Marcas usuárias de grandes volumes de aplicações plásticas, dos mais diversos mercados – alimentos, bebidas, higiene e beleza, automóveis, entre outros – implementam práticas e iniciativas destinadas a associá-las às propostas e aos preceitos compreendidos pela sigla ESG (composta pelos teremos ingleses referentes a Ambiental, Social e Governança). E vinculam-nas a metas e objetivos em quesitos como redução das emissões de carbono e de utilização de recursos hídricos, estruturação de ambientes de trabalho dignos e atuação ética e transparente, entre outros.
Algumas dessas iniciativas e suas respectivas metas impactam a cadeia do plástico, estimulando o uso mais intenso de resinas recicladas, de biopolímeros e de polímeros compostáveis, tentando reduzir ao mínimo o uso das resinas, privilegiando soluções mais facilmente recicláveis. Visando tornar mais coerente essas estratégias ESG, e resguardá-las de possíveis questionamentos, as empresas proprietárias dessas marcas, ou brand owners, também passam a exigir de seus fornecedores a adoção de práticas similares, inclusive dos integrantes da cadeia do plástico, alguns deles já empenhados no atendimento dessa demanda.
Detentora de um rico e diversificado portfólio de grandes marcas, muitas delas com dimensões globais, a Unilever, por exemplo, anunciou como metas a serem atingidas até 2025 reduzir pela metade o uso de resina virgem, utilizar pelo menos 25% de resina reciclada pós-consumo em seu portfólio, e coletar mais plástico do que é colocado no mercado. Metas em alguns casos já ultrapassadas, pois, ao menos no caso brasileiro, no final do ano passado, informa a empresa, o índice de utilização de resinas PCR (recicladas pós-consumo) nas embalagens chegou a 27%.
Frascos de algumas marcas de produtos para cabelo da Unilever, especifica Leandro Fagundes, coordenador de desenvolvimento de embalagens da empresa – como Seda, Dove e TRESemmé – já contêm 100% de PEAD reciclado pós-consumo; mais recentemente, marcas de produtos de limpeza doméstica, como OMO e Comfort, cujos frascos tinham resinas recicladas, passaram a trazer 100% de resina PP PCR também nas tampas.
E para a Unilever, prossegue Fagundes, é relevante que todos os elos da cadeia, desde fornecedores de matéria-prima até convertedores, também tenham estratégias alinhadas à cultura ESG e adotem práticas destinadas à redução dos impactos do plástico, começando pelas cooperativas de reciclagem e chegando aos fabricantes de embalagens.
Fagundes: toda a cadeia de suprimentos deve adotar ESG
“Também incentivamos parceiros e fornecedores a atuarem de forma sustentável, seja utilizando materiais e processos de fabricação que minimizem o impacto ambiental, bem como adotando práticas de redução de resíduos e das emissões de carbono”, diz.
“E atuamos de modo a garantir que todos os fornecedores de matérias-primas cumpram com todas as regulamentações ambientais, sociais e trabalhistas; isso inclui auditorias e certificações”, acrescenta Fagundes.
ESG nas embalagens
Fabricante de embalagens para inúmeros produtos – alimentos, bebidas, medicamentos, artigos de cuidados pessoais e domésticos, entre outros –, com operações em mais de quarenta países, a Amcor é um exemplo de fornecedor dos grandes brand owners que já conta com práticas e metas de ESG, e em seu relatório global de sustentabilidade referente ao ano fiscal de 2022 anunciou, entre outros objetivos, zerar a emissão de efluentes líquidos até 2050, reduzir o descarte em aterros e elevar os percentuais de utilização de energias renováveis.
No ano passado, também divulgou que, até 2030, incorporará 30% de conteúdo reciclado em seus produtos. Anteriormente, já havia se comprometido a ter, até 2025, todas as soluções de seu portfólio desenhadas para serem recicláveis.
