Empresas – Solvay negocia compra da Rhodia
Estará aberta durante os meses de julho e agosto a proposta feita em abril pela companhia belga Solvay para comprar todas as ações da francesa Rhodia em poder de investidores por € 31,60 por unidade. Isso representará um desembolso de € 3,4 bilhões, a ser custeado pelo caixa da compradora, capitalizada pela venda de seus negócios farmacêuticos há dois anos por € 4,5 bilhões em dinheiro (fora as dívidas, assumidas pela Abott), que ainda sairá da operação com um caixa robusto. O acordo tomou por base o fluxo de caixa corrente (Rebitda) em 1º de abril, chegando ao valor final que equivale a 7,3 vezes o Rebitda.
Após completar a aquisição, a companhia deverá aguardar a autorização para a integração de operações por parte dos órgãos de defesa da concorrência na Europa e nos Estados Unidos, que devem ser concedidas até o final do ano. “Não esperamos surpresas, uma vez que os negócios são totalmente complementares, sem nenhuma superposição, ou seja, não haverá concentração em nenhum segmento atendido”, comentou Christian Jourquin, presidente do comitê executivo (CEO) da Solvay.
Ele esteve no Brasil em julho para divulgar a operação e tranquilizar os funcionários das subsidiárias de ambas as empresas, que mantêm atividades há décadas no país. “No âmbito das fábricas e da comercialização dos produtos não haverá demissões”, tranquilizou. Apenas na área administrativa pode haver cortes, bastante seletivos. Concluída a aquisição, o atual presidente da Rhodia, Jean-Pierre Clamadieu, assumirá o cargo de vice-CEO da Solvay, para facilitar a integração dos negócios. Há previsão de que ele venha a suceder ao atual CEO da Solvay, Christian Jourquin, quando este se aposentar, em 2012.
Jourquin explicou a estratégia da Solvay. Ao ver instalada a crise financeira de 2008, a companhia iniciou um profundo estudo de sua posição de mercado. Verificou-se que ela dependia demais da atividade farmacêutica, geradora de 75% de seus resultados.
No entanto, essa divisão tinha um futuro preocupante. “O mercado farmacêutico está em fase de mudanças, com o crescimento dos genéricos (chineses e indianos) e as dificuldades para lançar novas moléculas”, comentou. Sem ter uma fila de moléculas promissoras para lançar (pipeline) e por não ter conseguido aprovar uma das mais interessantes, a lucratividade futura da divisão estava ameaçada. Ao mesmo tempo, as áreas de química e de plásticos acumulavam projetos de investimento, porém não tinham recursos para tocá-los.
“Chegamos a um ponto em que ou vendíamos a parte química e de plásticos para comprar uma farmacêutica média e complementar, ou vendíamos a área farmacêutica para investir nas demais”, resumiu Jourquin. O conselho de administração resolveu vender a farmacêutica.

Depois disso, foi feita uma profunda avaliação dos negócios remanescentes da Solvay. “Chegamos à conclusão de que nossa estrutura era centralizada, pesada e estávamos muito distanciados dos clientes”, explicou o CEO. O ano de 2009 foi consumido na reestruturação da companhia, seguindo os passos das empresas que conseguiram sair em melhor situação após a queda de 2008.
Só depois dessa reestruturação a Solvay passou a procurar uma companhia ideal para comprar. A meta era encontrar um nome forte nos países emergentes (Brics), ou seja, com possibilidade de rápido crescimento, em contraste com a forte ligação da Solvay com o mercado europeu. A “noiva perfeita” deveria também ter um portfólio de alta qualidade, com grande participação dos produtos de performance, sempre ocupando posições de liderança nos seus mercados de atuação. “A Rhodia atendia a todos esses critérios”, disse Jourquin, sem revelar o nome de outras duas companhias que também foram sondadas para negócios.
A Rhodia chamou a atenção por ter uma estrutura de administração leve e descentralizada, com faturamento de € 5,2 bilhões, 47% dos quais obtidos em países emergentes, que receberam 70% dos investimentos em ampliações. A companhia é líder mundial em poliamida 6.6 (plásticos de engenharia, fibra têxtil), em tensoativos especiais, derivados de fósforo e derivados de difenóis (como a vanilina), e também em formulações de terras raras e silício de alta dispersabilidade. “Cerca de 20% do fluxo de caixa de € 905 milhões é obtido com produtos com menos de cinco anos de vida”, salientou Jourquin.
