Biodiesel: Falta de medidas ameaça a liderança

Falta de medidas para conter os efeitos das sazonalidades ameaça a liderança nos biocombustíveis

Ao mesmo tempo em que o ambicioso projeto de extração de petróleo na camada pré-sal desperta a atenção mundial, paradoxalmente cresce a percepção de que o Brasil é um dos poucos países capazes de atender com vigor à crescente demanda por energéticos mais limpos que os combustíveis fósseis.

Celeiro agrícola mundial, com 150 milhões de hectares disponíveis para a agricultura, o país apresenta vantagens na produção de álcool, biodiesel e outros itens da chamada “segunda geração dos biocombustíveis”, como o etanol fabricado com resíduos agrícolas mediante a aplicação de enzimas.

Além da terra, dispõe de geografia favorável, altas taxas de luminosidade, disponibilidade hídrica e regularidade de chuvas, colocando os produtores brasileiros entre os mais competitivos do planeta.

Antes de alçar voos mais consistentes no mercado externo, entretanto, o setor de biocombustíveis ainda precisa fazer alguns importantes ajustes.

No segmento sucroalcooleiro, ainda persiste o problema de oferta de álcool e a consequente disparada dos preços do combustível na entressafra, indicando a urgência de criar mecanismos para conter as oscilações de mercado, a exemplo da formação de estoques reguladores.

Para o presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, não existe volatilidade da oferta de álcool no Brasil, mas volatilidade de preço. “O fato de não termos um mercado futuro para o etanol, como existe com o açúcar, facilita essa volatilidade.

Há concentração de oferta na safra, fazendo com que o preço caia, e redução na entressafra, puxando os preços para cima”, explicou.

Na safra passada, a falta de etanol no mercado brasileiro provocou forte aceleração nos preços do álcool hidratado (vendido diretamente nas bombas dos postos, que carrega entre 6% e 8% de água), refletindo a diminuição de oferta ocasionada pelo excesso de chuva nos canaviais, fato que atrapalhou a colheita e prejudicou a qualidade da cana.

Um balanço preliminar da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) indica que os problemas climáticos nas áreas produtoras impediram a produção de 4 bilhões de litros de etanol e de 5 milhões de toneladas de açúcar na temporada passada. “A safra 2009/10 foi muito ruim.

O rendimento dos canaviais foi afetado pelas chuvas intensas em todo o país”, afirmou Nastari. “Retornamos aos níveis de produção de 1991, causando grandes prejuízos para os produtores e a indústria.”

Nos primeiros dois meses de 2010, quando o problema de desabastecimento se agravou, o litro do etanol chegou a superar os R$ 2 nas bombas de alguns locais do país, provocando a migração dos consumidores para a gasolina, combustível de maior poder calorífico, que permite rodar mais quilômetros por volume abastecido.

Segundo declarações de Antonio Pádua Rodrigues, diretor-técnico da Unica, a safra de 2009 “foi atípica, porque, no primeiro semestre, as usinas estavam descapitalizadas e tiveram que vender etanol a qualquer preço e, no segundo semestre, não conseguiram colher a quantidade esperada de cana por causa do excesso de chuvas”.

O governo tentou conter a disparada de preços reduzindo de 25% para 20% a proporção de álcool anidro adicionado à gasolina. O objetivo era aumentar a disponibilidade do combustível renovável no mercado. O resultado foi um aumento brusco da demanda por gasolina que exigiu a importação do combustível.

No final das contas, quem ajustou o mercado foram os consumidores que, em grande parte, possuem carros com motores bicombustíveis e passaram a abastecer na bomba ao lado, dispensando o etanol. Somente em fevereiro deste ano, o consumo recuou para 25 milhões de litros por dia na região Centro-Sul, metade dos 50 milhões de litros do período de pico de consumo.

A partir de março, com o início da nova safra nesta região, houve a consequente, porém lenta, redução do preço do etanol que voltou a ser mais vantajoso em relação à gasolina.

Para Rodrigues, hoje é o consumidor quem determina os preços. “Assim como ele saiu do mercado quando o valor do álcool subiu, ele voltou a usar o combustível depois que a nova safra começou a tomar um ritmo mais forte.” Essa poderosa “arma” utilizada pelo consumidor só é possível graças ao surgimento, a partir de 2003, dos motores flex fuel, movidos tanto com gasolina quanto etanol, ou com mistura de ambos.

A tecnologia representou o fim da dependência de um único combustível e sua frota já ultrapassou a casa das 10 milhões de unidades, segundo balanço divulgado no início de março pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Atualmente, os carros bicombustíveis representam 87% dos automóveis negociados no país.

Estoques estratégicos – Para resolver os problemas de sazonalidade, a estocagem do álcool é apontada pelo governo e pelas próprias usinas como uma das ferramentas mais eficazes. Neste ano, para financiar a formação desse estoque, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pretende destinar R$ 2,5 bilhões aos usineiros. Em 2009, esses recursos já haviam sido oferecidos pela instituição, mas houve pouca procura.

