Ciência – SBQ tem presença recorde de químicos

A Sociedade Brasileira de Química, principal organização da comunidade química nacional, organizou sua 34ª Conferência Anual de 23 a 26 de maio, em Florianópolis-SC. Foi a primeira reunião da SBQ realizada na Região Sul do país e também será lembrada pela participação expressiva de quase 4,5 mil estudantes, profissionais e pesquisadores da ciência que se espalharam pelos vários recintos do resort Costão do Santinho.

Esse público prestigiou a extensa programação, que incluiu 12 workshops promovidos pelas divisões científicas da SBQ, realizados antes mesmo da abertura solene dos trabalhos, com a conferência da professora e cientista Vaderlan Bolzani (Unesp), sobre o universo micromolecular da biodiversidade. Além disso, entre diversas outras atividades, 14 minicursos, 15 conferências convidadas e duas conferências de empresas, dois grandes simpósios, sessões temáticas e coordenadas e uma exposição de pôsteres completaram o programa.

Na apresentação oficial do evento, o professor e secretário-geral da SBQ, Adriano Andricopulo, saudou os presentes, informando acerca da participação de representantes de entidades internacionais da química, como a Iupac, American Chemical Society, Royal Society of Chemistry e da Federation of African Societies of Chemistry. Além disso, comentou que 93% dos quase 4,5 mil participantes eram sócios da entidade e que, após o encontro, eles receberiam suas carteiras de identificação.

Outro ponto destacado por Andricopulo foi a grande participação feminina, com 56,5% das inscrições, contra 43,5% dos homens. “O fato é digno de nota, especialmente no Ano Internacional da Química, celebrando as descobertas da cientista Marie Curie”, comentou.

Presidente da SBQ, o professor e pesquisador César Zucco salientou a importância da química na evolução da humanidade e sua importância para a vida. “Cada ser humano é uma fábrica de químicos”, pontuou. Além de terem contribuído para o aumento da produção de alimentos, para a produção de insumos que melhoraram a qualidade de vida humana, como os medicamentos e as fibras têxteis artificiais ou sintéticas, foram também os químicos que detectaram os problemas da poluição ambiental e as variações climáticas decorrentes.

Com isso, o tema “Química para um mundo melhor” não poderia ser mais adequado. “A ciência contribui para um mundo mais confortável, e também dela depende a busca pelo futuro energético do planeta e a preservação e aproveitamento da água”, salientou.

Embora tão importante, a química ainda é uma completa desconhecida da maioria da população. “Há uma relativa ausência de cultura geral química que impede o povo de conhecer os fatos da sua realidade”, criticou Zucco. Isso dificulta a compreensão da ciência e a sua importância socioeconômica. Ele instou os participantes a motivar os jovens a entender melhor a química, afastando preconceitos erguidos contra ela.

Zucco também salientou que o químico não é um mágico. “Ele é um profissional racional e criativo, um arquiteto das moléculas”, apontou. Ele mesmo, no entanto, admitiu que a ciência também tem um potencial destrutivo, quando mal conduzida. Isso exige transmitir aos jovens também padrões éticos elevados.

Revista Química e Derivados - Da Esquerda para a direita: César Zucco, Presidente da SBQ, professor e pesquisador; Vanderlan Bolzani, da Unesp de Araraquara-SP; Glaucius Oliva, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Adriano Andricopulo, professor e secretário-geral da SBQ
A partir da esq., Zucco, Vanderlan Bolzani, Oliva e Andricopulo falaram durante a cerimônia em um auditório lotado por cientistas e aspirantes (abaixo)

Comemoração conjunta – Convidado a participar da cerimônia de abertura, Glaucius Oliva, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ressaltou as festividades de 60 anos de fundação da autarquia, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). “Ao final da Segunda Guerra Mundial, quando os avanços científicos produziram a penicilina e a bomba atômica, ficou claro que o Brasil não poderia permanecer afastado das pesquisas científicas e isso fez nascer o CNPq, então chamado de Conselho Nacional de Pesquisas”, informou.

Oliva salienta que o apoio às iniciativas de C&T já chegou atrasado, além de encontrar um país com enorme passivo educacional. “A grande maioria da população era analfabeta”, disse. Nascido em 17 de abril de 1951, o órgão logo deu origem a outro, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com o intuito de oferecer bolsas de estudo para a formação de doutores no exterior. “A ideia era formar uma base sólida de cientistas que pudessem depois multiplicar no país os esforços de formação”, salientou Oliva. A Capes também investiu no apoio aos pesquisadores locais que aceitassem o regime de dedicação exclusiva, bem como concedeu bolsas de iniciação científica para incentivar a formação superior.

