Combustível: Gás natural desloca óleos do aquecimento industrial

Vantagem econômica e ambiental provoca a conversão de equipamentos, enquanto óleos pesados apostam no consumo das termoelétricas

A partir de 1° de janeiro deste ano, o mercado nacional de combustíveis ingressou em nova etapa de organização, com destino a incentivar o livre mercado. O ponto marcante da nova estratégia é a retirada completa do controle oficial sobre os preços dos combustíveis, agora sujeitos à livre-negociação entre fornecedores e clientes. A própria Agência Nacional do Petróleo (ANP) admite que, no primeiro momento, dada a falta ou incipiência de concorrentes de porte, a Petrobrás, empresa de controle estatal, exercerá monopólio de fato. A agência adverte, no entanto, a possibilidade de aplicar medidas punitivas contra práticas desleais de concorrência.

Na prática, os consumidores passaram a pagar mais caro pelo gás liqüefeito de petróleo (GLP), que deixou de contar com o subsídio custeado por um percentual aplicado na venda da gasolina automotiva. A existência desse subsídio se justificava pela importância social do GLP, evidenciada pela sua designação mais comum de “gás de cozinha”. Desde 1995, o uso industrial do GLP tem sido aos poucos liberado e estimulado, principalmente por preservar o meio ambiente, substituindo os óleos combustíveis, caracterizados pelo teor de enxofre elevado. Na ressaca do revéillon, todos os consumidores de GLP foram brindados com aumento entre 7% e 9%.

Nesse cenário, o gás natural vai se firmando como o combustível industrial por excelência, combinando facilidade de uso, disponibilidade e resultados ambientais favoráveis. A oferta do gás boliviano permitiu desenvolver a rede de distribuição na região Sudeste e Centro-Oeste, além de estimular o melhor aproveitamento das reservas das bacias litorâneas de Campos (RJ) e Santos (SP). Consumidores dos óleos dos tipos mais leves (até 3A ou 4A, dependendo do caso) contam com estímulo ecológico para converter seus queimadores. A pressão de substituição atinge também consumidores de GLP, cujas distribuidoras se mostram criativas para a abertura de novos mercados.

Gás contra gás – Ambos surgiram como atenuadores da poluição atmosférica, de modo a substituir o uso de óleos combustíveis. No começo, a baixa disponibilidade do gás natural favoreceu o uso do GLP em processos industriais nos quais se obtivesse ganho de qualidade significativo. Dessa forma, a indústria cerâmica, tanto de pisos e azulejos como a de porcelanas, se destacaram na conversão de fornos.

“Resíduos de óleo no ar aquecido por fogo direto provocavam manchas e pontos pretos indesejáveis nos produtos, desvalorizando-os”, comentou Gustavo Guimarães, presidente da ShellGás na América do Sul. “Com o GLP esse problema foi eliminado”. Atualmente, a ShellGás, que pode ser considerada novata no mercado nacional, atuando nele desde 1997 contra concorrentes cinquentenários, alicerçada por forte experiência internacional, já detém entre 12% e 13% do mercado de GLP para indústria e comércio. “Atendemos a mais de 22 segmentos industriais diferentes, de secagem de grãos a produtos eletrônicos”, disse.

Os gases combustíveis apresentam vantagens de sobra contra os líquidos, pastosos e sólidos. As linhas de alimentação dispensam periféricos complexos, enquanto os óleos podem exigir aquecimento para alcançar a viscosidade adequada para circulação e queima. Além disso, a queima é mais uniforme, controlada com facilidade. Livres do enxofre, esses combustíveis são menos agressivos aos equipamentos térmicos, prolongando sua vida útil e reduzindo as paradas para limpeza e manutenção. Também por causa do enxofre é freqüente encontrar equipamentos operando a temperaturas superiores às ideais, lançando para a atmosfera gases muito quentes, implicando desperdício de energia. Isso é feito para evitar a condensação de vapores sulfúricos nas chaminés, responsáveis por corrosão.

Química e Derivados: Combustível: Macedo - regras do gás têm falhas.
Macedo – regras do gás têm falhas.

