Artigo Técnico: Regulação e controle das substâncias químicas
Regulação e controle das substâncias químicas presentes em produtos sujeitos à Vigilância Sanitária

Controle e vigilância de substâncias químicas e a estruturação do sistema de vigilância no Brasil e no mundo
Os produtos sujeitos à Vigilância Sanitária foram relacionados pela Lei Federal N° 6360 de 23 de setembro de 1976, compreendendo as categorias de “Medicamentos, Drogas, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos”.
Desde a publicação outros produtos foram abrangidos pela vigilância sanitária disposta naquela Lei, e, mais adiante, por meio de outra Lei, a 9782 de 26 de janeiro de 1999, foi definido um Sistema Nacional de Vigilância Sanitária – SNVS e criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa como a agência responsável pela regulação daquelas categorias de produtos abrangidos pela Lei 6360/76.
Essa nova agência passa a ser o órgão do governo federal responsável pelo controle e pela vigilância/monitoramento dos produtos sujeitos à regulação sanitária e, consequentemente, controle e monitoramento das substâncias químicas presentes na composição de cada produto por ela regulado.
Uma das principais abordagens adotadas pela Anvisa para o controle das substâncias químicas candidatas a compor formulações de produtos sujeitos à vigilância sanitária, trata-se da análise e avaliação do Risco Sanitário, abordagem que tende a se alinhar com conceitos internacionais, como aqueles previstos pela Organização Mundial da Saúde – OMS. Para ilustrar, pode-se observar em uma das suas publicações o destaque para aquele princípio de análise do risco:
“Cada substância química é tóxica sob certas condições de exposição. Uma importante consequência é que para cada substância deve haver alguma condição de exposição que seja segura à saúde humana e ao ambiente, exceto as substâncias que podem causar câncer ou dano permanente ao material genético da célula – essas não são seguras em nenhum nível.
A principal proposta de avaliar o risco é determinar o nível de exposição a dada substância química, que pode não apresentar danos apreciáveis à saúde humana e a determinados ecossistemas.” (grifo nosso).
Neste contexto, para auxiliar as avaliações do risco sanitário, a Anvisa disponibiliza ao setor produtivo um conjunto de Normas que elencam testes e ensaios a serem executados, e cujos resultados devem suportar as formas de utilização sugeridas pelos fabricantes como sendo aquelas que garantem condições de exposição segura para cada substância química.
Durante o pedido de utilização de uma substância química específica ou regularização de um produto que a contenha, o fabricante deve submeter esses resultados à avaliação dos Especialistas em Regulação e Vigilância Sanitária que compõem o corpo técnico da Anvisa.
Importante destacar, que a agência reguladora prevê algumas situações onde a execução daqueles testes ou ensaios é dispensada para algumas substâncias químicas, e, por outro lado prevê também a restrição ou proibição do uso de outras substâncias nas formulações de produtos por ela regulados.

Ao se observar especificamente a coleção de Normas que regulam a categoria de produtos saneantes, importante produto principalmente durante a primeira fase do combate ao Coronavírus quando não havia vacinas disponíveis, verifica-se de forma clara a adoção do modelo de risco sanitário e aquelas situações específicas de dispensa de testes ou restrição e proibição de uso de substâncias químicas.
Por exemplo, para esta categoria de produtos, a resolução RDC nº 59, de 17 de dezembro de 2010, que dispõe sobre os procedimentos e requisitos técnicos para a notificação e o registro, elenca em seu Art. 6° os parâmetros que são verificados durante o processo de avaliação do risco sanitário:
“Art. 6º: Na avaliação e gerenciamento do risco são considerados:
I – toxicidade das substâncias e suas concentrações no produto;
II – finalidade de uso dos produtos;
III – condições de uso;
IV – ocorrência de eventos adversos ou queixas técnicas anteriores;
V – população provavelmente exposta;
VI – frequência de exposição e a sua duração; e
VII – formas de apresentação.”
De forma geral, observa-se neste artigo que o fabricante deverá apresentar os perigos associados às substâncias presentes na formulação, e os mecanismos para reduzir/minimizar os riscos, que incluem entre outros, a forma de apresentação do produto e indicações de uso.
