Biocidas – Cresce oferta por substitutos de liberadores de formol
Parecem ainda muito sutis as mudanças na conjuntura que há tempos inibe o uso mais intenso, no Brasil, de biocidas para tintas ambientalmente mais sustentáveis. Livres de restrições por falta de uma regulamentação adequada, segue fácil o acesso a modalidades ambientalmente agressivas desses produtos – porém, baratas e eficazes –, e se mantém exacerbada uma competitividade própria para reduzir as margens de lucros das empresas desse mercado e, consequentemente, suas verbas para pesquisas. Há até quem note o retorno, nesse gênero de aplicação, de produtos aparentemente relegados ao passado, como o formol inibido.
Mantém-se, porém, enfático o discurso do setor sobre a necessidade de desenvolvimento de produtos mais amigáveis ao meio ambiente, mesmo porque, embora no Brasil as multinacionais fabricantes de tintas ainda aceitem produtos já recusados em outros países, elas devem consolidar políticas globais de uso de insumos. Além disso, é crescente o cerceamento internacional a biocidas em cujas fórmulas apareçam alguns dos componentes qualificados como mais danosos à vida no planeta.
Nessa busca por produtos mais sustentáveis, destaca-se hoje a oferta de substitutos para os liberadores de formol, no Brasil quase onipresentes nos bactericidas destinados a manter intacta a tinta nas latas (proteção in can). Combinados com moléculas do grupo das isotiazolinonas – em maior escala, a chamada combinação CMIT/MIT, clorometil e metil isotiazolinona –, esses doadores de formol ajudam a assegurar determinado tempo de vida útil às tintas, especialmente para aquelas produzidas com a água como base, hoje amplamente hegemônicas entre as tintas imobiliárias, e em expansão em outros segmentos desse mercado.
A Arch, de origem norte-americana, que no Brasil mantém uma planta de biocidas em Salto-SP, esforça-se para ampliar os negócios com substitutos para os liberadores de formol, muitos deles também isotiazolinonas. É o caso da benzoisotiazolinona e da clorometilisotiazolinona (ambas moléculas mais nobres desse grupo).

No mercado nacional, explica Fabio Couto Forastieri, gerente de vendas da Arch no Brasil, os doadores de formol são ainda usados em larga escala porque, além de não haver restrições legais a seu emprego, constituem produtos extremamente eficazes, embora ambientalmente agressivos. “Mas no exterior já há restrições a seu uso, e isso deve chegar também ao Brasil”, prevê.
Na opinião de Forastieri, deve crescer o aproveitamento de biocidas mais sustentáveis também no segmento ligado à película seca (dry film), cujos produtos conferem proteção fungicida e algicida – e em alguns casos também bactericida – ao filme de tinta já aplicado e curado. “Nesse caso, destaco o piritionato de zinco, já bastante aplicado na indústria de cosméticos para controle de caspa, e em início de utilização no segmento das tintas, ao qual confere proteção contra fungos, algas e bactérias superficiais”, exemplifica.
Inteligência e conscientização – “A busca por sustentabilidade favorecerá também o uso de polímeros, mais pesados e mais estáveis que as moléculas atualmente em uso”, projeta Luiz Wilson Pereira Leite, diretor de marketing e negócios internacionais da Ipel. Ele conta que a empresa desenvolveu um biocida obtido do polímero PMHG (polihexametileno guanidina), ainda não colocado diretamente em tintas por questões relativas a custos, mas já empregado por seus fabricantes na desinfecção dos equipamentos e das plantas produtivas.
Base desse polímero, as guanidinas, destaca Leite, “em função de sua baixa toxicidade constituem campo hoje importante para a pesquisa de biocidas”. Agora, ele prossegue, a Ipel prepara o lançamento de um biocida não sintético, desenvolvido com extratos vegetais naturais, inicialmente aproveitados em setores como cosméticos e produtos de limpeza. “Mas ele pode ser utilizado também em tintas, o único obstáculo atual para esse uso é seu custo.”
De acordo com Leite, outra ênfase da atual busca dessa indústria pela sustentabilidade é a substituição do cloro, não mais aceito em segmentos específicos do mercado de tintas, especialmente naqueles cujos produtos têm contato mais direto com a pele dos usuários, como guaches e tintas infantis. “Esses produtos também não contêm mais nenhum formol, substituído por versões mais nobres das isotiazolinonas”, complementa o diretor da Ipel.
Se já há biocidas totalmente isentos de formol, existe também quem perceba o regresso do formol inibido em formulações de biocidas: caso de Karina Zanetti, assistente técnica da Miracema-Nuodex, para quem o retorno ao uso dessa substância – aparentemente banida em prol dos mais estáveis liberadores de formol – constitui “uma regressão”.
Na Miracema-Nuodex, conta Karina, a busca por produtos mais sustentáveis foca o desenvolvimento de “biocidas inteligentes”, compostos por ativos de menor toxicidade, passíveis de uso em quantidades menores, e com atuação mais especificamente direcionada aos micro-organismos aos quais devem combater.

