Emissões industriais caem, mas problemas persistem

Emissões industriais caem, mas persistem áreas com problemas – Meio Ambiente

Química e Derivados - Emissões industriais caem, mas persistem áreas com problemas - Meio Ambiente ©QD Foto: iStockPhotoA pandemia criou dois cenários distintos para o controle de emissões atmosféricas. Em primeiro lugar, as restrições à mobilidade urbana com a política de isolamento social e a queda na produção industrial e de praticamente todos os setores da economia resultaram em melhora na qualidade do ar das cidades. Mas, por outro lado, as restrições também afetaram as fiscalizações e o controle de emissões das fontes fixas, as indústrias, já que os órgãos ambientais estão com suas ações limitadas para ajudar no combate ao avanço do vírus da Covid-19.

Um exemplo dessa situação ocorre em São Paulo. As indústrias que precisam fazer suas renovações de licença ambiental de operação foram dispensadas da apresentação presencial de documentos e autodiagnósticos, procedimento adotado em tempos normais. “A Cetesb entendeu que não é hora de sair multando as empresas e de fazer exigências severas, tanto que está prolongando as licenças de forma automática”, disse Nelson Pereira dos Reis, o presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos para Fins Industriais e da Petroquímica no Estado de São Paulo (Sinproquim).

Essa atitude mais tolerante com a indústria, para Reis, ocorria mesmo antes da pandemia. “Com exceção da judicialização que houve para frear os aumentos abusivos nas taxas de licenciamento e outros serviços do órgão ambiental, a relação a agência não é conflituosa”, disse. Segundo ele, essa postura também tem a ver com o fato de que, já há alguns anos, a indústria deixou de ser a vilã da poluição atmosférica, perdendo o posto para as fontes móveis – carros, caminhões e ônibus –, as principais causadoras dos índices fora dos padrões das legislações.

Química e Derivados - Sogabe: Prefe permite criar plano específico para setores ©QD Foto: Divulgação

Sogabe: Prefe permite criar plano específico para setores

De fato, segundo a própria Cetesb, as emissões veiculares desempenham papel de destaque nos níveis de poluição do ar dos grandes centros urbanos. Mas, para o órgão, as emissões industriais continuam a afetar a qualidade do ar em regiões mais específicas no estado, por exemplo na região de Santa Gertrudes, onde há polo ceramista, ou em Cubatão, região de indústria pesada, de siderurgia a fertilizantes. “As emissões da indústria vêm caindo ao longo dos anos, mas ainda há problemas nessas regiões, com a ressalva de que eles estão sendo enfrentados com planejamento”, afirmou Milton Norio Sogabe, do setor de projetos especiais da Cetesb e com larga experiência na área de controle ambiental.

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Dados – Esse cenário fica claro com o acompanhamento que o órgão ambiental paulista faz da qualidade do ar, com o controle dos principais poluentes, por meio de 62 estações automáticas fixas, duas estações automáticas móveis e 23 pontos de monitoramento manual, todos distribuídos estrategicamente no estado. Além de boletins diários e on-line disponíveis ao público no site da companhia, ao fim de cada ano é elaborado extenso relatório com os principais resultados.

Segundo o levantamento, em partículas inaláveis, na região metropolitana de São Paulo, em 2019, não houve ultrapassagens do padrão de qualidade do ar de curto prazo (120 µg/m3) em nenhuma das estações, mas houve em regiões no interior do estado, por exemplo em Santa Gertrudes, onde há o polo ceramista cujo processo com argila é crítico, ou em Jaboticabal e Ribeirão Preto, de forte presença da indústria de etanol e açúcar. Também na Baixada Santista, houve ultrapassagens na muito industrializada Cubatão. O padrão anual de partículas (40 mg/m3) foi ultrapassado nas estações de Cubatão e Santa Gertrudes, sendo que na região metropolitana isso aconteceu apenas em Osasco.

Uma preocupação grande do controle realizado em São Paulo é com o ozônio troposférico, poluente formado por reações fotoquímicas, a partir de precursores como os hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio (NOx) emitidos por processos de combustão industriais e veiculares. E no controle do ozônio – oxidante que além de atacar as vias respiratórias em humanos também é tóxico a espécies vegetais nativas ou culturas agrícolas – percebe-se que os focos estão principalmente na RMSP e nos polos industriais.

Com controle realizado em 53 estações automáticas distribuídas em 12 regiões, na região metropolitana, onde há grande emissão dos precursores de ozônio por origem veicular, o padrão de oito horas, a 140 µg/m3, foi superado em 41 dias, atingindo em dois dias o nível de atenção, quando chega a 200 µg/m3. Em 2019, a gravidade foi maior no mês de outubro, quando há forte radiação solar e altas temperaturas. Da mesma forma, foram identificadas várias ultrapassagens em regiões industrializadas, desde Cubatão, Paulínia, Campinas, Piracicaba e outras que contam também com o agravante de ter na conta final os precursores emitidos por veículos. Vale ressaltar, porém, que as emissões de monóxido de carbono caem em todo o estado ao longo dos anos, por conta da renovação da frota veicular.