Embora a Solvay se destaque com uma forte posição em commodities químicas, como soda cáustica, barrilha leve e cloreto de polivinila (PVC), Jourquin se esforça para enfatizar a forte participação de produtos inovadores e especialidades em seu portfólio. “O peróxido de hidrogênio nos volumes e contrações que operamos não pode ser considerado como uma commodity”, disse. “Temos também uma grande área de plásticos de engenharia com base nos fluorados, como o PVDF e o PTFE, além dos vinílicos especiais, como o PVDC.” Tanto assim que a companhia forneceu insumos para a produção de seis mil peças e partes do Solar Impulse, avião movido pela energia solar que fez um voo de 26 horas contínuas em julho de 2010. O investimento em fluorpolímeros foi feito com os recursos da venda da área de polietileno de alta densidade para a Montedison. Na área química, a Solvay também se destaca em algumas especialidades, como os pigmentos para displays, muito consumidos na Ásia, onde está o centro de decisões químicas do grupo.
Do ponto de vista do mercado, a Rhodia era uma sobrevivente do antigo grupo Rhône-Poulenc, do qual foram separadas as unidades ligadas às tais “ciências da vida”: farmacêuticos, agroquímicos, veterinários e outros. Depois de alguns anos no vermelho e após uma profunda revisão de negócios, ela voltou a apresentar lucros, mas ainda despertava desconfiança por parte dos analistas de mercado. Isso porque a Rhodia permaneceu na parte mais perigosa dos negócios químicos, as especialidades, sujeitas ao aperto dos custos de insumos e às pressões da concorrência e dos clientes.
Ao final, a aquisição pela Solvay foi um alento para as equipes da companhia francesa, pelo fato de representarem atividades totalmente complementares umas às outras. Jourquin disse que a geração de sinergias – previstas para serem obtidas em três anos depois de completada a integração – deve chegar a € 250 milhões. “Os projetos de investimento da Rhodia estão mantidos em seu ritmo normal”, garantiu o CEO.
Na América do Sul – Em âmbito global, será formada uma companhia com € 12,8 bilhões em vendas, pois o faturamento da Solvay é € 800 milhões superior ao da Rhodia. No Brasil, a posição da adquirida era maior e mais diversificada que a da compradora. “É preciso considerar que a Solvay conta com uma operação grande na Argentina, país em que a Rhodia praticamente não atua”, considerou Paulo Schirch, diretor regional da Solvay.
Ele também informou que os investimentos regionais em PVC foram mantidos nos últimos cinco anos. “Dentro do Projeto Colombo, a unidade de Santo André-SP foi ampliada, tanto na parte de eletricidade quanto na instalação de novas autoclaves”, afirmou. “E faremos a segunda fase da ampliação desse sítio.” Na Argentina, o foco dos investimentos recaiu na geração de eletricidade. Schirch ressaltou que as operações de MVC e PVC entre Brasil e Argentina são complementares, sendo as diferenças de produção entre monômeros e polímeros decorrentes de ajustes de plantas.
Um ponto forte do grupo Solvay é a integração de seus processos. “Só compramos de terceiros o carvão, a eletricidade e o etileno”, afirmou Jourquin. A companhia conta com suprimentos próprios de sal, cal e flúor. No caso do etileno, a Solvay busca consorciar-se com algum produtor próximo às suas instalações. Na Rússia, por exemplo, tem um sócio produtor da olefina. Na Ásia, um dos sócios locais possui garantia de suprimento. “Só na América Latina não temos participação em consórcios de produção de etileno”, disse Jourquin. Mas há contratos firmes de suprimento a longo prazo.
O projeto para produzir etileno obtido de etanol em Santo André-SP, que já tinha até um contrato de suprimento assinado com a Copersucar, voltou ao estágio dos estudos de viabilidade econômica, primeiro pela eclosão de crise mundial e, mais recentemente, pela escassez do álcool no Brasil, que elevou seus preços. “Essa situação é atípica, mas precisamos acompanhá-la, porque nesses patamares o projeto é inviável”, avaliou Schirch.
Jourquin comentou que tanto a Solvay quanto a Rhodia possuem projetos para usar o etanol como matéria-prima. “Trata-se de um recurso importante, mas é preciso enxergar as tecnologias futuras para fazer a química verde; o álcool deve originar uma longa série de produtos”, ponderou. Ele citou o caso da epicloridrina, tradicionalmente feita com propileno e cloro elementar, rota que está sendo substituída pela reação entre glicerina e ácido clorídrico, mais segura e econômica. Isso porque o preço do propileno está em alta, com falta de suprimento mundial. “Temos uma unidade para 50 mil t/ano na Europa e estamos construindo outras duas, para 100 mil t/ano cada, na Tailândia e na China, para partida em 2012”, informou.
Ele acredita que até 2050 cerca de 20% das matérias-primas usadas atualmente serão substituídas por itens de origem natural, conforme relatório da consultoria McKinsey. “Precisamos estar preparados, o foco é a química verde e não apenas o etanol”, afirmou.
A integração entre as duas companhias deverá seguir um ritmo prudente, dependente de avaliações constantes. Jourquin salienta que ambas valorizam aspectos culturais semelhantes, com grande respeito pelos recursos humanos e foco em pesquisa e desenvolvimento. “Queremos somar os pontos fortes de cada uma para formar uma combinação química estável”, brincou o executivo.
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