Também a Clariant busca hoje desenvolver biocidas simultaneamente mais eficazes, com concentrações mais otimizadas, com baixa toxicologia e baixo VOC. Nesse processo, “a Clariant atualmente foca algumas substâncias ativas para algicidas, bactericidas para dry film, e principalmente ativos em base aquosa, eliminando os glicóis das fórmulas”, conta Marcia Rios, gerente de industrial application da empresa para a América Latina.
Mas é necessário ainda, lembra Luis Gustavo Ligere, coordenador regional de vendas da Lanxess, conscientizar os usuários dos biocidas sobre os modelos de atuação mais sustentável: “Buscamos hoje mostrar a eles que não basta apenas preservar o produto final, é necessário trabalhar todo o processo, pois isso também diminui a necessidade de uso de ativos.”
Busca por normas – Embora continuamente alardeado, o discurso da sustentabilidade ainda não motiva os clientes a pagar a mais por biocidas para tintas ambientalmente menos nocivos. “Ainda não existe a conscientização dos produtores de tintas para o uso de moléculas altamente agressivas, como o formol”, afirma Marcia.
Ridnei Brenna, diretor-geral da Thor Brasil, tem opinião similar. A empresa apresenta ao mercado tanto as tecnologias avançadas quanto as mais comoditizadas e também mais agressivas. Geralmente o custo menor torna essas últimas as opções preferidas pelos clientes.
Para comprovar essa afirmação, Brenna recorre à tecnologia de encapsulamento dos ativos fungicidas e algicidas, capaz, segundo ele, de conferir melhor desempenho tanto nos quesitos relacionados à eficácia do produto quanto nos aspectos ambientais.
Oferecida por sua empresa há cerca de quatro anos, aqui essa tecnologia é ainda aproveitada apenas em segmentos muito específicos do mercado de tintas, por exemplo, nas destinadas a ambientes extremamente úmidos.
No Brasil, prossegue Brenna, algumas tintas nem usam biocidas. Tal situação deverá ser alterada após a conclusão do processo de normatização que está sendo desenvolvido pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas (Abrafati) e pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Essa normatização definirá parâmetros mínimos de qualidade e isso ampliará a necessidade de biocidas”, crê Brenna.

Já existem cinco normas da ABNT relacionadas à análise microbiológica de tintas, algumas delas diretamente relacionadas a biocidas. Outros dois projetos de norma relacionados ao tema estão em discussão (os dois últimos do Quadro 1). Nas normas atuais, os biocidas são abordados apenas nos aspectos relacionados às metodologias de análises, mas o processo de revisão deve incluir também especificações.
No caso da resistência de tintas aos micro-organismos, a primeira garantia, diz Gisele Bonfim, gerente técnica e de meio ambiente da Abrafati, deve se referir à proteção da tinta na embalagem. “Depois, precisaremos garantir a resistência do filme seco ao ataque de micro-organismos”, detalha Gisele.
Ainda não há um cronograma definido para o estabelecimento das especificações relativas a biocidas. “Mas esse é um insumo extremamente importante. Mesmo com uma formulação muito boa, a tinta poderá sofrer deterioração caso não conte com a preservação adequada. As tintas base água constituem meio muito propício ao ataque de bactérias”, salienta Gisele.
As normas, diz a gerente técnica, fazem parte de um amplo esforço desenvolvido pela Abrafati no âmbito do Programa Setorial da Qualidade – Tintas Imobiliárias, para criar parâmetros claros, confiáveis e científicos para a avaliação dos produtos. A norma NBR 15079, revisada recentemente, é o principal exemplo e uma das bases desse programa, voltado para o aprimoramento da qualidade das tintas: ela estabelece uma classificação das tintas imobiliárias em três níveis, conforme o cumprimento de requisitos mínimos relacionados ao poder de cobertura de tinta seca e de tinta úmida, à resistência e à abrasão.