Juliana: embalagens flexíveis são desenhadas para reciclagem
“No portfólio de embalagens flexíveis, 83% das soluções já são desenhadas para serem recicláveis”, informa Juliana Seidel, gerente sênior de sustentabilidade da Amcor Flexibles na América Latina.
Juliana cita, entre os desenvolvimentos com os quais a Amcor busca atender à crescente demanda por produtos desenvolvidos para atender as necessidades da sustentabilidade, a linha AmPrima, cujas soluções, normalmente recicláveis na cadeia do polietileno, podem substituir estruturas flexíveis multimateriais em embalagens de diversas categorias – como alimentos, bebidas, pet food, e higiene e limpeza –, e em alguns produtos incluindo até 50% de conteúdo reciclado.
Modelo da linha AmPrima pode substituir versão multicamada
A Amcor, relata Juliana, é hoje indagada pelos clientes não apenas sobre suas soluções de embalagens, mas também sobre suas práticas de ESG. “Começando pelos grandes clientes globais, mas também por uma crescente quantidade de clientes menores que, em alguns casos, demandam nosso auxílio no sentido de avançar com essas práticas”, diz a gerente da empresa – que além de resinas utiliza também papel e alumínio para produzir embalagens.
Clientes do porte da Coca-Cola e L’Oreal, entre outros, há anos auditam a America Tampas para verificar, entre outras coisas, se a empresa não utiliza trabalhadores em situação irregular.
Alvarez: P&D gera propostas melhores para os clientes
“Isso hoje é o básico, quem não atender a esse requisito estará fora do mercado”, ressalta Gustavo Dario Alvarez, CEO da America Tampas.
“Mas eles também querem saber o que oferecemos à nossa equipe e à comunidade com a qual nos relacionamos, pois é isso o que garante a perenidade da empresa”, acrescenta.
Entre as práticas e iniciativas associadas ao conceito ESG atualmente implementadas por sua empresa, Alvarez cita sua condição de um dos mantenedores do projeto de educação socioambiental e reciclagem Tampinha Legal e sua participação na Rede Pela Circularidade do Plástico (veja box).
Com matriz em Venâncio Aires-RS e filial em Pilar (Argentina), a America Tampas produz sistemas de fechamentos para embalagens dos mais diversos setores: bebidas, alimentos, beleza, higiene, limpeza, entre outros. Seu investimento em pesquisa de desenvolvimento de produtos mais sustentáveis e circulares já gerou, entre outras soluções, tampas de embalagens de inseticidas compostas por uma única peça em vez das complexas tampas anteriores, o que também viabilizou os transportes dessas embalagens unitizadas com filmes encolhíveis que substituíram as caixas de papelão. “Cerca de dois terços de nossas atuais vendas resultam de propostas nossas para melhoria de briefings que recebemos, especialmente, no quesito sustentabilidade”, informa Alvarez.
ESG nas embalagens: Reciclados e bioplásticos
Integrantes de um mercado até não muito tempo atrás tido como um universo de informalidade, dedicado apenas a oferecer produtos de baixo preço, recicladores também buscam se associar ao conceito ESG. Entre eles a Clean Plastic, controladora de seis plantas de reciclagem de poliolefinas em diferentes regiões do país – está construindo uma sétima, no Norte –, além de centros de recepção, triagem e distribuição de resíduos.
Grandes marcas, informa Adriano Tanaka, diretor comercial e de marketing da empresa, hoje buscam fornecedores de resinas recicladas também vinculados ao ESG. Atenta a essa demanda, a Clean Plastic lançou no ano passado, em Curitiba-PR, uma operação denominada Clean Eco, que busca resíduos recicláveis diretamente nas localidades onde estão instaladas as cooperativas, além de remunerar diretamente os catadores, eliminando a figura do atacadista e propiciando-lhes maior renda.
Tanaka: remuneração correta de catadores atende ao S do ESG
“Isso significa uma atuação social, atende ao ‘S’ do ESG”, ressalta Tanaka.
