Couro: Universidade recupera cromo de resíduos de curtumes

Atualidades

Após dez anos de estudos técnicos, pesquisadores do departamento de engenharia química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conseguiram apontar alternativas para o reaproveitamento do óxido de cromo proveniente da incineração dos resíduos industriais sólidos dos curtumes e das indústrias de calçados e acessórios do Vale dos Sinos, a 70 quilômetros de Porto Alegre.

As pesquisas já consumiram R$ 2 milhões destinados pelas agências oficiais voltadas à ciência e tecnologia. O custo final deverá chegar a R$ 2,5 milhões, quando todo o projeto estiver concluído em torno dos dois próximos anos.

Os resultados foram apresentados, em julho, na reunião da Associação Brasileira de Engenharia Química (Abeq)em Porto Alegre.

A primeira etapa da pesquisa começou em 1997, em reações de bancada e posteriormente na montagem da primeira unidade-piloto para incineração de pó de couro de curtumes e aparas da indústria de calçados na cidade de Dois Irmãos, a 60 quilômetros de Porto Alegre (ver QD-434).

A idéia inicial era incinerar os resíduos que iam para o aterro de resíduos industriais perigosos (Aripe), localizado na região, ocupada por centenas de indústrias de calçados e afins, além de curtumes.

Nesta segunda fase, recentemente concluída, os pesquisadores descobriram como transformar o óxido de cromo presente nas cinzas do incinerador em sulfato de cromo, empregado para o curtimento do couro, para permitir a reciclagem do metal.

Conforme afirmou o coordenador do Laboratório de Processamento de Resíduos da UFRGS, Nilson Romeu Marcílio, engenheiro químico e responsável pelo Projeto de Incineração de Resíduos do Setor Coureiro-Calçadista, as experiências foram realizadas em três rotas de reações químicas.

Às indústrias interessa mais o cromato de sódio, onde com adição de glicose e ácido sulfúrico ocorre a conversão em sulfato de cromo.

A rota A ocorreu com fusão das cinzas com carbonato de sódio a 1.200°C (por 60 min., grau de oxidação do Cr = 99,5%). Contudo, explica Marcílio, a temperatura foi considerada muito alta e ocorreu excesso de carbonato de sódio. Não era vantajoso.

Na alternativa B, na oxidação do cromo das cinzas usaram hidróxido de sódio (NaOH) em excesso em forno a 700°C(fusão alcalina das cinzas com NaOH por 22 min., grau de oxidação do Cr = 82,4%).

Também era um processo caro e perigoso porque usava metanol para recuperar a soda.

Na rota C, queimando o óxido de cromo com nitrato de sódio NaNO3 também se obteve o cromato de sódio (fusão das cinzas com NaNO3 a 900ºC, por 90 min, grau de oxidação do Cr = 85,2%).

Finalmente, a rota C foi considerada economicamente viável.

Por meio de uma simulação financeira, foi projetado um faturamento líquido anual de R$ 11 milhões, considerando a venda de sulfato básico de cromo a R$ 1,20/kg (o valor mais baixo no mercado é R$ 1,61/kg).

O custo da matéria-prima anual para as empresas participantes da pesquisa é de R$ 4,7 milhões e o custo operacional anual, R$ 1,65 milhão.

Portanto o lucro operacional seria de R$ 4.650.000,00 num período de um ano e nove meses. Os curtumes importam todo o cromato de sódio consumido.

De acordo com Marcílio, uma quarta rota de pesquisa, denominada rota metalúrgica ou metálica, foi desenvolvida em parceria com o departamento de engenharia metalúrgica da universidade.

Nessa etapa D, os pesquisadores realizaram ataques químicos com o cromo em ferro e alumínio (Al-Cr e Fe-Cr), em temperatura entre 1,2 mil e 1,7 mil graus Celsius.

O estudo demonstra ser a reutilização metalúrgica igualmente viável, porque o óxido de cromo das cinzas pode gerar 60% de sulfato de cromo, empregado na fabricação do aço inoxidável, por exemplo.

Na natureza, o minério de cromo detém apenas 40% da cromita, de onde se origina a matéria-prima.

A equipe de Marcílio chegou a testar o produto na Acesita.

Os técnicos da empresa gostaram do material, porém consideram a oferta de 10 toneladas por mês inexpressiva em relação às necessidades da empresa.

Como a Gerdau usa sucata, o aproveitamento em siderurgia não é interessante por enquanto.

No entanto, assegura Marcílio, as ligas de cromo alcançam níveis de resistência térmica e mecânica altíssimos, e se prestariam à usinagem de engrenagens com alto poder de atrito e até peças inteiras de armas de fogo, uma vez que a temperatura de fusão chega a 1,7 mil graus Celsius.

Agora, os pesquisadores entram na terceira etapa da pesquisa: converter o calor gerado no incinerador em energia elétrica.

Para isso, já contam com a liberação de verbas da Finep e um prazo de dois anos para concluírem a empreitada.

O incinerador montadoem Dois Irmãosé basicamente um reator com uma câmara de gaseificação e outra de combustão, lavadores de gases, abate de particulados, neutralizador de gases ácidos e chaminé.

Quando o projeto estiver concluído, a planta-piloto terá recebido junto à câmara de combustão um sistema de caldeiraria e um turbocompressor para converter o calor da queima em energia elétrica. Posteriormente, um novo sistema de eliminação de gases será construído com a montagem de ciclones e lavadores.

O projeto ficará completo com a modelagem matemática da câmara de gaseificação após a instalação da unidade termelétrica e a modelagem da câmara de combustão.

A modelagem irá exigir softwares e compra de computadores para instalação de estações de trabalho.

Nessa fase, há uma parceria entre a UFRGS e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

À Federal caberá produzir a modelagem da câmara de gaseificação. A instituição católica fará os cálculos da câmara de combustão.

Material de sobra– O Vale dos Sinos enterra 200 mil toneladas/ano de lixo industrial, sendo que 120 mil t provêm da cadeia produtiva do couro.

Com essa queima, explica Marcílio, poderão ser eliminadas enormes quantidades de passivos ambientais.

Ele revela que existem diversos pedidos na Fepam (Fundação Estadual de Amparo Ambiental) por parte de empresários interessados em adquirir a tecnologia em caráter comercial.

No entanto, o organismo está demorando na análise dos requerimentos de licenciamento.

A licença atual é apenas para a operação-piloto, mas, conforme Marcílio, o reator já funcionou mais de 2 mil horas e todas as medições realizadas mostraram que trata- se de um sistema seguro, confirmado por auditorias independentes.

O professor lamenta que um trabalho de ciência e tecnologia realizado com dinheiro público, que envolveu cinco dissertações de mestrado, encontre dificuldades para ser aceito em escala industrial em substituição aos aterros de resíduos perigosos.

Segundo ele, enquanto o governo gaúcho não dá resposta no sentido de liberar esse tipo de equipamento, outros governos, como o de Minas Gerais, estão montando projetos com base na pesquisa realizada na UFRGS.

Como a verba vem do governo, justamente como forma de criar alternativas ambientalmente corretas, qualquer instituição bem intencionada no sentido de implantar o sistema dentro dos padrões técnicos exigidos pode apresentar o seu projeto.

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Marcílio obteve nitrato de cromo a partir das cinzas

“Todas as emissões, até mesmo de dioxinas e furanos, estão abaixo dos índices estabelecidos pelo Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente)”, assegura Nilson Marcílio.

“O Sindicato das Indústrias de Calçados de Sapiranga já pediu licenciamento ambiental”, finaliza o pesquisador da UFRGS.

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