O aumento da oferta de gás natural, a partir da construção do gasoduto Brasil-Bolívia, mexeu com o equilíbrio do setor. “O mercado brasileiro consome aproximadamente 26 milhões de m³/dia, dos quais de 9 milhões a 10 milhões são trazidos da Bolívia”, afirmou Leopoldo Macedo Neto, coordenador técnico da Associação Brasileira da Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).

A produção nacional do gás chega a 40 milhões de m³/dia, em grande parte reinjetada nos poços para permitir a retirada do petróleo.

Porém há grande volume aproveitável. Fora essa fonte, há o gás argentino, de Neuquén, que já pode entrar no Brasil ou pela Bolívia (usando o gasoduto existente) ou pelo Rio Grande do Sul (gasoduto em construção), ou por ambas.

Há também projeto para reforçar a oferta de gás natural na região Nordeste com suprimento oriundo da Venezuela, onde o produto seria liqüefeito por compressão, de modo a reduzir o custo de transporte. No Brasil, o gás seria expandido no porto cearense de Pecém e injetado no gasoduto chamado Nordestão. “Esse gás chegaria ao consumidor a preço internacional, por volta de US$ 4,20 por milhão de BTU, talvez até por menos, algo como US$ 3,90”, comentou Macedo. O problema atual é alavancar investimentos na cadeia do frio. A expansão do gás absorve calor, permitindo resfriar grandes volumes de fluidos, com uso possível na conservação de alimentos e processos industriais diversos. “Seria uma forma de compensar o gasto energético da etapa de compressão, reduzindo custos”, explicou.

O suprimento internacional talvez obrigue a rever os preços praticados naquela região, bem mais baixos que no Sudeste. “No Nordeste, o gás custa de R$ 0,30 a R$ 0,40 por m³, enquanto em São Paulo ele pode chegar a R$ 1,66 (sem ICMS)”, comentou Macedo, ex-diretor da Comgás, na qual desenvolveu longa carreira. “A companhia herdou um sistema com perdas elevadas e custos altos de operação, que estão sendo redimensionados”, explicou, apostando em futura redução.

A Comgás, sob controle majoritário da British Gas (BG), contando com participações da Shell e Cesp, atua em região de concessão que envolve a região metropolitana de São Paulo, Vale do Paraíba, Baixada Santista e parte do interior do estado, distribuindo atualmente cerca de 8 milhões de m³/dia. Desse volume, 3,5 milhões de m³/dia são produzidos no Brasil, nas bacias de Campos e Santos.

Química e Derivados: Combustível: Pereira Neto - descontos estimulam conversões.
Pereira Neto – descontos estimulam conversões.

O restante é boliviano, cotado em dólar e arcando com elevada despesa de transporte, que representa 55% do seu custo. “Nós vendemos um mix de gás para os clientes”, disse José Rodrigues Pereira Neto, gerente de vendas da companhia para a região Metropolitana, Vale do Paraíba e Baixada Santista na área de grandes consumidores.

Ele explicou que o preço do gás, mesmo o nacional, depende das cotações internacionais. A variação cambial sofrida em 2001 provocou aperto nas margens da distribuidora, por elevação de custos. “Os repasses só podem ser feitos a cada seis meses, permitindo a recomposição de margens”, explicou. A próxima revisão será feita em maio.

Essa política de reajustes, decorrente de lei e realizada sob controle oficial, dá alguma tranqüilidade para os consumidores industriais, interessados em relacionamento de longa duração. “Tanto assim que todas as nossas metas foram atingidas e até superadas, principalmente em expansão das linhas”, afirmou. Segundo informou, os grandes clientes raramente recorrem à ouvidoria da Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), do governo do Estado de São Paulo. Estatísticas desse órgão mostram que o volume de gás canalizado distribuído pela Comgás aumentou 34,4% em 2001, em relação a 2000. Quase 75% do volume é consumido pelos clientes industriais, cuja demanda subiu 21,7% sobre a de 2000, tendo sido captados 80 novos clientes no período. O consumo médio mensal por consumidor industrial na área da Comgás chega a 237,3 mil m³ de gás.