Mensalmente, a Clean Eco recolhe cerca de 300 toneladas em aproximadamente 300 cooperativas. E conta com alguns parceiros, entre eles, uma empresa usuária de resina PET, que contribui com a remuneração adicional aos catadores pela coleta de produtos feitos dessa resina (que a Clean Plastic não recicla). “Esse tipo de parceria é importante porque a Clean Eco não é pagável por si só”, explica. “Também pensamos em expandir a Clean Eco, especialmente para locais próximos às nossas fábricas.”
A Clean Plastic, prossegue Tanaka, também apoia, entre outras iniciativas, a instalação de barreiras destinadas a impedir que resíduos alcancem as Cataratas do Iguaçu e uma operação de retirada de resíduos do litoral. “Os clientes hoje perguntam o que fazemos hoje na área social, ou no campo da sustentabilidade”, destaca.
Inseridos nas estratégias de ESG e sustentabilidade de muitos brand owners, usuários de resinas e fornecedores de biopolímeros também buscam se diferenciar por meio de práticas e informações relacionadas ao conceito ESG. Caso da ERT – Earth Renewable Technologies, que em uma fábrica em Curitiba-PR mantém uma linha com capacidade de produção de até 3,5 mil toneladas anuais de compostos de PLA (poli-ácido lático), proveniente de cana-de-açúcar. “Além da certificação ISO 9001, de qualidade, temos também a ISO 14001, que atesta boas práticas ambientais”, diz Kim Fabri, CEO da empresa. “Mas os clientes também exigem muita documentação fornecida por fontes independentes, certificando que os produtos são de origem renovável e compostáveis”, acrescenta.
Compostos da ERT, relata Fabri, já são utilizados no Brasil em embalagens flexíveis, em descartáveis, e mesmo em stand up pouches que um fabricante de embalagens desenvolveu e hoje oferece a seus clientes. “Temos tido diversas reuniões com brand owners e muitas vezes trabalhamos com transformadores por exigência deles. Esse uso avançaria mais rapidamente se mais transformadores tivessem mais soluções prontas, com nossa matéria-prima, ou com reciclados”, destaca. “Bioplásticos e reciclados são complementares, não competem entre si, vemos mais possibilidade para bioplásticos onde o reciclado não faz muito sentido: por exemplo, para contato com alimentos, ou em regiões onde é baixa a taxa de reciclagem”, enfatiza o CEO da ERT.
Estratégias ESG realmente constituem requisitos cada dia mais importantes para quem pretende atender aos brand owners – bem como aos consumidores que valorizam a sustentabilidade –, confirma Laercio Gonçalves, CEO do grupo Activas e presidente da Adirplast (Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins).
Apostando nesse diferencial, a própria Activas recentemente recebeu a certificação internacional Sistema B, que busca avaliar e qualificar empresas que equilibram lucro nos negócios com impactos positivos nos campos social e ambiental. Além de práticas e iniciativas nas diversas vertentes do conceito ESG, ela exige a inclusão, no portfólio da empresa, de percentuais mínimos de produtos mais sustentáveis, como resinas recicladas e bioplásticos.
Embora complexa, essa certificação, observa Gonçalves, talvez não seja ainda valorizada, ou mesmo conhecida, por muitos transformadores. “Mas no universo das grandes marcas já pode ser um diferencial favorável na conquista de um projeto”, aponta Gonçalves. “Muitos clientes demandam de nós também esse conhecimento relacionado ao ESG”, acrescenta.
Assim como são avaliados por brand owners com parâmetros e critérios próprios do universo ESG, fornecedores da cadeia do plástico também começam a cobrar de seus fornecedores esse tipo compromisso com as práticas e as políticas inerentes a esse conceito. A Amcor, por exemplo, além de requerer de seus fornecedores a adesão ao seu código de ética, também estimula sua participação no programa EcoVadis, cuja metodologia avalia uma empresa e seus critérios de gestão, em áreas como meio ambiente, práticas trabalhistas, comerciais, direitos humanos e “compras sustentáveis”.
