Energia: Indústria brasileira pede nova política para o gás natural

Química e Derivados, Fiesp promoveu workshop para discutir cadeia de suprimento do gás
Fiesp promoveu workshop para discutir cadeia de suprimento do gás

O atual Plano de Negócios e Gestão da Petrobras pretende arrecadar US$ 19,5 bilhões com a venda de ativos e parcerias entre 2017 e 2018. A estatal, que detém participação em todos os dutos de escoamento offshore, responsável por 95% da oferta total de gás natural do mercado brasileiro, pretende negociar subsidiárias de distribuição, transporte de gás natural além de campos de produção onshore (perfuração em terra), dentro da nova política a ser implementada pelo governo federal. A Abegas – associação que reúne as distribuidoras de gás canalizado do país – revela que o total estimado de investimentos no Brasil até 2030 para o setor de gás natural é de aproximadamente US$ 27 bilhões, sem considerar a área de E&P (exploração e produção).

Para discutir propostas de reestruturação da cadeia de suprimento de gás natural e a regulação vigente, foi realizado no dia 31 de outubro um workshop sobre o tema na sede da Fiesp, em São Paulo, reunindo representantes do governo e da iniciativa privada. O foco do debate foi a apreciação das propostas e diretrizes do programa Gás para Crescer, principal aposta do governo Michel Temer para o setor.

O Ministério de Minas e Energia colocou em consulta pública, no dia 3 de outubro, o documento “Diretrizes estratégicas para o desenho de novo mercado de gás natural no Brasil”, desenvolvido em parceria com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Agencia Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Após essa consulta (encerrada no dia 7 de novembro), será redigida uma nova resolução para ser encaminhada ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), provavelmente até dezembro, para a elaboração da nova política para o mercado de gás natural do País.

Química e Derivados, Coelho: malha de dutos não é suficiente para suprir mercado
Coelho: malha de dutos não é suficiente para suprir mercado

Diversificação na oferta – O coordenador geral de Acompanhamento, Desenvolvimento de Mercado e Produção da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, Matheus Batista Bodnar, abriu o seminário apresentando um resumo da participação da Petrobras na cadeia do gás natural. Segundo ele, a estatal controla todas as unidades de regaseificação e terminais de GNL (gás natural liquefeito) existentes no país, sendo sócia de 20 das 27 distribuidoras, responsáveis por 52% do consumo de gás.

Mas, apesar dessa concentração, ou por causa dela, o mercado de gás pouco evoluiu nas duas últimas décadas. “O Ministério propõe uma estrutura que contemple a diversidade de agentes, liquidez, competitividade, acesso à informação e boas práticas de negócios. Por isso, instituiu a criação de um comitê, formado pelo governo e por agentes da indústria do gás, visando acompanhar a transição para o novo modelo, para que este seja implantado de forma gradual e segura, sem comprometer o funcionamento do setor e respeitando os contratos existentes,” disse.

Bodnar também elencou uma série de diretrizes estratégicas para que a adoção do novo modelo seja exitosa, entre elas: a remoção de barreiras econômicas e regulatórias às atividades de exploração e produção de gás natural, instituição do Sistema de Transporte de Gás Natural (STGN), instalações de armazenamento e estocagem, harmonização da regulação estadual, revisão do relacionamento entre a indústria do gás natural e o setor elétrico e apoio às negociações para contratação de gás boliviano e/ou outras medidas. “O projeto Gás para Crescer é uma iniciativa meritória, mas tem um longo caminho a percorrer”, pondera o executivo do Ministério.

Ele acrescenta que entre as principais ações do governo para criação do novo mercado de gás natural estão a revisão do marco legal para atrair mais investimentos na exploração e produção de petróleo e gás, e a atuação junto aos Estados para aperfeiçoar a estrutura tributária.

José Mauro Ferreira Coelho, diretor de Petróleo, Gás e Biocombustíveis da EPE – Empresa de Pesquisa Energética, apresentou um panorama do mercado. Criada em 2004, a EPE é responsável por fazer projeções de oferta e demanda por gás natural. “O consumo de 2015 atingiu média de 99 milhões de metros cúbicos de gás/dia, sendo que grande parte foi destinada à geração elétrica (46,5%) e à industria (44,2%). O consumo residencial responde apenas por 1%”, relatou Ferreira Coelho. Segundo ele, a indústria química foi responsável por 22% do consumo de gás no setor produtivo, seguida da cerâmica (13%), ferro gusa e aço (12%), alimentos e bebidas (8%), papel e celulose (8%) e mineração (7%). Os 30% restantes são consumidos por indústrias metalúrgica, têxtil, ferro-ligas entre outras. No consumo regional, 62% está no Sudeste, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo.O gás natural representa apenas 14% da matriz energética brasileira, todavia a oferta cresceu 100% no Brasil a partir da última década, com a Petrobrás respondendo por 80% da produção, mantendo concentração tanto na demanda quanto na oferta de gás natural.

