Energia – Mudanças estruturantes estimulam o setor

Perspectivas 2021 - Energia

Previsão de entrada em vigor de mudanças estruturantes estimula o setor elétrico - Energia - Perspectivas 2021 ©QD Foto: iStockPhotos

Previsão de entrada em vigor de mudanças estruturantes estimula o setor elétrico – Energia – Perspectivas 2021

O ano de 2021 tem ingredientes para ficar marcado como ponto de inflexão do setor de energia elétrica no país. Não pela esperança da sociedade de que um possível arrefecimento dos efeitos da pandemia se reflita numa recuperação ou início de alta no consumo de energia, que historicamente cresce 1,5% a cada ponto percentual de aumento do PIB.

A mudança de rumo para o setor tem a ver com pautas estruturantes que há anos são discutidas, postergadas e novamente prometidas, mas que sinalizam poder sair do papel ainda no primeiro semestre – a não ser que sejam de novo adiadas e decepcionem não apenas agentes do setor como os consumidores médios e grandes, boa parte deles do setor industrial, comércio e serviços.

A pauta mais esperada é o Projeto de Lei do Senado (PLS) 232/2016, o chamado projeto de modernização do setor elétrico. O ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque, anunciou no fim de janeiro que o PLS – aprovado pelo Senado em março de 2020 – será encaminhado à Câmara dos Deputados ainda em fevereiro para aprovação prevista até o fim do primeiro semestre.

Há vários pontos no projeto considerados transformadores no setor. De início, ele institui a programação para a abertura total para os consumidores ingressarem no mercado livre, inclusive os de baixa tensão e independentemente da carga. Com a sanção da lei, em 42 meses haverá a abertura total, com a possibilidade de portabilidade da conta de luz entre as distribuidoras. Atualmente, o mercado livre está limitado aos consumidores de média e alta tensão com demanda contratada superior a 1,5 MW por mês ou a 500 kW caso a energia seja de fonte renovável incentivada (e uma portaria em vigor também estabeleceu que o limite cairá para 1 MW e 500 kW para renovável mantido em 2022).

Um segundo ponto importante do PLS 232 é a chamada separação entre lastro e energia. O lastro é uma espécie de garantia exigida de contratação de capacidade de energia pelo MME e paga por geradores, distribuidores e consumidores. Na legislação atual, o lastro e a energia elétrica de fato gerada e consumida são negociados como se fossem um só produto, o que gera distorções e eleva o custo da energia e o preço final ao consumidor.

O lastro é pago pelos consumidores regulados, que são atendidos pelas distribuidoras, para viabilização de novos empreendimentos, na forma de cálculo do custo médio de produção de energia ao longo da vida útil do empreendimento negociado em leilão. Os consumidores livres não pagam pelo lastro, o que ajuda a sobrecarregar o custo para os demais. Pelo PLS, haverá contratação e negociação independentes de lastro, por meio de leilões específicos.

Outra mudança prevista no projeto será o compartilhamento, entre as distribuidoras, dos custos com a migração de consumidores para o mercado livre. Atualmente as companhias são obrigadas a contratar toda a energia elétrica para atendê-los, o que pode provocar sobrecontratação ou carteira de contratos mais caros. Para não onerar os consumidores regulados, será criado um encargo setorial para custear essa migração.

Menos subsídios – Apesar do provável novo encargo, o foco principal da modernização é reduzir subsídios que apenas em 2020 totalizaram R$ 22 bilhões. Um com dias contados é o desconto de 50% com as tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd) para as fontes incentivadas (solar, eólica, térmicas a biomassa e pequenas centrais hidrelétricas), que soma ao todo perto de R$ 4 bilhões ao ano. Esses subsídios são arcados por encargos nas tarifas repassados para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que em 2021 tem orçamento de R$ 24,1 bilhões.

O PLS considera que essas fontes não precisam mais de incentivo, pois seus custos caíram muito nos últimos anos. Assim, será estabelecido que esses descontos serão substituídos, em um período de um ano, por instrumento que valore os benefícios ambientais das fontes.

