Couro: Gaúchos criam central de resíduos industriais

Empresários se unem, investem cerca de R$ 1,5 milhão na construção de unidade receptora do lixo industrial das fábricas de calçados e curtumes, e evitam despejo mensal de 230 toneladas de resíduos nos aterros

Química e Derivados: Couro: ©QD - Carlos A. Silva. A parceria da Prefeitura Municipal de Três Coroas com o Sindicato da Indústria de Calçados originou o Centro Informatizado de Controle e Estocagem de Resíduos Sólidos, no vale do Paranhana, região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Inaugurado em setembro, o sistema exigiu R$ 1,5 milhão investidos na Central de Triagem, com capacidade para armazenar 230 toneladas de lixo industrial geradas mensalmente pelas fábricas de calçados e curtumes. Do total investido, o sindicato entrou com R$ 600 mil e terá de gastar R$ 190mil/ano com a operação do sistema, custo que será rateado entre as empresas associadas à entidade. “Nós temos a obrigação de cuidar do meio ambiente”, afirma Ricardo Schmitt Müller, presidente do sindicato.

Com a inauguração do centro de controle, resíduos tóxicos como o cromo deixam de ser despejados no aterro sanitário da cidade. “A população inalava aquele ar sujo, fruto da queima desses materiais. Os rios Paranhana, Sinos e Guaíba também sofriam muito com o impacto da poluição”, assinala Müller.

Inconformados com o problema, os empresários vinham estocando os detritos em galpões alugados desde 1996.

Química e Derivados: Couro: Para Müller cuidar do ambiente é obrigatório.
Para Müller cuidar do ambiente é obrigatório.

Assim que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) liberou a licença para a operação, dez mil toneladas de lixo industrial foram despejadas na Central, com capacidade para receber os resíduos gerados nos próximos dez anos. Os resíduos saem das empresas já separados, embalados e identificados por código de barras, que os classifica por tipo, periculosidade, peso, data e origem. Quando as indústrias terceirizam parte de sua produção, mesmo para fornecedores sediados em outros municípios, estes entregam seus resíduos junto com o produto. O material não reciclável é depositado no aterro de resíduos industriais perigosos (ARIP), ao abrigo da chuva, em quatro valas diferentes para permitir a localização quando a ciência e a tecnologia viabilizarem seu uso como matéria-prima. A área de 5,5 hectares tem nove poços e um lago para monitoramento permanente das águas subterrâneas e superficiais.

O volume destinado à reciclagem é crescente. Em 97, apenas três das 68 categorias de rejeitos encontravam colocação. Neste ano, já são dez. Bom exemplo é a exportação de aparas de couro curtido ao tanino para a empresa alemã Henkel Dorus GMBHECO KG, que já comprou 48 toneladas, pagando R$ 0,17 por kg. O material reciclável só é vendido a empresas credenciadas pela Fepam.

O sindicato criou ainda um selo ambiental para aplicar nas caixas dos sapatos com objetivo de divulgar o trabalho junto aos consumidores. O próximo passo agora será partir para a reciclagem, uma vez que 27% dos detritos podem ser reprocessados. “O preço do material reciclado é insignificante, mas o fundamental é nos livrarmos dos custos de manutenção desses resíduos”, acrescenta Müller.

Os 73% restantes dos resíduos (não recicláveis) da indústria calçadista de Três Coroas são embalados e enterrados em valas especialmente projetadas para essa finalidade, o que segundo o presidente do sindicato trata-se de iniciativa inédita no Brasil. De acordo com dados da Fepam, o mercado de reciclagem está em plena expansão. Segundo o presidente da instituição, Nilvo Alves da Silva, nos últimos quatro anos, o surgimento de novas tecnologias duplicou as possibilidades de reaproveitamento dos resíduos industriais. A Fepam considerou exemplar a iniciativa dos fabricantes de calçados de Três Coroas, que respondem por 5% da produção gaúcha de calçados, o equivalente a 16 milhões de pares/ano.

Para produzir 670 milhões de pares este ano, a indústria brasileira de calçados vai gerar cerca de 120 mil toneladas de resíduos. Destas, 37.200 toneladas são de restos de couro curtido ao cromo, metal pesado cujo perigo para a vida é equivalente ao do mercúrio nível um de periculosidade pela ABNT.

A apresentação do sistema contou com a presença das principais autoridades ambientais do Rio Grande do Sul, liderada pelo Secretário Estadual do Meio Ambiente, Cláudio Langoni, e o presidente da Fepam. Participaram ainda o presidente do Sindicato das Indústrias de Três Coroas, que lidera o projeto, o prefeito municipal Orlando Teixeira dos Santos e empresários do setor calçadista, além de engenheiros e técnicos sanitários e ambientalistas.