Revista Química e Derivados - Sociedade Brasileira de Química - 34ª Conferência Anual de 23 a 26 de maio, em Florianópolis-SC - auditório lotado por cientistas e aspirantes
auditório lotado por cientistas e aspirantes

O panorama em 2011 é bem mais animador. “Temos uma comunidade científica respeitável, que produz 2,7% de todo o conhecimento mundial, situando-se na 13ª posição global da pesquisa”, informou. Há 30 anos, comparou, a produção nacional não passava de 0,5% da mundial. O país hoje forma 12 mil doutores por ano.

Mesmo assim, persistem desafios para os cientistas. “Ainda convivemos com a miséria, com problemas no acesso aos alimentos, ao emprego, ao saneamento e à moradia, tudo isso incentiva a pesquisa a seguir adiante, gerando desenvolvimento social”, afirmou. Entre as metas oficiais para C&T estão os avanços na fronteira do conhecimento, melhorar a educação básica e atender aos anseios da população. “A ciência é a base para o futuro”, finalizou Oliva.

Em seguida, o presidente do CNPq apresentou a palestrante da conferência principal, Vanderlan Bolzani, da Unesp de Araraquara-SP, destacada cientista atuante na área de produtos de origem natural com uso farmacêutico e cosmético. Ela discorreu sobre as linhas de pesquisa em andamento no país com diversas famílias de plantas nativas, um dos pontos nos quais o Brasil conta com grande potencial de crescimento. “Temos 10% de toda a biodiversidade do planeta”, informou.

No entanto, durante sua palestra, transpareceu uma preocupação muito grande com as vedações impostas pelas leis criadas para combater a biopirataria. Alguns pesquisadores e empresas que aproveitam as descobertas deles em fármacos e cosméticos estão sendo processados e impedidos de coletar frutos e partes de espécies vegetais amazônicas para estudos. “Fazer ciência não pode, mas desmatar e queimar a floresta amazônica, isso pode”, criticou a pesquisadora. Uma de suas pesquisas, sobre a biossíntese de um indol alcaloide, foi interrompida por falta de autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN, do Ibama).

Diante da crítica, Oliva salientou que o CNPq avocou a competência para autorizar a realização de pesquisas com espécies nativas. Em 31 de maio, o CGEN liberou alguns tipos de pesquisas ligadas ao estudo genético de plantas de licença prévia.

Catálise – Foi muito concorrido o workshop sobre a catálise nos tempos do pré-sal, realizado no dia 23 de maio. A meta proposta e atingida era apontar os trabalhos em andamento e os campos abertos para pesquisas na área de produção de petróleo e derivados, tendo como pano de fundo a expectativa de aumento de produção de óleo e gás com base no desenvolvimento dos campos da região do pré-sal.

O pesquisador do Centro de Pes­qui­sas da Petrobras (Cenpes) e professor da Escola de Química da UFRJ Eduardo Falabella de Souza Aguiar iniciou o ciclo de apresentações abordando as reações envolvidas nos processos de transformação de gás natural em líquidos (GTL) e os catalisadores nelas envolvidos. A necessidade de estabelecer processos GTL que possam ser instalados em plataformas de exploração é iminente, dados os grandes volumes de gás associado. Como o transporte desse gás para a costa é muito caro, a conversão em líquidos se torna atraente, valorizando o produto e reduzindo custos.

“Estamos desenvolvendo um conjunto de microrreatores que possa ser embarcado para converter gás natural em hidrocarbonetos líquidos, uma combinação de reforma catalítica com o conhecido processo de Fischer-Tropsch”, explicou o pesquisador. Microrreatores tubulares com paredes internas impregnadas com catalisadores adequados fazem o serviço. Não são nanoreatores, estes seriam adequados para modificar propriedades eletrônicas ou estéricas dos reagentes. Os microrreatores intensificam os fenômenos de transferência de calor e de massa, mexendo na engenharia dos fenômenos. “E um microrreator de bancada é exatamente igual a um de produção, para fazer o scale up basta colocar mais e mais tubos idênticos”, considerou.

O catalisador de Fischer-Tropsch ainda é um desafio para os cientistas. O cobalto apresenta bons resultados, mas ainda é preciso melhorar a distribuição de partículas ainda menores (de seis a oito nanômetros) do elemento na superfície. Líquidos iônicos, como o butil-metil-imidazol (BMI), permitem melhorar a estabilização do cobalto nanoparticulado.

Também os processos industriais a que serão submetidos esses hidrocarbonetos líquidos merecem atenção dos cientistas, de modo que ofereçam os derivados mais atraentes, como diesel e lubrificantes. “Esses hidrocarbonetos não contêm impurezas, como o enxofre, e apresentam um padrão de qualidade muito superior aos usuais”, afirmou Falabella. Também nesse caso, a catálise exige aprimoramento.

