Entrevista: Novo perfil ressalta as especialidades químicas
Uma empresa em fase de transição. Descreve, assim, a situação atual da Eastman Chemical o diretor-geral da subsdiária brasileira, Pedro Luiz Discacciati Fortes.
Desde a venda do negócio de tereftalato de polietileno (PET), em 2010, para a Dak Americas, a companhia deixou para trás a atuação em commodities e trilhou o caminho da diversificação de produtos e das especialidades químicas, assumindo uma identidade nova, reforçada por uma sequência de aquisições, entre as quais sobressai a da Solutia, em julho de 2012, empresa global formada pelos ativos desmembrados da antiga Monsanto.
Naquele momento, no Brasil, a Eastman havia acabado de dar um passo muito importante, a compra da produtora de plastificantes, ésteres lubrificantes e polióis poliésteres Scandiflex, em Mauá-SP, em setembro do ano anterior.
Esses movimentos desenham um novo perfil de empresa química, com uma estrutura redesenhada no final de 2012, com cinco unidades de negócios globais. Além disso, a Eastman prepara a transição na alta direção mundial.
O CEO Jim Rogers, ex-piloto de caça da marinha dos Estados Unidos (1973-1980), com MBA na prestigiosa Wharton School, que comanda a companhia desde 2009, deixará em janeiro o cargo para assumir uma posição no conselho de administração, tendo sido indicado o vice-presidente Mark Costa para sucedê-lo.
Em meio a tantas mudanças, a imagem da companhia para muitos observadores parece um tanto quanto indefinida, encoberta por brumas que Pedro Fortes começa a afastar com esta entrevista, concedida à Química e Derivados no escritório central da Eastman Chemical do Brasil, na Chácara Santo Antônio, em São Paulo.
Química e Derivados – Como o senhor se sente no comando de uma empresa em transformação?
Pedro Luiz Fortes – Como se vivesse um sonho. Estou na Eastman há onze anos e há dez trabalhamos para iniciar uma produção local. Foram muitos anos esperando pela possibilidade de tocar projetos novos, com novos desafios. A equipe toda está com o ânimo revigorado com a perspectiva de participar do desenvolvimento dos negócios e também de crescimento pessoal.
QD – Mas a imagem que existe no mercado sobre a Eastman ainda está ligada aos solventes, resinas poliéster e, apesar de ter vendido esse negócio, ao PET. As mudanças foram rápidas demais para assimilar?

Fortes – Queremos nos distanciar dessa imagem antiga. Estamos construindo a nova Eastman, uma indústria química diversificada que está muito perto de se definir como empresa de especialidades químicas. O PET foi uma parte importante dos nossos negócios, tivemos uma fábrica em Zárate (Argentina). Chegamos a desenvolver uma tecnologia inovadora, mais eficiente, a Integrex, que foi usada em uma fábrica nossa inaugurada em 2007, nos Estados Unidos. Mesmo assim, era uma commodity, e a companhia preferiu sair desse tipo de produto e vendeu o negócio no final de 2010, com a conclusão no começo de 2011. Essa venda nos permitiu mudar a visão da companhia. Mantivemos a linha de solventes e de plásticos especiais, mas com um foco mais sofisticado. Compramos a Sterling, em 2011, uma empresa norte-americana que produz ácido acético e plastificantes especiais, produtos coerentes com o nosso portfólio. Também adquirimos a fabricante de semicondutores Dynaloy e a TetraVitae Bioscience, no mesmo ano.
QD – O que esses movimentos representaram para a companhia?
Fortes – As mudanças foram muito profundas. Tínhamos cerca de dez mil funcionários em todo o mundo e passamos a contar com um time de 13,5 mil colaboradores em cem países. Também ganhamos mais fábricas: eram 23, agora temos 44, com um portfólio de produtos muito maior. A distribuição geográfica do faturamento ficou mais ampla, menos concentrada na América do Norte. Em 2012, essa região representou 45% das vendas, com a região da Ásia (China, Sudeste Asiático e Oceania) com 28%, e mais 21% na área da Europa, Rússia e África. As Américas do Sul e Central só respondem com 6%, mas vão crescer. O faturamento global consolidado chegou a US$ 9,1 bilhões em 2012.