Mais recentemente, diz Juliana, a Amcor passou também a indagar esses fornecedores sobre temas como iniciativas para redução de emissões de gases formadores do efeito estufa. “Os fornecedores do mercado brasileiro têm se mostrado muito abertos a entender esses requisitos, implementá-los e usá-los para melhorar seu desempenho ambiental”, acrescenta.
A America Tampas, relata Alvarez, hoje avalia seus fornecedores não apenas pelos aspectos comerciais e de qualidade de produto, mas também em quesitos diretamente relacionados ao conceito ESG, como o respeito à legislação trabalhista. “Assim como há quinze ou vinte anos as certificações de qualidade constituíam diferencial de mercado, agora acontece o mesmo com as práticas e propostas de ESG”, compara.
E a Activas, afirma Gonçalves, também checa em seus fornecedores informações relacionadas a temas como utilização de trabalho infantil e de redução das emissões de carbono. No mercado da reciclagem, problemas de informalidade e regulamentação ainda impõem desafios. “Mas já não é difícil encontrar recicladores com práticas de ESG, muitos deles têm hoje sua produção integralmente vendida para brand owners e petroquímicas”, enfatiza.
Diretor de economia circular da consultoria MaxiQuim, Maurício Jaroski vê a cadeia brasileira do plástico realmente comprometida com as práticas da sustentabilidade e as propostas do conceito ESG.
Jaroski: cadeia do plástico país adotou ESG para valer
“Temos hoje no país um setor de transformação altamente qualificado, com muitas empresas que começaram familiares, mas são hoje extremamente profissionais e de grande porte”, ressalta.
“Mesmo o segmento da reciclagem se tornou muito profissional, até por ser olhado com mais atenção por bancos e investidores”, acrescenta.
Práticas e iniciativas ESG se consolidaram como critérios concretos de seleção de quem busca fornecedores na cadeia do plástico (e também em outros setores). “Com certeza, cada dia mais, as empresas buscarão fornecedores que lhes entreguem produtos e insumos com rastreabilidade, produzidos de acordo com as normas ambientais e trabalhistas, e com outras práticas sociais e de sustentabilidade”, finaliza o especialista da MaxiQuim.
Rede estimula circularidade
Focada na cooperação e na colaboração em torno das propostas da economia circular na cadeia produtiva do plástico – especialmente pelo estímulo às soluções para o desenvolvimento de projetos que aumentem o índice de reciclabilidade das embalagens plásticas e a disponibilidade de resina PCR –, a Rede Pela Circularidade do Plástico é uma iniciativa única, afirma Gustavo Alvarez, CEO da America Tampas e coordenador do eixo Design de Embalagens dessa rede (subdividida também nos eixos temáticos Logística e Infraestrutura; Políticas Públicas; Comunicação; e Governança). “Não há no mundo nada parecido, integrando com esse objetivo todos os elos da cadeia”, destaca.
Até as tampas dos frascos de amaciante são feitas de PCR
Criada em 2018 por iniciativa da Abiplast, mas sem estar subordinada a ela, com governança própria e seu próprio conselho deliberativo, a Rede pela Circularidade do Plástico integra 67 empresas, incluindo petroquímicas e fornecedores de aditivos, transformadores, bens de consumo, varejo, gestão de resíduos, cooperativas, recicladores. Braskem, Dow, Basf, Sabic, Amcor, Wise, Nestlé, Unilever, são algumas delas. “Independentemente do porte, todas têm o mesmo peso na Rede”, ressalta Alvarez.
Entre os projetos nela já desenvolvidos, ele cita o Recupera, índice online que avalia a reciclabilidade de aplicações plásticas, tanto nos aspectos técnicos, quanto na vertente mercadológica, hoje utilizado por quase duzentas empresas. “Agora, dentro do Eixo de Design, estamos desenvolvendo projetos de reciclagem de flexíveis”, diz Alvarez. “Os projetos não se tornam propriedade de nenhuma empresa, mas de toda a cadeia do plástico”, finaliza.
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