Esta mudança, aliás, sairá até antes do PLS passar a vigorar. Isso porque uma medida provisória, a MP 998/2020, aprovada em 4 de fevereiro pelo Senado, que altera algumas regras do setor e visa reduzir as tarifas de energia de consumidores da região Norte, estabeleceu entre outros pontos a queda paulatina dos subsídios às fontes renováveis.

A MP, aprovada poucos dias antes de caducar (o limite seria 9 de fevereiro), apenas mantém os subsídios para usinas geradoras existentes (solares, eólicas e de biomassa) e que tenham solicitado a outorga de operação até 12 meses após a publicação da MP (até o meio deste ano), desde que estas últimas comecem a gerar energia em até 48 meses após a autorização.

Nos cálculos do MME, com a retirada dos subsídios para as renováveis a CDE será reduzida em R$ 4 bilhões ao ano. Isso sem falar que esses descontos pelo uso do fio por essas usinas aumentam em mais de R$ 500 milhões/ano por conta da expansão acelerada principalmente de parques eólicos e solares no país.

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Dinheiro do P&D e do PEE – Outro ponto favorável para reduzir a pressão sobre as tarifas, contido na MP 998, foi a decisão de transferir, durante o período de 2021 a 2025, 30% dos recursos que as concessionárias de energia precisam repassar de suas receitas operacionais (1%) para aplicação em Programas de Eficiência Energética (PEE) e de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), em chamadas públicas para empresas ou em ações para populações de baixa renda (eficiência energética), cuja coordenação é da Aneel.

Embora essa nova destinação de parte dos recursos tenha causado muita polêmica entre empresas de eficiência energética e de P&D, que usufruem dessa verba para implantar seus projetos, a estimativa é a de que sejam destinados para a CDE por ano, até 2025, R$ 1,4 bilhão dessa receita das concessionárias. A ideia é usar esses novos recursos na conta para abater possíveis aumentos na tarifa provocados pelas perdas das distribuidoras durante a pandemia, quando o consumo de energia caiu.

Mas, além da receita anual, de imediato a MP também faz com que mais R$ 4 bilhões de recursos represados desses programas de P&D e eficiência energética sigam direto para a CDE. Isso porque, em favor da modicidade tarifária, a medida provisória orienta o uso na conta de todos os recursos não comprometidos com projetos contratados até 1º de setembro de 2020 e os relativos a projetos reprovados ou cuja execução não tenha sido comprovada.

Previsão de entrada em vigor de mudanças estruturantes estimula o setor elétrico - Energia - Perspectivas 2021 ©QD Foto: iStockPhotosPara Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), a aprovação da MP 998 foi importante porque serve como transição de alguns pontos previstos no marco regulatório, principalmente o que abrange a retirada dos descontos no fio para as energias renováveis, que há muitos anos não precisam mais ser subsidiadas em razão da queda no custo das fontes (a solar caiu 90% nas últimas duas décadas e a eólica 46% em dez anos).

Para Pedrosa, também é positiva a entrada de parte de recursos de P&D e dos programas de eficiência, que na verdade têm origem na receita das tarifas pagas pelos consumidores. As duas ações devem diminuir a pressão sobre as tarifas em 2021, já que pela previsão da Aneel as cotas da CDE que serão repassadas pelos consumidores chegarão a R$ 19,8 bilhões neste ano, de orçamento total de R$ 24,1 bilhões, sendo que apenas R$ 5 bilhões apenas para subsidiar as renováveis em 2021.

Para se ter ideia dos custos embutidos nas tarifas, um cálculo atualizado da Abrace, apresentado por Pedrosa em coletiva virtual com a imprensa em 4 de fevereiro, mostra que os consumidores estão pagando R$ 80/MWh em CDE e ESS (Encargos dos Serviços dos Sistemas), o equivalente ao preço de contratação de energia solar e eólica em leilões regulados. A indústria, no caso, sofre os maiores impactos dessas despesas, pois elas são pagas proporcionalmente à energia consumida.