QD – Atuar em especialidades exige algumas adaptações por parte de quem vem das commodities. A estrutura de negócios sofreu alterações?
Fortes – Ainda estamos digerindo a aquisição da Solutia, mas já encontramos muita complementariedade e sinergia entre as operações. Para começar, foram criadas cinco divisões de negócios, uma delas só para plastificantes e adesivos, dentro da qual se situam as atividades da Scandiflex, empresa com longo histórico de atuação com produtos especiais. Aliás, a Eastman é líder mundial em plastificantes não-ftálicos, um campo com grandes possibilidades de crescimento.
QD – Quais são essas divisões de negócios? Como foram definidas?
Fortes – As cinco divisões foram implantadas no final do ano passado. São elas: aditivos e produtos funcionais (incluindo os polímeros de celulose); adesivos e plastificantes; materiais avançados (a exemplo do polivinil butiral e dos copolímeros de poliéster); fibras (acetatos tow e yarn); e fluidos especiais e intermediários (adoçantes sintéticos, fluidos hidráulicos e térmicos). Cada uma delas tem grandes possibilidades de desenvolvimento de negócios aqui no Brasil e em todo o mundo.
QD – Como vai a integração com os negócios da Solutia?
Fortes – É preciso ressaltar que a Solutia já estava atuando com uma boa estrutura e com resultados interessantes. Ressalto que a linha de produtos deles é quase toda complementar à da Eastman, com poucas sobreposições. Ficamos mais de um ano observando e estudando essas operações para não fazer modificações apressadas. Nossa primeira preocupação foi manter o relacionamento com os clientes e o volume de negócios, que está evoluindo bem. Mas percebemos que o portfólio da Solutia contém produtos não-convergentes, ou seja, muito diferentes entre si, tanto na composição química quanto nas aplicações. Porém, dentro da estrutura da Eastman, todos eles ganharam uma lógica de negócios muito forte, nenhum produto ficou “órfão”, mas se encaixou na estratégia global. Veja que passamos a contar com itens variados, desde os plastificantes até fluidos de troca térmica, a conhecida linha Therminol. Esperamos concluir a integração com a Solutia até meados de 2014, em escala global.
QD – Poliésteres continuam sendo um negócio importante?
Fortes – Sim, mas agora com mais opções. Antes das aquisições, tínhamos alguns itens, por exemplo, para a indústria automotiva, como plastificantes e ingredientes para fazer tintas para esse setor. Agora podemos oferecer agentes de vulcanização para borrachas e até filmes intercalares (PVB) e de aplicação externa para vidros, com função isolante térmica e antivandalismo. São os filmes Llumar e V-Kool, que também têm aplicações na construção civil. Fachadas envidraçadas com filmes de isolamento refletem a radiação solar, reduzindo muito o aquecimento interno. Com isso, pode-se reduzir o consumo de energia no sistema de condicionamento de ar. É uma solução sustentável. Também são da linha dos copoliésteres as resinas para a fabricação de mamadeiras infantis totalmente isentas de bisfenol-A (BPA), substância sob forte pressão internacional, já proibida em produtos para uso infantil em vários países. O policarbonato libera BPA quando aquecido. A Eastman desenvolveu o polímero Tritan, um copoliéster de alta resistência à temperatura, com desempenho muito próximo ao do policarbonato, e com excelente transparência.
QD – O Tritan é fabricado nos Estados Unidos, há possibilidade de produzi-lo por aqui?
Fortes – Não. A Eastman opera a unidade de Kingsport (Tennessee, EUA) totalmente verticalizada e integrada, em três vertentes: olefínicos, acéticos e poliésteres. O Tritan é sintetizado em um reator exclusivo, que é alimentado por correntes internas do site. Não dá para reproduzir essas condições em outros lugares. Até por causa disso é que não há contratipagem dele no mercado.
QD – A diversificação de produtos também se reflete na divisão do faturamento por diferentes mercados?
