Couros: Linhas de alta qualidade incluem química avançada

Dos 35 milhões de couros, esfolados no ano passado em frigoríficos e abatedouros, 13 milhões foram totalmente processados no Brasil e vendidos com alto valor agregado. A maior parcela de 22 milhões ganhou os portos do país, exportada na forma de wet blue ou wet brown, como são tecnicamente denominadas as peles curtidas em sais de cromo ou extratos de tanino respectivamente. A cada ano, cresce a preocupação da indústria de curtumes com a estética do couro combinada com a capacidade do produto final de gerar conforto seja num sapato, peça de vestuário ou nos estofados domésticos e automotivos, levando sempre em conta a problemática ambiental. Estima-se ainda que o mercado de acabamento do couro sozinho movimente R$ 100 milhões no país a cada ano, somente em produtos químicos.

O acabamento dos couros conta com cinco linhas de produtos: pigmentos e corantes, lacas, auxiliares, resinas e solventes aromáticos (estes últimos com os dias contados no mercado por causa de suas propriedades deletérias à saúde humana e ao meio ambiente). Os corantes entram na composição quando o objetivo é conferir vivacidade e transparência de superfície. Nesse caso, a pele é denominada couro-anilina, por ser apenas tingida, mantendo a característica original com as propriedades naturais. Serve às camurças e ao chamado couro de antílope, que desse animal só tem mesmo o nome. Não passa de couro de porco tingido em fulão.

Se a opção for por um acabamento com cobertura de defeitos, alta definição de cor, uniformidade e perda da aparência natural, o couro irá receber uma combinação de resinas e pigmentos aplicada com pistola. As resinas são poliuretânicas, acrílicas ou butadiênicas. A grande gama de polímeros poliuretânicos foi adicionada à indústria de curtumes por conferir maciez e alta resistência, combinadas à maior durabilidade. Há ainda uma linha intermediária combinando naturalidade com cobertura. Nesse caso, a formulação recebe uma mistura de pigmentos e corantes juntos.

Uma das etapas mais importantes no acabamento do couro é o toque e serve para conferir as resistências finais do material de acordo com a aplicação à qual estiver destinado. É quando o corante penetra em todas as camadas, conferindo aparência uniforme na totalidade da superfície. Existe ainda uma série de complementos e auxiliares como ceras, fillers, primers, reticulantes e niveladores.

Química e Derivados: Couros: Corrêia (esq) - competição derrubou preços. ©QD Foto - Fernando de Castro
Corrêia (esq) – competição derrubou preços.

A caseína é uma substância derivada do leite da vaca e quando formulada com o PU gera uma sobrevida para o couro se adequando também ao aspecto de alto brilho e ao mesmo tempo mantendo a naturalidade da pele.

Para oferecer as mais variadas opções de produtos, existem centenas de players no mercado, desde multinacionais com alto poder de investimento até grandes, médias e pequenas empresas nacionais, todas buscando qualidade num mercado cada vez mais exigente.

Como explica Juarez Alexandri Lacroix da unidade de negócios couro da Killing, empresa gaúcha do Vale dos Sinos, com tradição de 42 anos no mercado de insumos para curtumes, o acabamento do couro é absolutamente peculiar.

A formulação definitiva é determinada pelo químico do curtume na hora de finalizar a pele, obedecendo aos padrões definidos pelo fabricante do sapato, acessório, ou estofamento. Dessa forma, a indústria química precisa fornecer produtos diferenciados e em muitas ocasiões formulados com exclusividade e pré-prontos para que sofram as alterações necessárias.

“O químico do curtume vai olhando o couro e compondo. Não é como revestir uma parede em casa, que é só abrir a lata e sair pintando. Primeiro é preciso fazer a formulação correta”, ensina Lacroix. “A pintura final conferindo aparência fosca, semibrilhante, brilhante, só ocorre no acabamento, mas a cor vai sendo preparada desde o semi-acabamento com tingimento à base de corantes. Em certas ocasiões, a tonalidade desejada é alcançada com pigmentos metálicos”, revela o especialista.

Química e Derivados: Couros: Jacobus (centro) - tingimento começa no recurtimento. ©QD Foto - Fernando de Castro
Jacobus (centro) – tingimento começa no recurtimento.

Como explica Lacroix, o segmento químico do couro é muito movimentado com desenvolvimento de produtos permanente em conseqüência da aparência a ser definida nos couros ditada pela moda que é alterada a cada ano. Na Fimec 2004, realizada em abril na cidade gaúcha de Novo Hamburgo, a Killing apresentou um polímero de poliuretano fluorado para cobrir estofamentos altamente resistente a fricções a seco e molhado. “O tipo de pele produzida no Brasil é adequada a esse mercado que irá explodir nos próximos anos. A Killing fornece seus produtos em todo o Brasil e tem uma carteira de exportação bem consolidada em diversos países da América Latina”, disse Lacroix. Em sua opinião, uma das principais características do mercado de acabamento é o alto grau de especialização. A fábrica de tintas como um todo evoluiu muito em termos de tecnologia. Hoje uma unidade opera com baixíssima mão-de-obra e muita tecnologia de automação incorporada, resultando em produtos com formulações mais precisas definidas por programas de computador.