“Aproximadamente 80% do mercado convencional nas indústrias já está sendo atendido pelo gás natural”, estimou Pereira Neto. Ele incluiu nesse grupo os processos térmicos atendidos por óleo combustível, cuja conversão ao gás natural é tecnicamente fácil, embora demande, em alguns casos, investimentos significativos. A substituição de equipamentos industriais elétricos exige investimento ainda maior, além de representar alterações grandes dentro dos clientes. “Essa substituição será feita a longo prazo”, afirmou.

Com o objetivo de estimular o uso do gás pelas indústrias, a Comgás celebra acordos com clientes, geralmente no sentido de oferecer descontos compensatórios a uma parcela dos investimentos de conversão. “Não teríamos caixa para bancar investimentos desse tipo, que chegam a R$ 1 milhão com alguma facilidade”, explicou.

Além das dificuldades técnicas, existem alguns clientes convencionais não atendidos pela companhia. O gerente de vendas mencionou três principais motivos para isso. O primeiro é a distância entre o ponto de consumo e a rede existente. É preciso que o consumo mensal justifique o investimento da companhia na construção do ramal, nem sempre viável. “Em geral, são as indústrias que puxam a ampliação da rede, enquanto o atendimento aos pequenos consumidores representa um plus”, explicou. “As indústrias funcionam como as lojas-âncora dos shopping centers”, aduziu Macedo.

O segundo motivo está ligado a características específicas do processo do cliente em potencial. Em alguns casos, a complexidade da conversão impede a adoção imediata do gás. O terceiro motivo se refere às dificuldades financeiras do candidato. “Algumas propostas são feitas por empresas que apresentam elevado risco de inadimplência, podendo trazer graves prejuízos para a companhia, pois os volumes vendidos para indústrias são elevados”, explicou. Segundo informou, uma vez estabelecido o fornecimento industrial, ele não pode ser cortado com facilidade, devendo obedecer a várias normas oficiais, ampliando o prejuízo.

Potencial de crescimento – A oferta crescente de gás obriga as distribuidoras a se esforçar para abrir novas frentes de consumo. “Em média, o consumo cresce 22% ao ano, sendo que a área industrial consome 10% a mais a cada ano”, afirmou Macedo, da Abegás. Como o consumo doméstico pouco supera o crescimento vegetativo da população, outros consumidores ganharam importância no faturamento da distribuição. “O consumo como combustível automotivo praticamente dobra a cada doze meses”, verificou.

Em 2001, o esvaziamento perigoso dos reservatórios das hidrelétricas fez deslanchar dois importantes consumidores, as linhas de co-geração e as geradoras termoelétricas. O País passa por etapa de revisão de matriz energética, findo o qual espera-se que a geração elétrica de base hidráulica reduza participação. Os processos térmicos tendem a ocupar esse espaço, usando gás natural ou óleo combustível. Também há projetos de geração a partir de biomassa, com destaque para o setor sucroalcooleiro, detentor de larga experiência nesse tipo de atividade.

No caso do gás natural oriundo da Bolívia, o recolhimento de ICMS está dando dores de cabeça nos investidores. Pelos critérios atuais, o gás importado recolhe o ICMS (imposto estadual sobre a circulação de mercadorias) no momento do ingresso no País. Isso é feito no Estado do Mato Grosso do Sul. Ocorre que, também por força de lei, a geração termoelétrica é isenta de ICMS. Dessa forma, a geradora não tem como se ressarcir do imposto recolhido à montante, pois não gera créditos compensáveis. Houve tentativas de negociação com o governo de Mato Grosso do Sul, para que este devolvesse a quantia recolhida dessas empresas. A negociação não prosperou. “Ninguém quer abrir mão de nada, e o Confaz não consegue resolver o problema”, lamentou Pereira Neto, da Comgás. “O imposto significa uma diferença de 12% no preço do gás, prejudicando quem investiu em termoelétricas”, disse Macedo. Ele salientou que o problema se repetirá com a chegada do gás argentino pelo Rio Grande do Sul.

Macedo atribui à inabilidade do governo federal o pequeno crescimento da co-geração elétrica no País. “Essa atividade é tipicamente para complementar a oferta de eletricidade durante picos de consumo”, comentou. “Não dá para entender que tenha gente investindo em turbinas de ciclo simples, de baixa eficiência, que precisam ser operadas em regime constante.” Para incentivar a co-geração, o governo acena com a implantação de subsídios, de eficácia criticada por Macedo.