Fortes – Certamente. Os dois segmentos mais representativos da companhia, automobilístico e construção, respondem cada um por 15% das vendas globais. Atuar em vários segmentos de atividade econômica dá mais segurança para os negócios. Quando se analisam as divisões, algumas apresentam uma concentração maior. É o caso dos aditivos e dos produtos funcionais, dos quais 43% das vendas são direcionadas para o setor automotivo. Nos adesivos e plastificantes, 33% das vendas ficam com os produtos consumíveis, 26% em construção civil e 13% nos produtos duráveis.
QD – Como fica a atuação no Brasil, nesse cenário de mudanças?
Fortes – A presença da Eastman no Brasil ganhou enorme importância. Não tínhamos nenhuma produção aqui, agora temos duas plantas, todas no estado de São Paulo, uma da Solutia (Itupeva) e a da Scandiflex (Mauá), além de laboratórios. No momento, estamos acelerando alguns projetos da Solutia e aprimorando os serviços na Scandiflex. Ambas já tinham forte atuação no mercado local. Aliás, nosso estande na Feiplastic reuniu pela primeira vez no mesmo espaço as três grandes aquisições feitas pela Eastman: Solutia, Scandiflex e Sterling.
QD – A compra da Solutia foi uma decisão global, mas a da Scandiflex está mais ligada ao Brasil. Como foi essa negociação?
Fortes – Estávamos querendo ter uma estrutura de produção local e procurávamos uma oportunidade de compra. A Scandiflex foi uma das opções que analisamos e era favorável pela forte ligação com nosso portfólio mundial. A Eastman comprou também a Genovique, empresa de matriz europeia, mas com produção nos EUA, com grande atuação nos plastificantes especiais, especialmente os benzoatos. A Scandiflex desenvolveu linha ampla de plastificantes, dos tradicionais ftalatos, como DOP, DBP, DIBP, aos especiais, inclusive os poliméricos. Tinha uma boa estrutura e imagem perante os clientes. Também produz polióis para poliuretano e ésteres lubrificantes, com laboratório próprio para desenvolvimento de produtos. Foi uma boa aquisição. Aliás, continuamos a examinar novas oportunidades, aqui no Brasil e em outras regiões.
QD – Há planos de investimento nas fábricas locais?
Fortes – Todas elas estavam bem montadas. Veja a Scandiflex, que possui capacidade para 25 mil t/ano de produção. Não queremos ser produtores de larga escala, orientados a preço, como é típico em commodities. Nosso foco recai nas especialidades. Temos condições de criar soluções para resolver os problemas dos clientes, dentro dos limites econômicos, é claro. Estamos mais para ser uma butique do que um supermercado.
QD – O mercado aponta para esse tipo de atuação?
Fortes – Os plastificantes são insumos importantes em várias aplicações, em tintas, plásticos, borrachas e outros. Os itens mais conhecidos, os ftalatos, estão em trajetória declinante. No mundo, eles representavam cerca de 60% das vendas de plastificantes em 2005. Essa participação caiu para 30% em 2012. É verdade que o mercado total de plastificantes também caiu, mas não nessa proporção. Há muito espaço para produtos inovadores, cada vez mais sustentáveis. Nosso foco, na Scandiflex, são os plastificantes mais sustentáveis. Isso inclui usar insumos de origem natural renovável, como a mamona, derivados alcoolquímicos, ácido cítrico e outras substâncias.
QD – É fácil conseguir todos esses insumos no Brasil? Com custos adequados?
Fortes – Embora o Brasil seja rico em produtos de origem vegetal, nem sempre esses insumos estão disponíveis em preço e qualidade adequados. Felizmente, a Eastman possui uma estrutura logística mundial muito bem estruturada e isso nos garante os suprimentos necessários. Também importamos alguns plastificantes bem conhecidos, como o Eastman 168, um derivado tereftálico de uso amplo.
QD – As condições atuais são favoráveis à produção nacional?