A Clariant, com plantas industriais no Rio de Janeiro e São Paulo, além de um laboratório em Novo Hamburgo, também lançou na mesma feira uma família de estucos, produtos cuja função é a mesma da massa plástica empregada no conserto de carros batidos, ou a massa corrida das paredes de alvenaria, isto é: nivelar a superfície e disfarçar defeitos, manchas, buracos dos couros empregados em estofamentos, sapatos, peças de vestuário e acessórios.

A Clariant desenvolve todas as variações de agentes químicos existentes no mercado de acabamento, mas está abandonando as soluções com solventes orgânicos, priorizando os de base água. Estima ocupar 12% do mercado nacional de químicos para couro. Detém ainda a tecnologia completa de produtos desde a ribeira, passando pelas etapas de curtimento e recurtimento. Conforme Luiz Carlos Jacobus, coordenador de acabamento da Clariant, dependendo da finalidade do couro, uma primeira camada de corante para tingimento pode ser feita já no recurtimento.

Defeitos provocados por lesões cutâneas, marcas de carrapatos, fendas, são problemas que os transformadores de couros não querem. Por outro lado, os criadores se negam a investir em confinamento, melhor higienização dos rebanhos e combate a parasitas. Conforme Evandro Kich, da área desenvolvimento técnico para finalização de couros da Basf, um especialista no assunto, nos últimos anos houve uma reclassificação do couro.

Química e Derivados: Couros: Lacroix - pele brasileira é boa para estofados. ©QD Foto - Fernando de Castro
Lacroix – pele brasileira é boa para estofados.

Antigamente a qualidade era definida pela numeração de 1 a 8, mas atualmente é de 1 a 4. Passaram a valer para efeito de qualificação as peles que iam de 5 a 8, o que fez o couro ficar nivelado por baixo, segundo Kich. Somente 10% das peles, acrescenta o técnico da Basf, têm a qualidade superior do critério antigo. Os 90% restantes são lixados para a retirada dos defeitos. Com isso, esses couros precisam passar por doses elevadas de corantes ou seu pintados com pistola. Conforme o tipo de resina a entrar na formulação o couro fica com aparência artificial e perde valor de mercado. Daí, revelou Kich, a opção de muitos estilistas pela utilização de couros sintéticos.

A Basf, assim como a Clariant, oferece produtos desde a ribeira, passando pelo curtimento, recurtimento, semi-acabamento e acabamento. A empresa está atenta às legislações ambientais e os produtos banidos de suas unidades na Europa foram retirados de fabricação em todas as suas filiais espalhadas pelos cinco continentes. Resinas com base água, mas contendo metais pesados, também passam por substituição. Outro produto que está proibido é o NMP, um solvente. Os produtos Basf já são livres de formol e de outros voláteis orgânicos (VOC).

Outra empresa direcionada ao acabamento do couro é a Kromática. A empresa com capital brasileiro e matriz em Portão-RS, representa marcas de corantes produzidos na Índia e complementa a oferta de produtos com as resinas, lacas, ceras, caseínas e pigmentos. Um dos sócios da empresa, Gustavo Corrêia, aponta uma tendência pela racionalização do uso dos corantes e credita à globalização da economia os méritos pela desconcentração do mercado anteriormente dominado por grandes grupos.

Graças a esse fenômeno, opinou Corrêia, o preço dos produtos em média caiu dos US$ 20 o quilo para US$ 6 em 15 anos, pois outros players chegaram ao mercado oferecendo alternativas de produtos. No momento, existe um boom de fabricantes e distribuidores. Somente em corantes o Brasil deve estar consumindo 500 toneladas por mês. Segundo Corrêia, muitos produtos evoluem na estrutura química. Aqueles com difícil modificação acabam sendo substituídos por novos compostos mais versáteis.

Com a valorização cada vez maior da etapa de acabamento, algumas empresas apostam neste nicho de mercado para priorizar suas estratégias de crescimento. É o caso da Corquímica, resultado da união de um grupo de ex-funcionários da filial brasileira da Stahl, organização com matriz na Holanda. A empresa opera principalmente com produtos para a última etapa do acabamento. São soluções para o sapato já pronto, no caso pastas e cremes usados na cobertura da porosidade e valorização do brilho. “Muitas vezes um lote de sapatos leva nove meses até chegar ao destino. É preciso formular produtos para a conservação do estoque”, assinalou Vanderlei Musso, um dos sócios da Corquímica.

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