Cubatão e Santa Gertrudes – Com base no acompanhamento da qualidade do ar e pelo controle da Cetesb nas fontes poluidoras, o governo paulista elegeu como áreas críticas a região metropolitana da capital, cujo foco é o controle da poluição veicular, e as regiões de Cubatão e Santa Gertrudes, cuja preocupação são as fontes fixas, ou seja, as indústrias.

Em Cubatão, segundo a análise das medições das estações, as altas concentrações de poluentes, preocupantes, se notam exclusivamente na área industrial. Nas áreas residenciais e comerciais da cidade da Baixada Santista, o nível de poluentes é similar ao de áreas periféricas da RMSP, com violações dos padrões apenas em alguns dias do ano e focadas no ozônio. Já nas áreas industriais, principalmente na Vila Parisi, o que preocupa os técnicos da Cetesb são as altas concentrações de material particulado.

O percebido hoje em Cubatão não é o mesmo da época em que a cidade era sinônimo de poluição, na década de 70 e começo dos anos 80, até ser palco de um plano implementado em 1984 que resultou numa queda significativa nos poluentes nos anos seguintes. Mas, pelos registros da Cetesb, a situação na cidade ainda se mantém acima dos padrões de qualidade do ar, com estabilidade nos últimos três anos apenas por conta de condições meteorológicas mais favoráveis e por paralisação de processos em algumas indústrias locais.

Na região de Santa Gertrudes, a alta concentração da atividade ceramista para fabricar pisos e porcelanatos a partir da argila é considerada muito crítica para a qualidade do ar. No caso, há emissões fugitivas de material particulado por conta da extração, o beneficiamento e o transporte da matéria-prima. O problema afeta, além e principalmente de Santa Gertrudes, os municípios de Cordeirópolis, Rio Claro, Ipeúna, Limeira e Piracicaba, todos com alto índice de partículas inaláveis.

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Plano – Para combater esses focos de poluição industrial, o governo paulista conta com o Plano de Redução de Emissão de Fontes Estacionárias (Prefe), lançado em 2014 e em fase de implantação em oito setores: refinaria e calcinação de coque, vidro, automobilística, papel e celulose, siderurgia e metalurgia, fertilizantes, química e petroquímica, e fontes de combustão.

No caso específico das duas regiões mais críticas, Santa Gertrudes e Cubatão, esse planejamento via Prefe é a base para o estabelecimento de metas e de manutenção de conquistas já obtidas ao longo dos últimos anos. Foi criado, por exemplo, no escopo do Prefe, um plano específico para o setor de indústrias de pisos cerâmicos e de mineração de argila que envolve Santa Gertrudes, Rio Claro, Ipeúna e Cordeirópolis, além de empresas do setor em Limeira e Piracicaba.

Foram desenvolvidas pela Cetesb ações obrigatórias para as empresas fiscalizadas na região que envolvem todas as etapas responsáveis pelas emissões de particulados. As medidas precisam ser implementadas nas áreas de secagem e de mineração da argila, de armazenamento e transporte, de transferência e beneficiamento, e nos pátios de carga e descarga.

Com as medidas já implementadas, por exemplo, foram eliminados vários pátios de secagem que geravam particulados em áreas próximas a núcleos urbanos e criadas as chamadas “cortinas vegetais”, com plantação de jardins e árvores, em áreas de mineração, para evitar o espalhamento dos particulados.

Além disso, as indústrias da região foram obrigadas a implantar sistemas de controle de emissão de fluoretos em fornos, a desenvolver cobertura para caminhões transportadores de argila, a armazenar a argila em galpões fechados e a implantar equipamentos de controle nas áreas de moagem, peneiramento e prensagem de argila nas indústrias. De acordo com Milton Norio Sogabe, todas essas ações estão começando a surtir o efeito esperado na região, que mesmo assim ainda é considerada crítica.

Melhores práticas – O Prefe foi estabelecido por força do decreto estadual 59.113/2013 que, além de estabelecer novos padrões de qualidade do ar, também determinou que o estado criasse um Plano de Controle de Poluição Veicular (PCPV). Após ser implementado por outro decreto (o 289/2014), o plano para a indústria passou a criar estratégias e ações para sete regiões do estado consideradas prioritárias: São Paulo, Jundiaí, Paulínia, São José dos Campos, Cubatão, Santa Gertrudes e Piracicaba, que englobam 95 municípios ao todo. Além disso, ao longo de sua adoção, a coordenação do plano selecionou cinco empresas da área de refinaria e coque, sete da indústria de vidro, 16 do setor automobilístico, quatro de papel e celulose, 18 de siderurgia e metalurgia, seis de fertilizantes, 37 da química e petroquímica, e 20 consideradas fontes de combustão.

Um fruto interessante do plano estadual, também uma determinação do decreto 59.113, foi o desenvolvimento de referência técnica para as empresas adotarem a melhor tecnologia prática disponível, a chamada MTPD, para auxiliar os setores produtivos no controle de poluentes. Com isso, a Cetesb lançou em 2017 o guia orientativo para os nove setores abrangidos pelo Prefe.

