Biocombustíveis – Proálcool, queda e ascensão

O físico José Goldenberg, professor da Universidade de São Paulo e ex-secretário estadual de Ciência e Tecnologia, é enfático ao discorrer sobre o futuro do álcool. Ele diz: “Ri melhor, quem ri por último. Todos os esforços empreendidos na primeira fase de pesquisas e introdução do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foram devidamente reconhecidos.” Segundo ele, a dianteira do etanol como biocombustível na matriz energética brasileira é respeitada internacionalmente, até porque desde o início do século 20 (entre 1905 e 1925), o álcool etílico anidro já era usado para oxigenar a gasolina. Em 1931, por meio de decreto-lei, o governo brasileiro tornou obrigatório o acréscimo de 5% desse álcool em todos os estoques de gasolina importada – medida que, sete anos depois (1938), foi estendida também para a gasolina nacional. Nos anos 60, as descobertas de novos bolsões de reservas petrolíferas no Oriente Médio desestimularam a busca por fontes renováveis de combustíveis. O interesse pelas pesquisas ressurgiu quando foi deflagrada a primeira crise do petróleo, em 1973. Dois anos depois do lançamento do Proálcool – considerado o maior programa global de uso de matéria-prima renovável para fins energéticos – entre 1977 e 1980, Expedito Parente, professor da Universidade Estadual do Ceará, pesquisou, descobriu e patenteou internacionalmente a primeira formulação de biodiesel tendo o óleo de algodão como matéria-prima.
O professor Goldenberg se lembrou de uma estratégia original dos responsáveis pelo Proálcool, que estabeleceu oficialmente o aumento do percentual de álcool anidro misturado à gasolina, enquanto o hidratado era destinado a veículos com motores desenhados para funcionar exclusivamente com esse tipo de combustível. “A ação do governo federal na época foi tão interessante e criativa que hoje está sendo acompanhada pela política energética de muitos países. Ao determinar o aumento percentual de álcool na mistura da gasolina, por consequência incentivou a criação de mercado para o combustível. Esse foi o segredo do lançamento do etanol”, explicou o professor Goldenberg.
“Em 1985, com o fim da crise do petróleo, a gasolina ficou barata e os donos das destilarias se desinteressaram pela produção de álcool”, lembrou o professor Goldenberg. A partir da década de 90, o preço da gasolina despencou a ponto de os dirigentes usineiros limitarem a produção das destilarias apenas para o abastecimento da frota de pouco mais de cinco milhões de carros a álcool hidratado, fabricados entre o lançamento do Proálcool, em 1975, e o ano 2000. No decorrer desse período, o programa substituiu por etanol anidro entre 1,1% e 25% do total da gasolina queimada por mais de 10 milhões de veículos. Com isso, nesse intervalo de 25 anos, a atmosfera foi poupada da emissão de 110 milhões de toneladas de carbono, além de evitar a importação de aproximadamente meio bilhão de barris de petróleo, gerando uma economia de US$ 12 bilhões. “O Proálcool capengou, mas a produção ainda se manteve entre 1997 e 2003”, afirmou Goldenberg.
Em 2003, com a introdução dos motores flexíveis (movidos a gasolina, etanol ou com a mescla dos dois combustíveis), o consumo de álcool ganhou novo alento e a simpatia dos consumidores. Atualmente, os motores flex dominam a produção nacional de veículos de passeio e comerciais leves, sendo preferidos em mais de 75% dos emplacamentos, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
O professor Goldenberg observou que a terceira onda de desenvolvimento do programa começa agora, quando as questões ambientais são preocupantes e as atenções se voltam para o biocombustível. “Com a diferença que, se antes o Brasil estava sozinho, agora existem outros países que também produzem, mesmo não sendo tão eficientes.”
Três décadas após o lançamento do programa, a nova escalada que poderá transformar o país em superpotência energética não é mais um projeto governamental que visava a reduzir a dependência de importações. O panorama conjuntural contemporâneo é bem diferente. A crise energética não é mais provocada por artifícios políticos, mas é uma ameaça concreta, pelo equilíbrio instável entre oferta e demanda global. As flutuações também se condicionam à capacidade de refino, que opera no limite, sem ociosidade. Portanto, caso aumente o consumo de um dos derivados de petróleo – óleo, combustível ou gasolina –, esse acréscimo repercutirá em toda a cadeia, em efeito dominó. Entre outros motivos, por isso, o etanol começou a transtornar a indústria petrolífera: a previsão é de que dentro de no máximo duas décadas a produção do biocombustível pelo menos quadruplique em relação aos níveis atuais, influenciando a precificação da gasolina.
Mercado protecionista – Com a propagação das análises econômicas antevendo o Brasil como superpotência energética dos biocombustíveis, uma enxurrada de críticas de entidades ambientalistas e sociais reverberou que a produção de energia alternativa em grande escala incentivaria a monocultura da cana-de-açúcar, em detrimento da agricultura alimentar, que teria seu custo e a sua dependência de multinacionais ampliados. Contemporaneamente, a extensão das terras para cultivo de alimentos é cem vezes maior que o total para as matérias-primas dos biocombustíveis: perto de dez milhões de hectares em todos os continentes são empregados em plantações de milho, soja, trigo e outros produtos alimentares.
Por enquanto, o etanol brasileiro da cana-de-açúcar, o de milho nos Estados Unidos e o de beterraba na Europa, juntos, somam o equivalente energético igual a aproximadamente 1% dos gastos globais com petróleo. A produção europeia de etanol é insignificante e, por não possuir áreas de cultivo, também não tem perspectivas de aumento da produção. A saída estaria no incremento da produção de etanol da cana-de-açúcar em países não-industrializados, onde há terras disponíveis e o crescimento da produção agrícola é possível.
Para Goldenberg, entre os países em desenvolvimento capazes de expandir seus plantios, o único que poderia configurar as condições de competidor do Brasil seria a Índia, ainda assim limitadamente. “Mas toda essa discussão tem um componente de proteção de mercado, incluindo as barreiras alfandegárias altas”, analisou. O professor observa que as críticas ambientalistas e sociais no fundo estão apenas servindo para um objetivo de concorrência comercial: “Porque o etanol brasileiro é barato e a cana-de-açúcar é uma matéria-prima melhor e mais produtiva sob todos os aspectos em relação a outros insumos, incluindo a beterraba europeia e o milho norte-americano”, explicou.
Afinal, para Goldenberg, apesar das críticas e dos ciclos altos e baixos do programa brasileiro de bioenergia, a partir de agora, deverão se verificar aumentos de produtividade, com mais etanol produzido por hectare. Além disso, a comunidade científica está empenhada em desenvolver novas tecnologias para gerar etanol de celulose.