Bens de Capital: Máquinas nacionais carecem de tecnologia e escala
Um setor na área de risco é o de bens de capital. Fortemente atingidos pela abertura comercial da década de 90, até hoje os fabricantes nacionais não se recuperaram do assédio estrangeiro e o vislumbre de uma liberalização ainda maior, pela entrada na Alca junto às possíveis negociações engendradas com a União Européia, seria para eles uma catástrofe. Com déficit médio anual, desde 1995, de cerca de US$ 4 bilhões, o setor não se reestruturou o suficiente para competir com estrangeiros no mercado interno e tampouco possui escala para se tornar exportador importante. Não é por menos que os estudos da Unicamp e do Ministério do Desenvolvimento recomendam que a redução tarifária para a indústria de bens de capital não ocorra em prazo inferior a 15 anos.
Na concepção do estudo, a única forma de promover o avanço da indústria de bens capital é por meio da intervenção estatal direta. Esse foi o meio utilizado por países em desenvolvimento, como Coréia do Sul, Taiwan, China e México, para enfrentar produtores mais complexos e modernos, concentrados nos Estados Unidos, Japão e na Europa (especialmente Alemanha e Itália). Já no Brasil, depois que muitas barreiras, como as do ex-tarifários, foram sendo eliminadas ou restringidas, o que se viu foi uma perda de mercado violenta pelos fabricantes nacionais. Em 2000 a produção nacional equivalia a apenas 60% do valor atingido em 1980. Se nada for feito, o setor corre sério risco de ser “engolido” quando houver tarifação zero.

Para se ter uma idéia da gravidade da situação, ao contrário de outros setores mais competitivos, como o siderúrgico e o agrícola, o de bens de capital sequer sofre com barreiras comerciais, tarifárias ou não. Com os Estados Unidos, o Brasil possui acordo de preferência que reduziu a alíquota a zero para as exportações de máquinas brasileiras àquele país. Com a Europa, é um pouco maior, mas mesmo assim restringe-se a ínfimos 2%. Nem assim foi suficiente para fazer o País vender aos mercados desenvolvidos, tamanha a defasagem tecnológica e a falta de escala nacionais.
Abimaq reage – Para tentar corrigir as deficiências e enfrentar a perspectiva sombria, além dos alertas e propostas do estudo da Unicamp, também a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) preparou complexo perfil do setor para servir de base a uma política industrial. Em 2002, em vários seminários e com o auxílio de consultorias especializadas, a Abimaq estudou os 20 sub-setores abrigados pela entidade e produziu um documento chamado “Rumos da Competitividade: Uma Política Industrial para o Setor de Máquinas e Equipamentos”, entregue antes da posse do novo governo, à equipe de transição. “É a primeira vez que realizamos um estudo com tamanha profundidade e com a participação de todas as empresas”, afirmou o presidente da Abimaq Luiz Carlos Delben Leite.
A política industrial proposta pela Abimaq parte da chamada concepção evolucionista. Este conceito apregoa que o desenvolvimento decorre de alterações no padrão de especialização tecnológica e produtiva, por meio das quais torna-se possível a superação de defasagens econômicas de um país em relação à fronteira mundial. A ação pública pretendida deve explorar novas oportunidades, fomentando a busca por inovações e a promoção do aprendizado. Da mesma forma que o estudo da Unicamp, a Abimaq também dividiu os sub-setores conforme o nível de competitividade: os competitivos; os competitivos com predominância de multinacionais; os promissores; os intermediários; e os passíveis de reestruturação.
O trabalho apresenta extensa dissertação para explicar o papel do Estado esperado pela associação. Para começar, pede medidas de curto prazo, por meio de uma mudança estrutural que vise aumentos de produtividade e de qualidade nas linhas de produtos existentes e diversificações dos fabricantes para segmentos mais nobres. Nesse leque de medidas, a Abimaq aconselha a criação de programas de qualidade e produtividade, políticas de normalização, estratégias de abertura e desregulamentação dos mercados, esquemas de suporte e transferência de tecnologia ao setor empresarial por meio de institutos de pesquisa, entre outras ações. Essa mudança para o curto prazo, que o estudo define como indutora de eficiência, teria como conseqüência, no longo prazo, a maior competitividade internacional dos fabricantes brasileiros.
Embora os pleitos pareçam injustos, visto que os governos anteriores criaram estratégias de aumento de competitividade industrial, um argumento apresentado pelo estudo parece convincente. Fundamentalmente, as políticas adotadas na década de 90, para modernizar a indústria no curto prazo, se basearam na exposição abrupta à competição internacional. Quem foi rápido para agir, sobreviveu. Os demais quebraram ou tiveram que passar por períodos difíceis. “Em geral, as últimas políticas relegaram ao segundo plano a capacitação tecnológica, deixando a indústria desamparada”, afirmou Delben Leite.