Fortes – A produção química nacional está passando por dificuldades. Participamos dos trabalhos da Abiquim para a recuperação da competitividade setorial e estamos encontrando uma boa acolhida por parte do governo federal, em especial pelo BNDES, no sentido de eliminar gargalos que emperram o ambiente de negócios no país. O BNDES está liderando esse processo, contratou recentemente a consultoria internacional Bain & Co. para avaliar a situação e propor soluções. Mas é preciso fazer uma distinção: os produtores de commodities sofrem mais com a questão da matéria-prima, muito ligada ao petróleo, impostos, custo de energia e outros itens. Como atuamos em nichos de alta especialização, conseguimos ser competitivos, usamos matérias-primas alternativas e temos outro tipo de relacionamento com os clientes, menos dependente dos preços de venda. Sofremos também, mas de forma diferente.
QD – Qual será o papel do canal de distribuição nessa nova estrutura de negócios?
Fortes – A distribuição tem e terá uma grande importância nos nossos negócios, especialmente no Brasil. Tínhamos poucos distribuidores há alguns anos e fomos buscar outros por meio do EBDQuim [Encontro Brasileiro de Distribuição de Produtos Químicos e Petroquímicos, promovido pela Associquim]. Estamos nos reestruturando e certamente isso se refletirá no relacionamento com eles. No passado, nossa tendência era de concentrar negócios em poucos e grandes distribuidores. Verificamos que isso nem sempre proporciona os melhores resultados. Às vezes, alguns pequenos distribuidores fazem melhor o trabalho com nichos de mercado, incluindo a transferência de tecnologia para os clientes. Além disso, o modelo de negócios da Solutia era mais parecido com o de franchising. Vamos avaliar qual será a melhor alternativa para cada divisão de negócios.
QD – O avanço dos Estados Unidos com o shale gas pode impactar os planos de fabricação local?
Fortes – Não, porque estamos nos concentrando em produtos especiais. A proximidade com os clientes é fundamental. Mas o shale gas dará um forte aumento na competitividade dos produtos fabricados nos Estados Unidos, além de permitir a recuperação da economia norte-americana; isso estimulará os negócios em escala global. Também lá, como não estamos em commodities, o impacto para a companhia não será muito grande. Teremos algumas vantagens. Por exemplo: abandonamos os projetos para ampliação do uso da gaseificação de carvão para gerar químicos. Mas ainda usamos muito o carvão nos Estados Unidos. Aliás, a Eastman é muito ativa em programas de redução de consumo de energia, até recebemos o prêmio Energy Star em 2013, pelo segundo ano consecutivo, e temos metas muito ambiciosas nesse aspecto.
QD – O senhor se formou em engenharia elétrica. Como foi a migração para a indústria química?
Fortes – Trabalhei anteriormente durante dez anos na Xerox, na qual fui gerente de engenharia, com muita dedicação ao design de produtos. Isso me levou a lidar com todas as disciplinas da engenharia, especialmente no campo dos polímeros e sua transformação. Sempre tive um viés tecnológico muito forte, mas percebi que precisava complementar minha formação na área financeira, motivo pelo qual fiz um MBA na FEA/USP (com parceria na época com a Universidade Vanderbilt) e, depois, vários cursos na FGV nessa área. Quando saí de lá, montei uma empresa de consultoria e acabei sendo chamado pela Eastman para cuidar de novos investimentos, pois a companhia atuava na área de corporate ventures (compra de participações em outras empresas). Com a evolução e transformação da companhia, passei para a área operacional. Estou na companhia há onze anos.
QD – Como o senhor vê o atual momento da companhia?
Fortes – Estou muito animado com a possibilidade de crescimento e de enfrentar novos desafios. Aposto muito na chamada química verde. É um campo extraordinário para o Brasil e o governo está incentivando os esforços em inovação. Estamos recebendo várias consultas de clientes nesse sentido, comprovando o interesse por esses negócios. É estimulante.
QD – O patinho de borracha aparece frequentemente nas imagens relacionadas à companhia. Tem algum significado especial?
Fortes – O patinho representa uma aplicação dos plastificantes não-ftálicos, capazes de oferecer características importantes aos materiais, porém com alta segurança, a ponto de serem usados para fazer brinquedos infantis que podem ser mordidos e lambidos sem problemas. É a imagem da nova Eastman.
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