Quanto às situações específicas de dispensa de testes ou restrição e proibição de uso de substâncias químicas, tem-se nos Art. 6° e 7º da resolução RDC n° 694 de 13 de maio de 2022, que dispõe sobre os critérios para a regularização de produtos de limpeza e afins, a proibição e a restrição de uso de algumas substâncias:
“Art. 6º: Não são permitidas nas formulações substâncias que sejam comprovadamente carcinogênicas, mutagênicas e teratogênicas para o homem segundo a Agência Internacional de Investigação sobre o Câncer (IARC/OMS) ou as substâncias proibidas pela Diretiva 67/548/CEE e suas atualizações, sendo toleradas somente como impurezas aquelas substâncias aceitas como tal por aquela Diretiva e suas atualizações.
Art. 7º: Fica restringido a produtos de uso profissional/industrial a utilização de HF, HNO3, H2SO4 e seus sais que os liberem nas condições de uso do produto.” (grifo nosso)
Outra resolução que prevê também a proibição de substâncias químicas trata-se da RDC n° 774 de 15 de fevereiro de 2023 que dispõe sobre as condições para o registro e a rotulagem de produtos saneantes com ação antimicrobiana. Em seu Art. 6º verificam-se as restrições de usos determinadas para algumas substâncias:
“Art. 6º: Somente são permitidos como princípios ativos de produtos saneantes com ação antimicrobiana, substâncias comprovadamente aceitas pela Environmental Protection Agency – EPA, Food and Drug Administration – FDA ou Comunidade Europeia.
Parágrafo único: Em caso de substâncias ativas que não atendam à condição estabelecida no caput deste artigo, devem ser apresentados os dados constantes no Anexo I desta Resolução.
Art. 26: Não são permitidos, na composição de desinfetantes hospitalares para superfícies fixas e artigos não críticos, os seguintes princípios ativos:
I – formaldeído;
II – paraformaldeído;
III – glutaraldeído; e
IV – glioxal.
Esta mesma resolução apresenta no seu Anexo I um conjunto de testes e ensaios previstos para inclusão de novas substâncias químicas com propriedades ativas na composição de saneantes com ação antimicrobiana:
ANEXO I
DADOS NECESSÁRIOS PARA AVALIAÇÃO DE NOVOS PRINCÍPIOS ATIVOS
1. Toxicidade aguda por via oral para ratos, com valores de DL50 e descrição dos sintomas observados;
2. Toxicidade aguda por via dérmica para ratos, com valores de DL50 e descrição dos sintomas observados;
3. Toxicidade aguda por via inalatória para ratos, com valores de CL50 e descrição dos sintomas observados;
4. Teste de irritação dérmica e ocular considerando os critérios estabelecidos nas respectivas metodologias internacionais para realização dos ensaios;
5. Teste de sensibilidade dérmica em cobaias;
6. Teste para verificação de mutagenicidade in vitro e in vivo;
7. Teste para avaliação do metabolismo e excreção, em ratos;
8. Teste para verificação de efeitos teratogênicos em ratos e coelhos;
9. Teste para verificação de efeitos carcinogênicos em duas espécies sendo uma de preferência não roedora;
10. Teste para verificação de efeitos nocivos ao processo reprodutivo, em ratos, pelo mínimo, em 2 gerações. Dependendo do caso, o órgão competente pode solicitar alguns dos dados abaixo relacionados:
a) Teste de toxicidade com doses repetidas diárias por via oral, dérmica e inalatória (14/21/28 dias) em camundongos, coelhos e ratos; e
b) Teste de toxicidade subcrônica (90 dias) por via oral, dérmica e inalatória em camundongos, coelhos e ratos.
Nota-se que tanto a RDC 694/2023 quanto a RDC 774/2023 demonstram aquele alinhamento com órgãos da saúde internacionais mencionado anteriormente.
Ao adotar restrições adotadas pelas diretrizes da Comunidade Europeia, do EPA e FDA dois órgãos regulamentadores norte-americanos a Anvisa se aproxima dos regulamentos internacionais.
Este pode ser um bom indicativo para os profissionais de pesquisa e desenvolvimento das empresas, quanto às tendências regulatórias quando se busca inovações tecnológicas.