Combinações sinérgicas – É caro, e depende de processos cada dia mais trabalhosos, o lançamento de um novo ativo biocida. Por isso, as empresas do setor privilegiam combinações sinérgicas dos ativos já existentes no desenvolvimento de seus produtos.
Apesar disso, em meados deste ano, a Dow lançará um novo ativo para biocidas destinados a tintas, afirma Ricardo Pedro, especialista em atendimento ao cliente da Dow Microbial Control. “Será um ativo inteligente, multiperformance, com espectro de atuação mais amplo na área de controle microbiológico”, afirma, sem dar mais detalhes.
A própria Dow, admite Pedro, também busca combinar de maneira mais eficiente os ativos disponíveis, testando as várias possibilidades de formulações e concentrações, as distintas formas físicas – por exemplo, com partículas maiores ou menores –, diferentes modelos de apresentação (líquido, pó, dispersão, ou microcápsulas). “Temos uma ampla gama de ativos, desde os mais comoditizados até os especiais”, afirma.
Combinações entre ativos já desenvolvidos compõem o caminho para a evolução tecnológica do setor considerado mais viável também por Karina Zanetti. “Com blends é possível obter biocidas com amplo espectro de ação, e a sinergia entre os ativos otimiza ainda sua eficiência”, ressalta a assistente-técnica da Miracema-Nuodex, empresa cujo portfólio inclui grande variedade de ativos para as mais diversas funções biocidas.

Também a Troy disponibiliza leque bastante amplo de biocidas; entre eles, alguns elaborados com a molécula IBPC (iodopropilbutilcarbamato), por ela criada. Não mais resguardada por patente, essa molécula rendeu à Troy posição de destaque no segmento das tintas com base solvente, que em alguns casos têm também água e polissacarídeos em suas fórmulas – e então empregam esse biocida com ação fungicida –, e nos chamados stains, mais aplicados sobre madeira, por exemplo, em janelas e decks de piscinas.
Carlos Alberto Gonçalves, diretor de negócios da Troy Brasil, também percebe o início de demanda, no mercado nacional, por biocidas totalmente isentos de formol, com baixos índices de VOC. “Isso não existia há três anos”, ele afirma.
Outras possibilidades – Combinações capazes de render biocidas com índices satisfatórios de eficácia sem custos muito elevados hoje proliferam não apenas no segmento dos protetores in can, mas são objetos de pesquisas também para proteção contra fungos e algas. “Exemplo de blend mais empregado como fungicida é a combinação entre carbendazim – já com algumas restrições internacionais – e a octilisotiazolinona, ou com a molécula mais nobre do piritionato de zinco”, informa Forastieri, da Arch. “Com esse blend, consegue-se um produto razoável a custo acessível.”
Nesse mesmo segmento dos fungicidas, a Troy começa a trabalhar mais enfaticamente um produto destinado a enfrentar concorrentes feitos de sais de prata, dirigidos ao segmento das chamadas tintas higiênicas, oferecidas em escala crescente com a promessa de maior eficácia contra micro-organismos em espaços onde é maior essa preocupação, como clínicas e hospitais.