Apesar do lado positivo da MP de tentar reduzir os subsídios e diminuir a CDE, Pedrosa também identificou um “pacote de maldades” embutido em seu texto, principalmente ações para reduzir tarifas das distribuidoras recém-privatizadas na região Norte, que obtiveram empréstimos na época de transição para cobrir a operação temporária por empresas da Eletrobras entre 2015 e 2018. Estava prevista a cobrança nas tarifas dos consumidores para amortizar esses empréstimos, mas isso foi cancelado.

Além disso, está prevista a redução de cobrança de encargos nas tarifas da região Norte para compor a Conta de Consumo de Combustíveis, cobrada nacionalmente para manter usinas térmicas fora da ordem de mérito, acionadas quando há necessidade. Com todas as medidas propostas, os estados nortistas terão impactos tarifários amenizados. “São subsídios enormes, que serão arcados pelo resto do país, principalmente pelos grandes consumidores industriais”, disse Pedrosa.

Riscos – Mesmo com as perspectivas de mudanças na estrutura do setor em 2021, que podem gerar alívio nas tarifas no médio ou longo prazo, o cenário de mais curto prazo, embora não sinalize risco de abastecimento, é apontado como de risco para reajustes tarifários, segundo alertado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, em reunião de sua diretoria no começo de fevereiro.

Há uma conjuntura de fatores para embasar o alerta da Aneel. Para começar, o cenário hidrológico, que demonstra úmido não muito bom e com previsões de seca, o que deve provocar mais acionamento de térmicas fora da ordem de mérito, mais caras e que elevam o valor da tarifa. O cenário induz ao risco de se atingir bandeiras tarifárias mais caras (a vermelha patamar 1 tem acréscimo de R$ 4,169 para cada 100 kWh e a patamar 2, de R$ 6,243) durante o ano.

Até fevereiro, a bandeira se manteve amarela, igual à do primeiro mês do ano, e que corresponde a uma cobrança de R$ 1,343 para cada 100 kWh consumidos. Segundo informado pela Aneel quando anunciada a repetição da bandeira, apesar de fevereiro ser mês tipicamente úmido nas principais bacias do SIN, os reservatórios têm apresentado recuperação lenta do armazenamento em razão das chuvas abaixo do padrão histórico para o período.

Por conta da pandemia, a adoção das bandeiras tinham sido supensas em 2020, o que foi revogado em dezembro por conta do baixo nível dos reservatórios, que provocam o acionamento das térmicas mais caras.

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Segundo disse o presidente da PSR, Luiz Barroso, durante evento on-line do BTG Pactual, o cenário hidrológico deve gerar mais atenção para o consumo, com vulnerabilidade e aumento dos preços do mercado atacadista no ano. Apesar disso, os modelos estatísticos da PSR não identificaram risco físico de racionamento em 2021 e provavelmente, apesar de Barroso entender que as bandeiras tarifárias vão requerer mais atenção por conta do maior acionamento de térmicas, não será necessária a tarifação vermelha.

Previsão de entrada em vigor de mudanças estruturantes estimula o setor elétrico - Energia - Perspectivas 2021 ©QD Foto: iStockPhotosMas para a Aneel outro fato importante de pressão é o aumento das tarifas de transmissão. Segundo o diretor da agência, André Pepitone, a receita anual permitida para transmissão para o ciclo 2020/2021 subiu de R$ 27,6 bilhões para R$ 34 bilhões, um aumento médio de 4% para as distribuidoras. Isso teria ocorrido por conta da entrada de novas linhas de transmissão e por causa da derrubada de ações judiciais que atualizavam indenizações por ativos de transmissão não-amortizados.

O diretor também apontou que pesarão na tarifa o aumento do dólar, por conta da correção da energia de Itaipu nessa moeda, aumentando o custo de geração. Outro ponto que pode influenciar a tarifa é o fato de a usina hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, de 11,2 GW, ter sido obrigada pelo Ibama, por questões ambientais (proteção da vida aquática e das populações ribeirinhas), a aumentar sua vazão para o Rio Xingu no começo de fevereiro e possivelmente em outras épocas. Isso afeta a geração de energia da usina e, no caso de fevereiro, justamente em período de abundância hidrológica. Com isso, a usina perde de imediato 6.500 MW médios de produção, o que tem força de afetar as tarifas no país.

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