Cidade Verde – Três Coroas, 20 mil habitantes, no Vale do Rio Paranhana, a 92 km de Porto Alegre, adotou o nome de “Cidade Verde” e inclui ecologia no currículo das escolas municipais, que atendem metade de seus 4.500 estudantes. O sindicato promove palestras de conscientização e ajuda escolas e entidades comunitárias na venda de resíduos domésticos para reciclagem. A creche Casa de Recreação Arca de Noé já recolheu oito toneladas e, com sobras de couro sintético, produziu 2.800 pastas e 1.700 estojos escolares. Também são confeccionadas sacolas de compras para substituir os habituais sacos plásticos descartáveis.

O rio Paranhana, beneficiário da ação, é afluente do rio dos Sinos, que alimenta o estuário do Guaíba. Juntos, os dois primeiros banham a principal região produtora de calçados do País. Os 4.200 trabalhadores das indústrias de Três Coroas produzem 16 milhões de pares anuais.

Lei para os resíduos – A Câmara dos Deputados, por meio de uma Comissão Especial, está discutindo uma Política Nacional para o Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Dos 56 projetos de lei dispondo sobre o assunto, o mais antigo, do senador Francisco Rollemberg, tramita na Câmara há quase 11 anos. Mas ainda não é tão tarde para a formulação de uma política pública num país de industrialização recente como o Brasil. Somente na década de 90 os países europeus despertaram para a importância de uma legislação eficiente sobre o gerenciamento de seu lixo, movidos pela preocupação de minorar os danos ao meio ambiente.

O fato é que esse assunto passou a levantar grande polêmica neste semestre, principalmente, depois que o relator da matéria na Comissão Especial, o deputado Emerson Kapaz (PPS/SP), apresentou seu parecer preliminar no início de agosto, e informou que o documento seria aperfeiçoado em breve, estando aberto a críticas e sugestões. Desde então, ambientalistas, ONGS, associações industriais, empresas, associações de municípios, a FIESP e a CNI têm se envolvido em acalorados debates sobre o assunto com o intuito de consolidar sugestões a serem encaminhadas ao relator.

Vários atores interessados do segmento empresarial têm se reunido em São Paulo, Rio e Brasília na tentativa de se chegar a um consenso sobre o que seria uma proposta palatável de Política Nacional de Resíduos Sólidos. Algo semelhante já havia sido feito, ano passado, no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Após longas e acaloradas discussões, o Conama consolidou um texto que seria o mais próximo de uma consensual Política de Resíduos Sólidos para governo, ambientalistas e setor produtivo. Contudo, o Poder Executivo nunca enviou tal proposta para o Congresso, e o deputado Ronaldo Vasconcellos aproveitou o momento e apresentou o texto como sendo seu, em outubro do ano passado.

Tal projeto está hoje no meio dos outros 56 na Comissão Especial. As discussões na Câmara ainda devem ir longe. O parecer preliminar do relator está sendo duramente criticado por algumas associações industriais que pretendem mudar desde a classificação dos diferentes tipos de resíduos sólidos até as responsabilidades pela coleta e tratamento de tal material.

Um dos pontos mais polêmicos reside justamente na classificação dos resíduos de embalagens (papel, vidro ou plástico, por exemplo). O relator as enquadrou como resíduos especiais o que, de acordo com seu parecer, significa que os responsáveis pela fabricação ou importação de tais produtos serão responsáveis pelo gerenciamento (coleta/tratamento) dos mesmos. É justamente contra essa responsabilidade exclusiva do produtor que grande parte do setor produtivo está se posicionando. Sua bandeira tem sido a da responsabilidade compartilhada entre poder público, setor produtivo e a sociedade civil no gerenciamento de resíduos sólidos, idéia esta que estaria presente inclusive na “Agenda 21” brasileira. Para grande parte das associações industriais interessadas no assunto, as embalagens devem ser consideradas como resíduos urbanos, que são os provenientes das residências e do comércio e teriam como responsável pela coleta, os municípios. Outra crítica que tem sido feita ao parecer do relator é que este estaria repleto de dispositivos inconstitucionais, por disporem sobre matérias privativas do Poder Executivo, ou por ferirem o princípio federativo ou ainda por estarem dispondo sobre matéria privativa de lei complementar. A apreciação do tema Política Nacional de Resíduos Sólidos, na Comissão Especial, promete uma longa discussão apesar da esperança, bastante otimista, do relator em levar a matéria ao plenário da câmara ainda neste semestre.

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