No caso das recomendações para o setor químico, a primeira delas é que as empresas tenham um sistema de gestão ambiental, o que ocorre na maioria das indústrias nacionais, signatárias do programa Atuação Responsável, da Abiquim, adotado desde 1991 no país. Aliás, esse envolvimento, segundo o coordenador da comissão técnica de meio ambiente da Abiquim, Mauro Machado Júnior, fez a indústria química nacional avançar bastante no controle das emissões fugitivas, com reduções significativas em todo o país. Segundo ele, pontos de atenção recentes são emissões de NOx e de precursores de ozônio. “A indústria tem, por exemplo, investido em instalação de queimadores low NOx em equipamentos térmicos, controlado de oxigênio na combustão e adotado programas de monitoramento e controle de emissões fugitivas”, declarou.

A tendência de combater os precursores de ozônio faz parte também das recomendações iniciais do guia MTPD. São sugeridas várias técnicas para o setor químico evitar ou reduzir as emissões difusas de partículas e evaporativas de componentes orgânicos voláteis (COVs) e de hidrocarbonetos líquidos voláteis em etapas de armazenamento, manuseio e transporte de materiais.

Entre as sugestões de melhor tecnologia, são recomendados tanques especiais, com selagens de alta eficiência e com sistemas de recuperação de vapores. Além disso, a publicação aconselha em inspeções internas dos tanques que os reservatórios sejam esvaziados, limpos e desgaseificados, e que se utilize sistema de drenagem fechada ou selada, com remoção do material coletado por sistema a vácuo.

Para o controle e minimização das emissões fugitivas, as melhores técnicas são o uso de separadores água-óleo e tanques fechados de recebimentos de águas oleosas e sistemas de exaustão quando necessário para evitar emissões de COVs. Outra recomendação é a de procurar operar e manter sem odor o sistema de tratamento de efluentes líquidos e de águas pluviais contaminadas, o que pode ser obtido por meio de programas de controle e manutenção periódicos dos tanques e lagoas.

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Já para controles de emissão de material particulado, o guia recomenda armazenamento de produtos dentro de edifícios ou silos, em áreas cobertas e com as laterais fechadas para proteção contra o vento, com sistema de exaustão e controle das emissões. Além disso, sugere a transferência por meio de correias transportadoras de forma fechada e providas de sistemas de exaustão e retenção de material particulado nos pontos de transferências. Recomendações semelhantes são feitas para o transporte de produtos, com preferência por designs fechados em equipamentos de descarga.

Uma terceira recomendação para as indústrias químicas e petroquímicas é se evitar as emissões para a atmosfera provenientes da queima em flare. A Cetesb considera melhor prática usar essa técnica apenas por motivos de segurança ou em condições operacionais que não sejam de rotina, por exemplo em partidas e paradas de unidades produtivas, e mesmo assim apenas seguindo requisitos de monitoramento de vazão, temperatura e concentração de gases, além de criteriosa avaliação da capacidade instalada do flare.

Dos carros – Pelo lado da poluição de fontes móveis, mais grave por atingir justamente as regiões de população adensada, a preocupação da Cetesb é a de que, mesmo com os programas federais que obrigam veículos e motocicletas a adotarem de forma gradativa tecnologias mais rigorosas de controle de emissões, o aumento da frota e os maiores congestionamentos acabem diminuindo esses avanços. O Programa de Controle de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) e o similar para motos, o Promot, estabelecem limites de emissão de poluentes desde a década de 80 e renovam sempre as exigências.

Química e Derivados - Aumento da frota de veículos piora a qualidade do ar nas cidades ©QD Foto: iStockPhoto
Aumento da frota de veículos piora a qualidade do ar nas cidades

Mesmo com esses receios, a expectativa futura do órgão ambiental é positiva, tendo em vista o uso crescente de combustíveis fósseis mais eficientes e biocombustíveis e os novos limites de emissão mais restritivos para as frotas de veículos novos e pesados a partir de 2022.

Para controlar o ozônio na região metropolitana de São Paulo, a Cetesb indica a necessidade de mais atenção com os compostos orgânicos voláteis (COVs) e óxidos de nitrogênio (NOx ), precursores principais da formação do poluente, e alerta que novas fases do Proconve vão incluir mais restrições para as emissões de NOx e COVs.

O agravante da poluição provocada pelos processos fotoquímicos, aliás, vai além do ozônio, já que eles geram também outros oxidantes que formam aerossóis secundários, capazes de entrar profundamente no sistema respiratório. A preocupação crescente com os poluentes atmosféricos fizeram até, em nível nacional, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) rever a Resolução 003/1990, com a Conama 491/2018, na qual houve redução significativa dos parâmetros de qualidade do ar, o que deve levar a impactos na regulação de emissões atmosféricas a médio prazo, na avaliação do coordenador da Abiquim, Mauro Machado Júnior.

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