Segundo a Secretaria de Energia de São Paulo, o consumo de gás em sistemas de co-geração cresceu 110% em 2001, sobre 2000, na área de concessão da Comgás. Fazem parte desse grupo de consumidores a Copersucar, Messer Griesheim, Energy Works e Fibra. Macedo avalia que a eletricidade se tornará ainda mais cara entre 2002 e 2003, por força do vencimento dos contratos mais antigos de fornecimento de energia das hidrelétricas, favorecendo o uso de gás natural.

Macedo confirma que os sistemas de distribuição de gás natural são avançados e apresentam alta segurança e confiabilidade, tornando mínimos os riscos de interrupção de abastecimento. “No entanto, é arriscado depender apenas de um gasoduto, como é o caso do Brasil-Bolívia”, criticou. A interligação do sistema com a Argentina atenua o problema, embora as capacidades dos gasodutos sejam diferentes. Segundo Macedo, no futuro, será preciso regulamentar melhor a operação do sistema. “Ninguém saberá o que fazer se houver uma redução drástica de fornecimento”, afirmou. “Quem vai ficar sem gás? E os consumidores domésticos? E os processos de alto risco?”, indagou.

Existe ainda a necessidade de promover a concorrência interna do setor de gás natural. Por enquanto, as distribuidoras concorrem com outros combustíveis, mas não entre si, atuando em áreas delimitadas com prazos de exclusividade que devem vencer em prazos de oito a dez anos. “Existia uma portaria da ANP que impunha o livre acesso aos dutos, mas ela está suspensa”, informou Macedo. O livre acesso, como disciplinado pela ANP, não levou em consideração as diferenças das margens referentes à comercialização do gás (repassável aos clientes, identificada pelos custos operacionais de cada distribuidora) e à da distribuição (que se refere à remuneração da implantação dos gasodutos). “Hoje as duas margens são vistas como uma coisa só, impedindo a negociação”, disse, salientando que o assunto está sendo discutido pela CSPE.

GLP quer igualdade – Enquanto o gás natural avalia possibilidades de crescimento, a distribuição de GLP enfrenta dificuldades. “GLP ainda é visto como produto de importância social, limitando suas aplicações”, criticou o presidente da ShellGás na América do Sul, Gustavo Guimarães. Como resquício dessa mentalidade ele aponta a vedação legal para o uso de GLP em geradores de vapor industriais e também como combustível automotivo. “O governo parece propenso a rever os entraves para o uso industrial do GLP, mas ainda não tomou atitudes concretas”, disse. Quanto ao uso automotivo, Guimarães, apoiado na experiência internacional, considera o GLP melhor alternativa que o natural, tanto pelo poder calorifico, quanto pela facilidade operacional. No entanto, o uso clandestino é feito com instalações precárias, representando grande risco para a sociedade. “Condenamos essa forma irregular de uso do GLP”, frisou.

Guimarães reclama do governo tratamento isonômico com outros combustíveis. “Atualmente a carga fiscal por unidade térmica beneficia o óleo combustível, atitude incompatível com as necessidades ambientais do País”, afirmou. Pelos cálculos da ShellGás, o GLP arca com carga fiscal de R$ 20,34 por gigacaloria (Gcal), enquanto o gás natural paga R$ 10,27 e o óleo combustível, aproximadamente R$ 9,05 por Gcal.

Fora os tributos, o GLP deixou de receber um subsídio a partir de janeiro. Na mesma data o produto passou a ser negociado diretamente entre Petrobrás e distribuidoras, sem a intervenção do governo. “Quando o governo controla o setor, consideramos o processo legítimo, mas ser controlado por um concorrente é uma situação bem mais delicada”, afirmou.

Pelas informações de Guimarães, as negociações entre a distribuidora e a Petrobrás estão bem encaminhadas. Na teoria, qualquer empresa poderia importar o GLP, abundante em algumas regiões do planeta. A própria Petrobrás faz isso. “Na prática, isso não é feito, até por questões logísticas”, comentou. Caso as negociações com a estatal tornem inviável a operação, a companhia poderá trazer suprimento do exterior. “Nós somos distribuidores, preferimos concentrar nossos esforços no atendimento aos clientes, mas, se preciso, buscaremos suprimento no exterior”, disse, ressaltando que prefere manter os acordos de fornecimento com a Petrobrás.