Baseado em benzoisotiazolinona imobilizada, capaz de liberar gradativamente o ativo biocida, esse produto une eficácia com custo mais acessível, em relação aos sais de prata. “Devemos fechar este ano a primeira venda no Brasil desse biocida patenteado pela Troy”, adianta.
Na Ipel, há ao menos um produto cuja fórmula contém os sais de prata com os quais a Troy planeja concorrer. Destinado a paredes hospitalares e a superfícies como a fórmica, ele mescla metilisotiazolinona com nanopartículas de prata. O uso da nanotecnologia ainda é, porém, questionado nesse setor. “Não usamos esse apelo em tintas, isso ainda exige mais estudos, até porque nanotecnologia refere-se a partículas capazes de potencializar qualquer problema de penetração na pele”, destaca Pedro, da Dow.
Leite, da Ipel, reconhece a impropriedade da nanotecnologia para produtos destinados à aplicação direta sobre a pele humana (cosméticos, por exemplo). “Mas, considerando-se a eficácia proporcionada por ela nas aplicações para as quais disponibilizamos esse produto, os nanomateriais são muito interessantes”, argumenta.
Na opinião de Leite, os provedores de biocidas para tintas não desenvolvem atualmente muitos novos ativos não apenas por questões financeiras, mas porque a indústria do agronegócio – origem de muitos de seus atuais insumos – expandiu sua atuação para outros campos de pesquisas (caso dos produtos transgênicos). “Atualmente, a indústria farmacêutica se tornou uma provedora importante de ativos para a indústria de biocidas”, comenta.
Atenção às oportunidades – Nichos específicos, distintos daqueles nos quais a demanda privilegia produtos mais comoditizados, recebem mais atenção dos produtores de biocidas para tintas. Entre eles, aparecem os produtos destinados a evitar a proliferação de micro e macro-organismos em embarcações, plataformas e outras estruturas projetadas para o ambiente marinho. Conhecidos pela denominação genérica de craca, em navios esses organismos exigem custosos processos periódicos de manutenção, pois reduzem sensivelmente o desempenho, e aumentam o consumo de combustível.
Nos períodos críticos, “as cracas podem elevar o consumo de combustível em algo entre 20% e 30%”, explica Pedro. Na Dow, o segmento dos produtos antifouling inclui uma linha de ativos microencapsulados que, de acordo com o especialista, “apresenta liberação gradual e sob demanda dos ativos, assegurando eficácia adequada em mínimas concentrações”.

Pedro Bojaca, gerente de vendas da Lanxess na América Latina, também aponta o segmento dos produtos antifouling como campo de negócios promissor para a indústria de biocidas para tintas. “A exploração do pré-sal e a crescente importância de novos portos – como Suape, em Pernambuco – devem fortalecer esse segmento”, justifica.
Há ainda a possibilidade de atendimento de necessidades diferenciadas da simples proteção do produto, qualificadas por Pedro, da Dow, como “demandas intangíveis”. Associadas a conceitos como saúde e bem-estar, tais demandas abrem espaço para artigos como tintas sem cheiro, que exigem biocidas totalmente isentos de formol, e também as tintas higiênicas ou antimicrobianas, por enquanto utilizadas no Brasil especialmente em ambiente hospitalar, mas com potencial de expansão para o ambiente doméstico.
As antimicrobianas, como explica Pedro, geralmente combinam a proteção no filme seco de um fungicida e de um bactericida, que não é o mesmo empregado na proteção in can, pois, enquanto esse último deve ser solúvel, o destinado à película não pode ser. “Em outros países da América Latina, como Argentina e Chile, alguns de nossos clientes já usam esse apelo da tinta antimicrobiana”, conta Pedro.
Karina, da Miracema, também cita as tintas higiênicas como segmento capaz de ampliar os negócios do setor. Vê potencial ainda nos esmaltes sintéticos, utilizados em aplicações industriais e em determinados segmentos das tintas imobiliárias (por exemplo, aquelas próprias para portas e janelas). “Alguns fabricantes desses produtos já usavam biocidas – especialmente fungicidas –, mas sinto haver hoje aumento nessa demanda”, informa.
Há também, complementa Brenna, da Thor, espaço em segmentos como as tintas específicas para espaços como cozinhas e banheiros, e nas chamadas tintas de litoral, cuja utilização em locais próximos ao mar requer doses mais elevadas de fungicidas e algicidas. Apesar de ser ainda pequeno o interesse comercial por esses produtos, a indústria de biocidas presente no Brasil segue a tendência internacional de promoção da sustentabilidade, mudando as formulações de base solvente para base água, com ativos de menor toxicidade e baixos índices de VOC. “Um mercado consumidor mais exigente e uma legislação mais rigorosa poderiam acelerar este processo”, ele finaliza.
[box_light]Leia também: Biocidas – Imobiliárias lideram a demanda [/box_light]