Em tempo: outras Normas sanitárias trazem também especificidades quanto ao gerenciamento do risco sanitário frente às demais categorias de produtos saneantes.
O conjunto completo pode ser visitado no documento Biblioteca de Saneantes, disponibilizado pela Anvisa no sítio < https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/legislacao/bibliotecas-tematicas/arquivos/biblioteca-de-saneantes_portal.pdf>
A Participação do Setor Produtivo e Consumidor no sistema de Regulação Sanitária
Tanto o setor produtivo quanto a sociedade possuem formas de participação no processo de regulação sanitária.
A Anvisa disponibiliza alguns mecanismos para o incentivar a participação popular, como a realização de consultas públicas, reuniões de diálogos setoriais e audiências públicas, entre outros.
Entre estes mecanismos a chamada Consulta Pública (CP) pode ser considerada aquela que proporciona maior possibilidade dos diferentes setores, produtivo e consumidor, de participar da discussão para elaboração da redação final de uma Norma Sanitária.
Por definição, a CP trata-se do mecanismo para receber, por consulta prévia à sociedade, críticas, sugestões e contribuições sobre minuta de ato normativo da Anvisa.
A CP ocorre por meio de formulário eletrônico, aberto por período determinado e disponível a quaisquer interessados.
O resultado das contribuições é compilado e discutido para posteriormente gerar aquela redação final que será publicada no Diário Oficial da União, contemplando prazo para adequação das empresas.
Desafios do Sistema e possíveis medidas para avanços.
Vigilância sanitária é uma das mais complexas áreas da saúde, desta forma, seus desafios são inúmeros!
A Anvisa, como responsável pela regulação à que estão sujeitas as substâncias químicas presentes em formulações de produtos elencados naquela Lei 6360/76, por conceito, tem nesse processo de regulação visar a proteção da saúde, a prevenir e controlar riscos relacionados àquelas substâncias, bem como avaliar novas tecnologias.
Ao se observar que as substâncias químicas se equilibram em vetores que representam riscos, perigos e benefícios, é possível esperar que a harmonização de entendimentos entre os setores regulador e produtivo não seja tarefa muito imediata, principalmente quanto à aplicação das regras previstas nas Normas sanitárias.
Desta forma, propor fatores onde a resultante dos vetores tenda para sentido dos benefícios, pode tratar-se de um dos maiores desafios para a Anvisa e para o Sistema como um todo.
Desafio semelhante foi observado no processo de aprovação de vacinas e produção emergenciais de álcool na forma gel para o enfrentamento da Covid, onde a agência reguladora e o Sistema como um todo foram merecedores de elogios dada a velocidade de reação e adaptação/criação de regras, mesmo que temporárias!
Não muito distante, em grau de importância, outro grande desafio consiste nas possíveis revisões para modernização do estoque regulatório.
Vislumbra-se ali, a adoção de mecanismos que contemplem inovações tecnológicas ou modelos mais eficientes de negócios, sem negligenciar os aspectos de segurança.
Um caminho de sucesso foi a adoção do Programa de Estudos Experienciais, que consiste em visitas de técnicos da Agência a indústrias, laboratórios e outras instituições e visa compreender políticas, práticas e desafios enfrentados no uso de novas tecnologias.
Outra demanda constante do setor produtivo, e ainda desafiadora para os agentes reguladores, reside na previsibilidade de prazos e procedimentos para realização de análises técnicas.
Tarefa não muito simples, principalmente quando se trata de inovações tecnológicas.
Enfim, a regulação e o controle das substâncias químicas presentes em qualquer produto sujeito à vigilância sanitária é um exercício contínuo.
O avanço das normas sanitárias no sentido de acompanhar a evolução da tecnologia química requer a contribuição de todos os setores, regulador, produtivo e a própria sociedade.
Texto: Ubiracir Fernandes Lima Filho
Ubiracir Fernandes é químico industrial, mestre em síntese orgânica e produtos naturais, doutor em vigilância sanitária e pós-doutor em tecnologia de formulações.
É, também, membro da Câmara Técnica da Coordenação de Saneantes – Cosan, da Anvisa, conselheiro federal no CFQ e diretor técnico na BioData Desenvolvimento e Gestão de Projetos Biotecnológicos.
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