Na época, o montante era suficiente para financiar o armazenamento de 5 bilhões de litros de combustível, equivalentes a mais de três meses de consumo. Segundo a Unica, a linha de crédito foi pouco procurada na safra passada “por conta das garantias exigidas e do curto prazo de pagamento, considerado inviável naquele momento, em virtude do agravamento da crise financeira e dos baixos preços do etanol”.

No ano passado, o programa de estocagem do BNDES cobrava juros de 11,25% ao ano, com prazo de pagamento de seis meses, com dois meses de carência. Para a nova safra, a entidade representante dos usineiros reivindicou ao BNDES prazos de pagamento mais longos, juros abaixo de 11,25% ao ano e ainda solicitou ao banco que aceite o etanol como garantia real do financiamento.

Safra nova – Segundo estimativa de Plínio Nastari, a expectativa de produção para a safra 2010/11 é de 29,78 bilhões de litros, 18% acima do volume registrado na temporada anterior, de 25,3 bilhões de litros. “Esperamos uma boa recuperação para esta safra”, ressalta o consultor.

O Centro-Sul responderá por 27,58 bilhões de litros, enquanto a Região Nordeste produzirá os 2,2 bilhões restantes, na previsão do presidente da Datagro. A expectativa para a moagem nesta temporada é de 654 milhões de toneladas de cana, sendo 590 milhões no Centro-Sul e 64 milhões no Nordeste.

Na safra passada, foram processadas 597 milhões de toneladas, sendo 535 milhões no Centro-Sul e 62 milhões no Nordeste. Ainda segundo a consultoria, para o açúcar, a expectativa é de uma produção brasileira de 37,3 milhões de toneladas. A safra passada chegou a 33,15 milhões de t. Até o fechamento desta edição, a Unica não havia divulgado sua estimativa para a safra deste ano.

Corrida pela produção – Enquanto o governo e o setor privado elaboram medidas para aperfeiçoar o sistema de comercialização do álcool, usineiros de diversas regiões do Brasil iniciam uma verdadeira corrida para ampliar unidades e construir novas fábricas no país e, assim, conseguir fazer frente ao rápido crescimento acelerado do mercado interno e externo.

Desde o lançamento do Proálcool, a produção nacional de álcool saltou de 700 milhões de litros em 1975 para os 29,78 bilhões de litros esperados para esta nova safra.

Segundo previsão da Unica, até 2015 o consumo interno de álcool deve dobrar dos atuais 25 bilhões para 50 bilhões de litros, e a demanda externa pelo produto brasileiro pode chegar a 15 bilhões de litros, muito além dos atuais 3,2 bilhões de litros.

“Isso exigirá investimentos de US$ 50 bilhões em novas usinas de etanol”, avalia Rodrigues, o diretor técnico da entidade.

Química e Derivados, Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro, Biodiesel - Falta de medidas para conter os efeitos das sazonalidades ameaça a liderança nos biocombustíveis
Nastari prevê a inauguração de onze usinas ainda em 2010

“A construção de novas usinas vai nos dar melhores condições para a produção, capacitando o mercado e aumentando a oferta do etanol brasileiro”, afirma Nastari.

De acordo com o consultor da Datagro, atualmente existem 457 usinas no país. “A previsão é de que mais 11 usinas entrem em operação ainda este ano”, diz.

O consultor da Datagro vê com bons olhos o atual processo de desnacionalização da cadeia do etanol, com a entrada de empresas estrangeiras no mercado, como na negociação recente que envolveu a associação entre a Shell e a brasileira Cosan.

A transação marcou a entrada de uma petrolífera mundial no setor. “Não chamo isso de desnacionalização, mas, sim, de internacionalização. Esse processo está caminhando a passos largos, ou seja, há um grande interesse mundial pelo nosso etanol. Toda empresa, seja estrangeira ou nacional, é bem-vinda, uma vez que capital não tem bandeira”, comentou.

Nos últimos anos, o setor sucroalcooleiro brasileiro registrou inúmeras fusões e aquisições. A mais recente delas envolveu a união dos ativos entre a ETH Bioenergia, controlada pelo grupo Odebrecht, e a Brenco, comandada pelo empresário Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras e que deixou o empreendimento.

Com a fusão, a nova companhia manterá o nome ETH Bioenergia, e deu um grande passo na direção da liderança global da produção de etanol à base de cana-de-açúcar. Hoje, as líderes em moagem no Brasil são a Cosan, com 60 milhões de toneladas, a Louis Dreyfus, com 40 milhões, e a Bunge, com 20 milhões, essas duas últimas de capital estrangeiro.

A ETH planeja processar 40 milhões de toneladas a partir de 2012, quando prevê produzir 3 bilhões de litros de etanol. A Cosan, líder mundial no setor, ofertou ao mercado 2,3 bilhões de litros do biocombustível na última safra. Para alcançar sua meta, a ETH pretende investir R$ 3,5 bilhões entre 2010 e 2012, valores que irão se somar aos R$ 3,8 bilhões de aportes já realizados pelas duas empresas (incluindo a Brenco).