O desenvolvimento tecnológico, no estudo da Abimaq, ganha caráter importante num plano de política industrial. Para começar, são reivindicados instrumentos clássicos de fomento: financiamento, incentivos creditícios e fiscais às atividades de pesquisa e desenvolvimento, programas mobilizadores, uso de políticas de compras, entre outros. No caso de incentivos fiscais para pesquisa, o documento chega a pedir aperfeiçoamentos em programas já existentes, como a ampliação de limites de dedução de despesas em pesquisa e a desburocratização nos pedidos de financiamento ao Programa de Desenvolvimento Tecnológico na Indúsria (PDTI).
Outra reivindicação da Abimaq é a de criar pólos de tecnologia regionais (clusters), que envolveriam a criação ou fortalecimento de institutos de pesquisa locais e políticas para a junção de empresas de mesmos segmentos em determinadas regiões. Há no estudo até uma tabela que indica, por Estados, as possibilidades de criação dos clusters. Na Bahia, por exemplo, poderia se criar um de máquinas para plásticos e ferramentaria e modelação; em Minas Gerais, de máquinas para indústria alimentícia; no Paraná, máquinas para madeira e para alimentos; no Rio Grande do Sul, de máquinas agrícolas, beneficiamento de couro e máquinas-ferramenta; e em São Paulo, vários deles: agrícolas, alimentos, bombas, válvulas, etc.
A política industrial norteada pela Abimaq também inclui isenção de impostos. A proposta é pela extinção do IPI sobre máquinas e equipamentos, medida adaptada no período de 1995 a 1998. De acordo com a entidade, a incidência do imposto contraria um princípio válido em todo o mundo: bens de capital não devem ser onerados, em razão de seu efeito multiplicador na economia do país. O maior problema do IPI é que ele não pode ser repassado aos adquirentes, como no caso do ICMS, onerando ainda mais os bens de capital. Um outro aspecto negativo desse imposto: o aumento das taxas nos últimos anos.
Mas as críticas também recaem sobre o ICMS. Para começar, a desoneração do imposto na forma de repasse do crédito para os compradores (Lei Kandir) foi anulada pelo diferimento da devolução do ICMS determinada pela lei complementar de 2000. Outro problema diz respeito à eliminação da incidência do imposto sobre a exportação de produtos primários e semimanufaturados, numa negociação entre governo federal e Estados. Quando empresas exportam além de certos limites, geram créditos acumulados que devem ser ressarcidos pelos governos estaduais. Mas, para variar, o ressarcimento não tem sido honrado por vários Estados.
Há também queixas com relação à dificuldade na recuperação do crédito do ICMS pago em estágios anteriores da cadeia produtiva. Além disso, pequenas empresas exportadoras também acusam uma certa dificuldade em recuperar o valor pago. O pleito é efetivar de fato os incentivos referentes ao ICMS.
O estudo da Abimaq chega ao ponto de pedir reformulações na operação de instituições como BNDES e Sebrae. Do primeiro, por exemplo, a Abimaq pede financiamento de capital de giro, pelo Finame, para compra de máquinas e facilidades nas garantias de operações com importadores.
Também considera imprevisíveis as liberações da linha Finame Industrial, em virtude das exigências rigorosas (certidões negativas do INSS, FGTS e tributos federais), válidas para empresas de qualquer porte. Do Sebrae, o estudo aconselha que passe a ter papel de consultoria em programas de intermediação de tecnologia.
Essa “nova função” do Sebrae, aliás, seria apenas a parte de rearranjo institucional proposto pelo estudo, cujo principal objetivo seria dar ao governo federal a responsabilidade de fortalecer a base tecnológica nacional, visando principalmente as indústrias médias e pequenas. Baseando-se em iniciativas européias e norte-americanas, a Abimaq sugere a criação de programas de extensão industrial. Pela idéia, o governo deveria criar uma rede de modernização desse tipo de empresa, com técnicos próprios contratados, que se encarregariam não só de treinamentos como de assistência técnica para novas tecnologias empregadas. Um exemplo citado ocorre no Estado da Geórgia, nos EUA, onde um instituto tecnológico estatal, com 26 engenheiros de campo, fornece 15 dias de assistência para aumento de produtividade e inovação tecnológicas a várias empresas daquele Estado. Apenas no ano de 1988, o instituto atendeu a 960 solicitações.
As mudanças necessárias para o setor não param por aí. Para o estudo do Instituto de Economia da Unicamp, que também considera importante o envolvimento estatal na capacitação tecnológica, é de suma importância uma reestruturação patrimonial das empresas. Elas precisariam ser desverticalizadas, tornando-se montadoras, e ter suas gestões familiares profissionalizadas. Esses processos poderiam ser financiados pelo BNDES, com risco de crédito do próprio banco. Isso seria apenas o início de uma longa jornada para conferir condições de sustentação do setor frente à Alca ou à União Européia, (esta com fabricantes ainda mais competitivos).