A segunda palestra foi proferida pelo professor e pesquisador Cláudio Mota, da UFRJ, tratando da alquilação como caminho para agregar valor aos produtos do craqueamento catalítico fluido (FCC). “A gasolina de craqueamento tem uma octanagem muito baixa, embora possa ser usada em motores convencionais, principalmente em mistura com o etanol”, explicou. “Mas é possível melhorar a sua octanagem por alquilação.” Nesse caso, seria preciso adotar processos com catalisadores ácidos (fluorídrico ou sulfúrico). As olefinas presentes seriam convertidas a carbocátions, sendo a alquilação uma reação entre carbocátions terciários. “É um processo em cadeia, realizado em quatro etapas”, explicou. As zeólitas admitem formas ácidas, com bons resultados. Estudos mostram resultados mais interessantes quando se retira parte do alumínio das zeólitas, aumentando a sua atividade, um ponto ainda não esclarecido pela pesquisa.

O uso de catalisadores em processos de hidrorefino (HDR) foi tema de palestra de José Luiz Zotin, pesquisador do Cenpes. Ele comentou que a indústria mundial do petróleo refina óleos cada vez mais pesados, mas convive com restrições ambientais mais severas e com demandas mais apuradas, geradas por motores mais exigentes. O hidrorefino entra em todas as correntes de derivados, mas exige caracterização perfeita dos fluxos e o uso de catalisadores adequados, geralmente sulfetos metálicos ou metais nobres.

Os desafios que se impõem no uso dessa tecnologia começam na seleção de materiais para a síntese dos catalisadores, bem como na escolha de novos suportes, como os nanotubos de dióxido de titânio para receber níquel-molibdênio. Novos métodos de síntese de sulfetados e a caracterização dos catalisadores desse tipo, determinando o número preciso de sítios ativos, também exigem estudos adicionais.

Atualmente, a Petrobras mantém 28 unidades de hidrotratamento, número que passará para 77 em 2020, das quais cinco serão de hidrocraqueamento (HCC). “A demanda de catalisadores da estatal vai ser multiplicada por sete”, alertou Zotin. Está em curso uma parceria com a Albemarle para a produção local de catalisadores para HDT no Brasil, nos mesmos moldes que originaram há algumas décadas a Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC).

Houve palestras interessantes sobre a produção de gasolina por oligomerização e os processos industriais para isso disponíveis no mundo. Esse tema também é interessante para a geração de insumos petroquímicos (eteno e propeno). Tudo isso serviu, ao menos, como aperitivo para o 16º Congresso Brasileiro de Catálise, programado para 2 a 6 de outubro, em Campos do Jordão-SP, uma realização da Sociedade Brasileira de Catálise (SBCat). Informações sobre o congresso: www.16cbcat.org.br

Revista Química e Derivados - Nancy Jackson, pesquisadora do Sandia National Labs. e presidente da American Chemical Society
Nancy: energia solar contribui para a conversão de CO2

Química solar – A pesquisadora do Sandia National Labs. e presidente da American Chemical Society, Nancy Jackson, apresentou interessante palestra sobre o uso de energia solar na conversão de gás carbônico em hidrocarbonetos. Como explicou, um equipamento está sendo aprimorado para captar e concentrar a energia solar, elevando a temperatura interna de um pequeno reator contendo um óxido metálico a 1.300ºC, provocando a sua redução. Ao retornar à temperatura de 800ºC, na face inferior do mesmo reator (é giratório), ocorre a oxidação, reação que captura o oxigênio do CO2 presente. Nessa parte inferior, pode ser introduzida água, que será hidrolisada para liberar o hidrogênio necessário para reagir com o monóxido de carbono, gerando hidrocarbonetos.

“Entendemos que os combustíveis líquidos são a forma mais eficiente de armazenar e transportar energia, mas também queremos ficar livres do processo Fischer-Tropsch”, comentou Nancy. Ela informou que o equipamento já foi construído e está em fase de testes de campo nos Estados Unidos. Falta definir qual o elemento mais adequado para catalisar as reações. Segundo ela, foram obtidos bons resultados com ferro e ítrio sobre uma base de zircônio. O desafio é aumentar a produtividade por área superficial do catalisador.

A pesquisadora enfatizou que, apesar do senso comum, a energia solar não é de graça. “Seu aproveitamento depende de coletores e absorvedores específicos, com elevada eficiência, além de exigir alta escala para ser economicamente viável”, salientou. O custo por área ocupada é muito elevado.

Perguntada sobre outras fontes de combustíveis, como o etanol, ela entende ser preciso desenvolver um grande número de alternativas sustentáveis, com o objetivo de atender a todas as necessidades de mercado. “O Sol brilha poucas horas por dia com a potência necessária para o processo”, ponderou.

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