A disputa com o gás natural é forte nas áreas atendidas pelos gasodutos. “O gás natural conta com preço ‘subsidiado’”, criticou Guimarães. Esse “subsídio” não é explícito, mas se refere aos incentivos oficiais concedidos para a implantação dos gasodutos principais. “No caso do GLP, os consumidores pagam todos os investimentos junto com o gás, enquanto parte do custo de transporte do natural é bancado por impostos”, afirmou.

Essa seria a causa do forte deslocamento de demanda em favor do gás natural. A ShellGás calculava o ponto de indiferença entre o GLP e o natural por volta de 100 t/mês. Acima disso, o natural era indiscutivelmente mais atraente. “Na atual estrutura de custos, esse volume mensal caiu para 10 t, há um favorecimento muito grande do gás natural”, afirmou. Esses números valem para grandes consumidores.

Apesar das dificuldades, a aposta da ShellGás é alta no Brasil. Guimarães acredita em manter a média de crescimento anual por volta de 10% durante vários exercícios. Segundo informou, a média mundial do consumo de GLP está distribuída em 55% para indústrias e 45% para consumo doméstico. No Brasil, as indústrias consomem apenas 20% do GLP. “Há muito espaço para crescer”, afirmou.

A política de preços da distribuição de GLP é elaborada de acordo com a forma de entrega (vasilhames, granel etc.) e a distância entre a estocagem e o cliente. “Não diferenciamos preços para concorrer com o gás natural”, disse.

Óleo qualificado – A pressão do gás natural para deslocar o óleo combustível é evidente, embora de difícil quantificação. Os óleos combustíveis podem ser considerados combustíveis de mercado maduro, com poucas chances de se desenvolver mais. No entanto, a crise elétrica atual pode abrir uma frente de mercado nas termoeléricas.

“A visão da companhia mudou”, afirmou Avelino Ferreira de Souza, coordenador de óleos combustíveis da gerência de vendas de serviços e utilidades da BR Distribuidora, subsdiária da Petrobrás. “Hoje a Petrobrás se define como empresa de energia, buscando oportunidades em vários campos.” Dessa forma, pode ser descartado o temor de a empresa manipular os preços dos derivados de forma a colocar todos os seus produtos, com ganhos máximos. “Até porque os preços dos derivados sempre seguem os dos correspondentes internacionais”, disse.

Como a pressão ambiental cresceu, a reação da companhia foi a de requalificar seus óleos combustíveis, de forma a satisfazer as necessidades dos clientes. “Seguimos as orientações da Portaria 80/1999 da ANP”, comentou Souza. A portaria impôs a redução do teor de enxofre dos óleos. A série B, de baixo teor de enxofre, manteve o limite máximo de 1% em massa. Já na série A (alto teor), que era limitada a 5% em massa para o 1A e 5,5% para os demais, recebeu a orientação de reduzir o teor para abaixo de 2,5%. “A portaria estabeleceu que teores mais elevados só seriam admitidos se autorizados pelos órgãos ambientais de cada estado”, explicou. As viscosidades não foram alteradas, seguindo a escala tradicional, nas classes de 1 a 9.

Souza explicou que a portaria da ANP determinou controle rígido sobre os tipos de prateleira, referentes aos números 1 e 2 das séries A e B. “A agência considerou esses produtos como obrigatórios, devem estar sempre disponíveis aos clientes”, afirmou. Isso não implica a redução dos tipos ofertados, cuja aceitação depende das necessidades de cada cliente. Também por exigência da portaria, as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Porto Alegre e Belo Horizonte, só podem ser abastecidas com óleos com teor de enxofre abaixo de 1%. Quanto ao teor de enxofre, o especialista afirma ser diretamente ligado ao tipo de petróleo processado nas refinarias. “O óleo de Campos, por exemplo, é viscoso, mas tem baixo enxofre”, comentou.