Em dois anos, a companhia contará com usinas espalhadas pelos Estados do Centro-Oeste, além de duas em São Paulo, na fronteira com Mato Grosso do Sul. Em nota divulgada à imprensa à época da fusão ETH-Brenco, o presidente da Unica, Marcos Jank, disse que “a união fortalece a presença do capital brasileiro, que, mesmo com as transações recentes envolvendo empresas multinacionais, continua fortemente majoritário no setor sucroenergético”.

No início de fevereiro, a Shell anunciou um acordo com a Cosan para união de alguns ativos no país. Em novembro do ano passado, a trading francesa Louis Dreyfus adquiriu o controle do grupo Santelisa Vale, alcançando a segunda posição em moagem no Brasil.

Na mesma época, a multinacional Bunge anunciou a aquisição do grupo Moema, no interior paulista. “É muito bom ver o interesse das empresas pelo nosso combustível, pois isto é uma demonstração de que o etanol entrou de vez no jogo dos combustíveis líquidos a nível mundial”, enfatizou Jank.

Cenário internacional – O investimento estrangeiro no setor sucroalcooleiro está ligado ao potencial que o Brasil tem para se consolidar como grande exportador de etanol. Um dos desafios é convencer os grandes mercados consumidores, sobretudo Europa e Ásia, de que o etanol brasileiro é a melhor opção para os que buscam garantir a segurança energética sem desequilíbrios do meio ambiente.

Outra missão importante é vencer a antiga barreira do mercado norte-americano ao etanol brasileiro. Lá, o mercado é fortemente protegido por uma tarifa de US$ 0,54 por galão para a importação do produto brasileiro. No entanto, os próprios norte-americanos reconhecem a qualidade do etanol verde-amarelo, mais sustentável e eficiente que o álcool derivado do milho, grão utilizado como matéria-prima nos Estados Unidos e altamente subsidiado.

Em fevereiro último, a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) classificou o etanol feito de cana como um biocombustível avançado, que reduz a emissão de dióxido de carbono em 61% quando comparado com a gasolina. Para o etanol de milho, a redução em relação ao energético fóssil é de apenas 21%. “Os Estados Unidos vêem o nosso etanol como um inimigo, o que de fato ele não é.

Não queremos ameaçar o álcool americano, mas complementar o mercado de etanol mundial”, disse o consultor da Datagro, que prevê exportações de 3,7 bilhões de litros para este ano, 15,5% acima do volume de 2009, de 3,2 bilhões de litros.

Química e Derivados, Antonio Pádua Rodrigues, diretor-técnico da Unica, Biodiesel - Falta de medidas para conter os efeitos das sazonalidades ameaça a liderança nos biocombustíveis
Rodrigues: com motor flex, quem determina o preço é o consumidor

Petrobras apoia – Embora ainda produza um volume pequeno de álcool combustível no país, a Petrobras, que até há pouco tempo atuava no setor apenas como uma trading, tornou-se uma das empresas com maior capacidade para expandir a produção local e as exportações.

A Petrobras Biocombustíveis tem por meta investir US$ 4,5 bilhões no setor de combustíveis renováveis (álcool e biodiesel) até 2013, sendo a maior parte dos recursos, US$ 2,4 bilhões, para o setor alcooleiro.

Estão nos planos da companhia construir, até 2013, ao menos oito usinas, que vão consumir investimentos de US$ 1,7 bilhão. Com isso, a estatal prevê elevar a sua produção de álcool dos 339 milhões de litros/ano obtidos em 2009 para 3,9 bilhões de litros em 2013.

Para este ano, a Petrobras vai ofertar ao mercado 747 milhões de litros de etanol. Para tanto, a empresa revelou a intenção de comprar, ao longo de 2010, duas ou três usinas em funcionamento, repetindo a estratégia iniciada no fim de 2009, quando debutou na produção etanóica ao ingressar no capital social da Total Agroindústria Canavieira, de Minas Gerais, passando a deter 40,4% das ações da empresa. A Total possui uma usina localizada em Bambuí-MG, com capacidade instalada de produção de 100 milhões de litros de etanol por ano.

No mercado externo, a Petrobras tem como plano elevar suas exportações de etanol principalmente para o mercado japonês, que no futuro próximo pretende tornar obrigatória a adição de até 3% de álcool anidro à gasolina lá consumida. Hoje, a estatal tem como principal parceiro nessa atividade a japonesa Mitsui, conglomerado com forte atuação na área de energia.

Para facilitar a entrada do produto brasileiro no mercado asiático, a Petrobras abriu uma subsidiária em território japonês, a Brazil-Japan Ethanol, que tem como sócia a Nippon Alcohol Hanbai, que já detém 70% do mercado de distribuição de etanol no Japão. Além do mercado japonês, a estatal brasileira quer incrementar os embarques de álcool para Venezuela, Estados Unidos, Nigéria, China, África do Sul e países membros da União Europeia.

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