O diretor da EPE informou que a infraestrutura de gás natural atual e prevista no Brasil é composta por 15 polos de processamento (96 MM m3/dia); três terminais de GNL existentes (41 MM m³/d) nas cidades de Pecém-CE; Candeias-BA e na Baía de Guanabara (Rio de Janeiro), além de três terminais de GNL previstos (42 MM m³/dia) nas cidades de Suape-PE, Atalaia-SE e Uruguaiana-RS; 9.409 km de Gasodutos de Transporte, com a malha concentrada na costa brasileira, e 187 pontos de entrega.

Ele considerou que o mercado é pouco dinâmico devido à falta de redes de transporte, consideradas insuficiente para o tamanho do País. “Enquanto no Brasil a malha é de apenas 9,4 km, na Argentina chega a 30 mil km, e nos Estados Unidos, a 547 mil km”. Ferreira Coelho alertou que a indústria de gás natural no mundo passa por mudanças: “Nos EUA, temos a participação do shale gas) – tecnologia nova que retira gás a baixas profundidades, permitindo a perfuração de vários poços e. com isso, barateando os custos de produção. Em 2015, os EUA produziram 45 bilhões de m³/dia”, exemplificou, acrescentando que a penetração de energias renováveis como solar e eólica tende a aumentar sua participação no setor, bem como a maior necessidade de termelétricas, preferencialmente a gás natural, que dará mais flexibilidade às energias renováveis.

Setor produtivo – Para os empresários que participaram do encontro, existe um descompasso entre planejamento e execução de políticas para o setor de gás no Brasil. Eles esperam que a nova política promova incentivos à entrada de pequenos e médios produtores na exploração e produção gás natural onshore. “Com a geração de energia das termelétricas operando em capacidade máxima, desde o início da estiagem que atinge o Sudeste, o consumo de gás natural cresceu 16,3% em 2014, puxado principalmente pelo segmento das usinas. Temos gás para substituir o que se importa hoje da Bolívia. Se houver abertura para investimentos, a iniciativa privada está disposta a aumentar esta oferta”, observa Marco Tavares, sócio da Gas Energy Consultoria Internacional. O especialista diz que a indústria brasileira poderia consumir mais se tivesse acesso à capacidade de transporte de gás. “Parte dos gasodutos colocados à venda pela Petrobrás estão ociosos e possuem capacidade muito maior do que a declarada na ANP”.

Química e Derivados, Salomon: problema do gás está na tributação alta e desigual
Salomon: problema do gás está na tributação alta e desigual

O presidente da Abegás, Agusto Salomon, por sua vez, destacou a questão tributária como um dos principais desafios a serem enfrentados pelo governo com o novo projeto. “Esta questão precisa ser destravada, já que o gás da Bolívia é tributado 100% no Estado do Mato Grosso do Sul. Atualmente, o ICMS relativo ao transporte do GN é recolhido no estado de origem, porém alguns estados estão solicitando que uma parcela do imposto seja recolhida no destino. A proposta da Abegás é resolver o conflito de competência tributária por meio de alteração de Lei Complementar ou de Convênio (Confaz), definindo qual Estado faria a cobrança. Também poderia aplicar a regra de ICMS sobre bens importados, de 4% na saída do gás natural”, diz o dirigente, alertando que o contrato de fornecimento de 19 milhões de m³/dia de gás da Bolívia vencerá em 2019.

Carlos Cavalcanti, diretor do Deinfra-Fiesp e moderador do encontro, finalizou dizendo que o mercado de gás, cujo modelo atual “é muito ruim”, precisa de planejamento. “O Brasil é o 41º maior consumidor de gás natural do mundo, mas está longe da autossuficiência. É um absurdo que apenas 1% da população brasileira tenha acesso ao gás canalizado. Por outro lado, o consumo industrial hoje está no patamar de 2007. Por isso, a mudança do marco regulatório do gás é urgente e deve ser parte de uma política de desenvolvimento industrial brasileira. A nossa indústria precisa de preços, previsibilidade, garantia de qualidade e oferta de gás e a Petrobrás não atende esta demanda”.

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