Carta aberta: Química européia teme extinção

A Ineos é uma das maiores indústrias químicas do mundo, com faturamento anual da ordem de US$ 43 bilhões, obtidos em 15 áreas de negócios que se estendem dos termoplásticos às especialidades químicas. Opera 51 fábricas em onze diferentes países, com alto grau de integração vertical e pesados investimentos em pesquisas.
A companhia é presidida por Jim Ratcliffe, com 38 anos de experiência no setor químico, atuando na Ineos desde 1998. Ele começou sua carreira na Exxon Chemicals, passando pela Courtalds (têxteis), da qual partiu para a Advent e posteriormente para a Inspec, antes da atual posição.
Ratcliffe está profundamente preocupado com o futuro da indústria química na Europa, continente que abriga grande parte de seus ativos operacionais. Por isso, ele divulgou no dia 7 de março uma carta aberta a José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, na tentativa de sensibilizá-lo para os problemas setoriais.
Ao ler a carta, Química e Derivados percebeu que seus fundamentos e queixas são idênticos aos do setor químico brasileiro. Decidimos, então, publicá-la, esperando que seja recebida com atenção pelas autoridades brasileiras. Segue abaixo seu texto integral traduzido, que pode ser lido na língua original no site da Ineos (www.ineos.com).
“Caro Presidente Barroso,
Gostaria de expressar as minhas mais profundas preocupações sobre o futuro da indústria química europeia. Tristemente, prognostico que grande parte dela estará fechada dentro dos próximos dez anos.
Eu lembro que a extinção da indústria têxtil europeia ocorreu diante dos meus olhos, como um jovem graduado na Courtaulds , durante os anos 80. Os produtos químicos podem seguir pelo mesmo caminho. A indústria química pode se tornar um outro dinossauro europeu.
Entretanto, produtos químicos são um tipo mais amplo e possivelmente mais importante para a economia europeia. Há muitos trabalhadores envolvidos: mais de um milhão de empregos diretos e 5 milhões de indiretos, no total.
Em escala global, o setor químico representa um faturamento de US$ 4,3 trilhões. Isso é maior que o PIB da Alemanha e supera consideravelmente os US$ 2,6 trilhões do setor automotivo.
Na Europa, produtos químicos e automotivos dividem a primeira posição do faturamento regional, com US$ 1 trilhão cada um. Em termos econômicos, o setor químico é uma das joias da coroa europeia.
Os produtos químicos literalmente encontram seu caminho em todos os modos de vida, eles são onipresentes. É preciso usar químicos para fazer metais, fibras e cerâmica. Eles estão nos nossos relógios, desodorantes, iPhones, carros, roupas e tênis Nike. Sem uma indústria química, todos os fabricantes citados situados na Europa ficam potencialmente em desvantagem.

Estrategicamente, e economicamente, nenhuma grande economia deve abandonar sua indústria química.
Mas a Europa parece descrente sobre o destino do seu setor químico. A indústria têxtil europeia foi varrida porque não conseguia competir com o custo do trabalho asiático. Lentamente, as cem fábricas têxteis se tornaram deficitárias e foram fechadas.
Produtos químicos dependem de energia e de matérias-primas a custos competitivos. Ainda que seja uma indústria altamente técnica, e esse é um dos motivos pelos quais historicamente a Europa tem alcançado tanto sucesso, o domínio tecnológico apenas não a salvará.
A energia, na forma de gás, hoje, é três vezes mais cara na Europa do que nos Estados Unidos, enquanto a eletricidade custa 50% a mais. Não há matérias-primas baratas na Europa. Os custos de matérias-primas nos EUA e no Oriente Médio estão em outra categoria.
O shale gas nos EUA transformou tanto a sua competitividade quanto a sua confiança. Há US$ 71 bilhões de projetos de expansão petroquímica anunciados no fluxo do shale gas para o setor químico. E há previsão de aumentar esse valor para US$ 100 bilhões.
Em sentido oposto, a Europa anuncia fechamento após fechamento.
No Oriente Médio, capacidades continuam sendo construídas em Abu Dhabi, no Qatar, e na Arábia Saudita, e agora podemos adicionar outras 6 milhões de t/ano de capacidade de eteno do Irã voltando ao planeta Terra.
No Reino Unido (UK) nós presenciamos o fechamento de 22 fábricas químicas desde 2009. E nenhuma construção nova.
E, então, temos a China. Parece que as universidades britânicas não mais terão lugares para britânicos que queiram fazer estudos em temas tecnológicos, uma vez que estão cheias de estudantes chineses. No ano passado, na graduação do meu filho em economia, reparei nos orgulhosos formandos de engenharia elétrica. Todos eles eram chineses. Nenhum era britânico.
Os chineses constroem sem descanso. Embora na história recente eles tenham absorvido todo o excedente químico mundial, eles logo serão autossuficientes. Além disso, eles começarão a reverter o fluxo. Lembre-se que eles se preparam para ser a maior economia do mundo por volta de 2020.
Então, diante dessa carnificina competitiva, será que Bruxelas ou outros países da Europa possuem um plano diretor? Que defesas têm em mente?
Posso ver taxas verdes. Posso ver a desistência do shale gas. Posso ver o fechamento de usinas nucleares. Posso ver a manufatura sendo mandada para longe. Posso ver as autoridades sobre competitividade em Bruxelas alegremente desatentas quanto ao tsunami de produtos importados vindo nesta direção e permanecendo cegamente no caminho da reestruturação sensível.
Os lucros da Ineos, uma das maiores companhias químicas mundiais, caíram pela metade durante os últimos três anos. Os lucros nos EUA triplicaram. A Basf, maior indústria química do mundo, pela primeira vez em sua história, anunciou um corte estratégico nos seus investimentos europeus, justificado pela estagnação do mercado e pelos custos elevados de energia e trabalho.
Isso não fica bem para a Europa, somos coelhos flagrados pelos faróis dos carros, e estamos com as calças arriadas.
Acredito que este seja um importante tópico para discussão. Assim, deixo esta carta disponível para os meios de comunicação.
Atenciosamente,
Jim Ratcliffe, presidente da Ineos.”
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