De forma geral, nos processos nos quais os gases de combustão entram em contato com os produtos finais, os clientes preferem usar óleos com baixos teores de enxofre e cinzas. Dessa forma, a preferência recai no tipo 1B. Como esse óleo é o mais caro, é o mais visado para substituição pelo GLP ou pelo gás natural (onde disponível). “O gás compete na faixa dos óleos mais nobres, nos demais não oferece vantagem econômica”, comentou. Ele ressaltou que as vantagens do uso do gás podem ser outras, como a eliminação de sistemas auxiliares de aplicação e estocagem de combustível, além da redução da área ocupada por essas instalações. “Indústrias mais pesadas, como as cimenteiras, nas quais o custo de combustível tem peso elevado, dificilmente substituirão o óleo pesado”, considerou. Essas indústrias, de grande porte, com equipamentos contínuos, podem até consumir combustíveis sólidos, como o coque.

Na seqüencia de refino do óleo cru, os óleos combustíveis precedem o coque. Ambos podem ser considerados residuais, mas o óleo combustível é considerado mais nobre que o outro. “A Petrobrás pode reduzir a produção de óleo combustível e aumentar a coque, se o gás natural ocupar o mercado de combustíveis industriais”, afirmou Leopoldo Macedo Neto, da Abegás. Avelino de Souza, da BR, afirma que essa possibilidade não é tão simples. A começar pelo fato de nem todas as refinarias do Brasil contarem com unidades de coque. Depois, porque o coque ofertado pela Petrobrás apresenta alta qualidade, merecendo preço maior do que o desejado pelos grandes consumidores, que se valem de produto importado. “O coque da Petrobrás serve para siderurgia, fabricação de eletrodos e outras aplicações melhores que a queima como combustível”, explicou. A venda desse produto em lugar do óleo combustível significaria perda de receita. Por fim, Souza salienta que a queima do coque exige desenvolvimento de tecnologia, o que está sendo feito pela Petrobrás em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e Universidades. “Não é fácil queimar o coque de forma ambientalmente satisfatória”, salientou.

Atualmente, a BR e a Petrobrás estudam propostas para ingressar no programa de fornecimento emergencial de eletricidade. Entre as várias possibilidades, está o uso de motores que consomem mistura de óleo diesel e óleos combustíveis. “Se isso vingar, a demanda pelos óleos vai crescer”, comentou Souza.

Quanto à concorrência com o gás natural ele acredita no crescimento do uso deste até um ponto de equilíbrio. Para a distribuidora a competição é neutra, já que ela participa do capital de quase todas as distribuidoras nacionais de gás natural, com exceção da Comgás.

Biomassa – Fontes renováveis de energia se apresentam como alternativa à crise energética nacional. Setores como papel e celulose, além do canavieiro, investem principalmente para o suprimento da demanda cativa, mas permitem observar a possibilidade de gerar excedentes para venda ao mercado.

A União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) estima em 300 milhões de t a produção de cana-de-açúcar no Brasil por safra, capaz de gerar 30 mil GWh/ano de eletricidade e 60 mil Gwh/ano se usada a tecnologia de gaseificação do material orgânico (bagaço, palha e pontas), ainda não disponível comercialmente. Isso representaria entre 10% e 20% do total de energia consumido no País.

Essa disponibilidade não está sendo aproveitada. Apenas no Estado de são Paulo, 40 usinas somadas apresentam excedentes de 157 MW, dos quais apenas 120 MW foram comercializadas. Embora o Mercado Atacadista de Energia (MAE) pague até R$ 684 por MW, os preços dos contratos de fornecimento de energia por biomassa giram entre R$ 50 e R$ 70 por MW. Isso desestimula a investir, segundo a Unica. O BNDES colocou à disposição um programa de financiamento à co-geração de eletricidade pelo setor, com recursos que podem somar R$ 250 milhões. Oito projetos já teriam se candidatado a receber recursos.

“O uso de biomassa é uma alternativa, mas depende do custo de oportunidade da aplicação”, disse Leopoldo Macedo Neto, da Abegás. Havendo alternativa que remunere melhor o material, os empresários podem mudar de idéia. “Como está prevista a elevação do preço da eletricidade, a biomassa também deve aumentar sua participação”, disse.

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