirius, acelerador de partículas de Campinas-SP.”

Prestes aponta uma dificuldade no caminho do desenvolvimento do setor.

“A academia não está preparada para fazer pesquisas no prazo que a indústria requer, por isso queremos estruturar uma rede científica que possa ser aproveitada pelo setor”, disse.

“O Brasil faz muitas publicações, mas poucas patentes.”

A Abiquifi também está atenta à integração regional do setor.

Segundo Prestes, a interação com a Argentina é positiva, pois dos 350 fármacos usados nos dois países, apenas 20 tem produção duplicada.

“A Argentina conta com tecnologia de produção até melhor do que a nossa; a América Latina unida poderia suprir a demanda dos Estados Unidos”, salientou.

Ao mesmo tempo, a Abifina estuda a estruturação de cadeias químicas capazes de fabricar aqui intermediários de síntese e até insumos de formulação.

“Precisamos verticalizar mais a produção, hoje estamos importando até os solventes usados nos processos farmacêuticos”, apontou Antonio Bezerra.

Estudos conduzidos pela associação identificaram 140 moléculas produzidas ou possíveis de serem fabricadas aqui. Ainda é pouco.

“São hoje comercializadas 2 mil IFA no Brasil, a produção local é inferior a 10% disso”, apontou.

Uma das formas de estimular a produção local de insumos farmacêuticos é reforçar o sistema de preferência de compras.

Segundo Bezerra, as farmacêuticas privadas também deveriam preferir insumos nacionais.

“Apenas as compras dos laboratórios públicos são insuficientes para gerar escala e estimular o setor, porque elas representam apenas entre 20% e 25% das unidades de medicamentos consumidas no país”, disse.

Em valor, esse percentual é maior, porque inclui os medicamentos de alto custo, muitos deles fornecidos mediante mandado judicial.

Bezerra defendeu que a indústria local deve crescer considerando todas as modalidades: genéricos, produtos inovadores e também a transferência para cá de produtos protegidos por patentes.

“Estamos estudando uma cesta de moléculas para oferecer ao Ministério da Saúde para dar mais segurança de suprimento”, informou.

“Os Estados Unidos, detentor do maior mercado farmacêutico do mundo, fabrica entre 25% e 30% dos IFA, o Brasil pode chegar a esse percentual em dez anos.”

Bezerra vê na biotecnologia um fator determinante para o futuro do setor e entende que o sistema das PDP poderia ser usado para estimular seu desenvolvimento.

“A primeira fase é a produção de biossimilares, produtos idênticos aos sintéticos, mas obtidos por processos biotecnológicos, a Anvisa já normatizou isso, já temos produtos registrados, mas sem produção local”, comentou.

O segundo passou é a inovação radical, obtendo moléculas novas.

“A biotecnologia não representa o fim das sínteses químicas tradicionais, são tecnologias que se complementam”, afirmou.

Bezerra apontou que os critérios de precificação adotados pelo governo também desestimulam investimentos.

“Há uma demora muito grande para reajustar os preços enquanto o custo Brasil vai aumentando, não temos os incentivos que outros países oferecem”, criticou.

Atualmente, a única medida de favorecimento á produção local de fármacos está em discussão no legislativo federal, é o PL 4209/2019, que obrigará as agências governamentais a conceder prioridade para avaliação de produtos nacionais e favorecer a aquisição desses produtos.

“Isso daria mais agilidade e segurança ao desenvolvimento da produção nacional”, comentou, salientando que a tramitação desse PL está em fase avançada.

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